Elizeth Divina, o amor como sempre
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de setembro de 1986
"Artista o teu nome já nasce na lista
dos que vão brilhar, luz e esplendor
É marca divina, sagrado calor
que nos ilumina as canções de amor"
("Luz e Esplendor", Walter Queiroz)
A expectativa não poderia ser maior. Sem gravar há quase cinco anos, aos 66 anos - completados no último dia 16 de julho, os 50 anos de carreira de Elizeth Moreira Cardoso não poderiam passar em brancas nuvens.
E não passaram. Graças, entre outros, aquele que a quem a nossa música têm uma das maiores dívidas pelo seu atento/eterno trabalho de garimpeiro de talentos, resgatando dívidas e perdas e proporcionando que se aprenda a ver, cada vez mais, este Brasil (bem) brasileiro: Hermínio Bello de Carvalho.
Assim, finalmente se deu a Elizeth Cardoso, o tratamento que ela merece. Adjetivações são tão perigosas quando classificações, mas no caso de Elizeth, esta criatura maravilhosa que, há 5 décadas, traduz o amor em sua voz perfeita, única, corro o risco. Uma cantora que ultrapassou modismos, escolas, correntes e, continua a representar o que há de mais digno e sensível em nosso cancioneiro. Assim, de um encontro de pessoas que sabem reconhecer o seu valor - do jornalista empresário Ary de Carvalho, dono da "Última Hora", proprietário da Arca Discos, instrumentistas, compositores que emocionalmente não deixariam de criar músicas especiais para Elizeth, tudo "orquestrado" com a mais perfeita harmonia por Hermínio, mas que deixou a direção do espetáculo comemorativo (estréia no Scala e temporada no "Un, Dois, Trois" , seguindo-se excursão por várias capitais) para outro apaixonado elisetheano, Tulio Feliciano.
Como resultado temos visto Elizeth aparecer com destaque em programas nacionais de televisão, a imprensa abrir um justo espaço ao álbum "Luz e Esplendor" e, se espera agora, os programadores das FMs/AMs saibam divulgar suas novas e maravilhosas canções.
O álbum foi concebido com toda a competência que faz de HBC o produtor mais identificado ao melhor de Elizeth ( "A Enluarada", "Elizeth sobe o Morro", o recital no Municipal, com Jacob do Bandolim/Zimbo Trio etc.). Assim, como uma introdução temos a suíte "Elizetheana", na qual as vozes emocionantes de Alcione, Cauby Peixoto, Maria Bethania e Nana Caymi juntaram-se na releitura de cinco definitivos clássicos que Elizeth imortalizou ("Canção de Amor", "Nossos Momentos", "Meiga Presença", "Apelo" e "Se Todos Fossem Iguais a Você"). Inspiração iluminada marcou as músicas especialmente criadas para este mágico retorno vocal de Elizeth - como Joyce em sua "Faxineira das Canções" ou Walter Queiroz ("Luz e Esplendor").
De um paulista, ratão dos festivais e normalmente identificado a uma linha bem humorada da MPB, Hermínio encontrou uma canção "com a cara de Elizeth": o belíssimo "Operário Padrão", de Cesar Bruneti, que não nos cansamos de ouvir e que, sem favor, já está na lista das melhores músicas do ano. Baden Powell/ Paulo Cesar Pinheiro, em duas canções com o clima de amor e nostalgia, tão marcantes na obra que marca a Elizeth mais sensível: "Cabelos Brancos" e "Voltei". O mesmo clima de outonal saudade - mas com um otimista amor - sente-se em outras presenças especiais: a dupla Sereno/ Nei Lopes em "Calmaria e Vendaval", indagam "Quem pode definir o amor?", oferecendo uma resposta com a melhor voz para isto: "Só sei que é algo assim misterioso/ um frasco de veneno/um vinho embriagador/bálsamo queimando a pele/ ácido matando a sede/é vendaval é calmaria/é tristeza é alegria/ assim é que eu entendo o amor". De Gereba/Capinam, "Valsa derradeira" outro momento mágico de poesia e enlevo, mesmo clima de "Vento da Saudade" (Jorge Aragão/Sérgio Fonseca).
Um resgate histórico: "Complexo" (Wilson Baptista/M. de Oliveira), o lado B do 78 rpm que Elizeth gravou em 1949, na Todamérica, e que ficou esquecido porque o sucesso aconteceu com "Canção do Amor"( Chocolate/ Elano de Paula), até hoje, o seu insubstituível prefixo.
Num disco tão emotivo e belo como este - com arranjos distribuídos entre Antonio Adolfo, Rildo Hora e Rafael Rebello, arregimentaram os mais competentes instrumentistas, não poderia falar a presença emotiva de Paulinho da Viola, que é uma participação especial no enternecedor "Felicidade Segundo Eu" (Dona Ivone Lara/Nei Lopes), com um refrão que vale por uma filosofia de vida:
"Felicidade existe em qualquer lugar
Depende apenas de querer procurar
As vezes basta dar ouvido a voz
Que fala dentro de nós
(se estamos a sós...)"
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