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Aramis

Quem sabe dos três dias de Noel Rosa em Curitiba?

Noel vive! A frase pode ser grafitada nos muros deste país. Mesmo com todo massacre que se pratica contra a nossa MPB e colonialismo cultural com que é tratada a indústria musical, o mais carioca - e brasileiro - dos compositores continua vivo e hoje faz 80 anos de nascimento. Pode ter desencarnado naquela noite de 4 de maio de 1937, mas sua música continua mais viva, atual e bonita. Seus sambas (e como produziu em tão poucos anos de atividade!) sua musicalidade extraordinária, a fina ironia em sua verve de Poeta da Vila (Isabel) que eternizou em seus versos, uma vida repleta de amores, sambas, amigos e especialmente intensos sentimentos justificam que, passados 53 anos de sua morte física, continue a ser tema para estudos e, especialmente, mereça ser lembrado em discos, shows e programas especiais - como os que este grande animador cultural Hermínio Bello de Carvalho fará esta semana na Rádio Estadual do Paraná. O jornalista João Máximo, apaixonado por sua obra, em parceria com o pesquisador Carlos Ridjer, do grupo Coisas Nossas, oferece agora uma nova contribuição bibliográfica com o mais extenso estudo já feito sobre Noel, uma obra ("Noel Rosa, uma Biografia"), tão importante quanto extensa e que por isto mesmo demorou a encontrar editor (deve sair nas próximas semanas pela Editora da Universidade de Brasília). Em suas pesquisas sobre Noel, Máximo e Ridjer encontraram músicas inéditas, algumas das quais agora gravadas num álbum do Estúdio Eldorado, que também lançou em lp a comédia musical escrita pelo irônico Noel - "O Barbeiro de Niterói", paródia de "Il Barbieri di Siviglia", de Gioachino Rossini (1792-1868) que assim como "Ladrão de Galinha", foram apresentadas em 1936 na Rádio Clube do Brasil. João Máximo é constantemente requisitado para fazer apresentações de antologias de Noel, como a excelente produção que o atento Francisco Rodrigues, da EMI/Odeon, fez agora ("Feitiço da Vila"), em que reuniu 17 das mais famosas de suas composições com diferentes intérpretes: "Feitio de Oração" (com Vadico, 1934), com o Coral de Ouro Preto (gravação do Coral de Ouro Preto, 1962); "Pra que Mentir" (com Vadico, 1938) com Paulinho da Viola (1976); "Conversa de Botequim" (com Vadico, 1935) com Doris Monteiro (1971); "Filosofia" (com André Filho, 1933) com Mário Reis (1971); "Três Apitos" (1931) com Miltinho (1970); "Gago Apaixonado" (1931) com Moreira da Silva (1950); "O Orvalho Vem Caindo" (com Kid Pepe, 193) com Trio Irakitan (1968); "Último Desejo" (1937) com Maria Bethânia (1968); "Feitiço da Vila" (com Vadico, 1934) com Geraldo Vespar (1968); "Pra Esquecer" (1933) com Clara Nunes (1968); "Não Tem Tradução" (com Francisco Alves, 1933, também conhecido como "O Cinema Falado") com João Nogueira (1976); "Palpite Infeliz" (1936) com Francisco Egydio (1956); "João Ninguém" (1935) com Aracy de Almeida (1959); "Pastorinhas" (com João de Barro, 1938) com Silvio Caldas; "Até Amanhã" (1932) com João Petra de Barros (1932); "Fita Amarela" (1932) com Francisco Alves e Mário Reis (1933) e "Com que Roupa" (1930) com o próprio Noel Rosa. Esta seleção dá uma pequena idéia da obra de Noel Rosa - cuja grandeza comporta sempre novos estudos e revisitações. O professor Alceu Schwaab, 65 anos, incansável pesquisador, autor de "O Cassino do Ahú e a MPB" (lançamento em fevereiro/91), planeja aprofundar sua arqueologia sonora a respeito da única vez em que Noel Rosa passou por Curitiba. Enquanto o primo do cantor, Jacy Pacheco, em "O Cantor da Vila" (116 páginas, Edições Minerva, 1958) nem sequer inclui o fato, o parceiro, amigo e companheiro de Noel Rosa, Almirante (Henrique Foreis Domingues, 1908-1980) no basicamente referencial "No Tempo de Noel Rosa" (220 páginas, Livraria Francisco Alves Editora, primeira edição em 1962, relançado há dois anos), limita-se a citar a passagem de Noel por Curitiba numa linha da página 106. Aconteceu o seguinte: em março de 1932, Francisco Alves, Mário Reis e Lamartine Babo - "Os Ases do Samba" - apresentaram-se com enorme sucesso no Teatro Santana, de São Paulo. Em vista disto, Francisco Alves decidiu ir também ao Rio Grande do Sul, com a mesma equipe. Só que Lamartine não pode acompanhar a excursão e Chico Vila convidou Noel para substituí-lo. Em 29 de abril desembarcavam no "Itaquera", da Costeira (voar, na época, era uma aventura e por terra a viagem muito incômoda), Francisco Alves, Mário Reis, Noel Rosa, mais Peri Cunha e Nonô. A temporada gaúcha foi um sucesso! Depois das apresentações no Cine Teatro Imperial, a troupe esteve em Caxias do Sul, São Leopoldo, Cachoeira do Sul, Pelotas e Rio Grande, sempre com sucesso. Durante a temporada na capital gaúcha, Noel e Nonô (Romualdo Peixoto, 1901-1954, pianista, tio do sambista Ciro Monteiro, do pianista Moacir Peixoto, do trompetista Arakem Peixoto e do cantor Cauby Peixoto) residiam na Pensão de Mangache, na Rua Nova, e após os espetáculos permaneciam no dancing club Jocotó. Noel acabaria se apaixonando por uma das "criaturas do cabaré" - como escreve Almirante, acrescentando: "A volta ao Rio o encheu de tristezas dando origem a um dos mais melancólicos sambas de sua produção" - "Até Amanhã", gravada no mesmo ano por João Pedra de Barros (1914-1947). Em seguida, a referência do resto da excursão sintetizada em 4 linhas: "Depois se apresentaram em Florianópolis, num único dia (domingo, 05/06/1932) no Cine Glória, às 14, 16 e às 19 e 21h. No Teatro Palácio, de Curitiba, permaneceram três dias, ali terminaram a excursão". Há quem diga que a temporada foi no Cine Teatro Avenida, mais moderno e luxuoso, que havia sido inaugurado três anos antes (maio/1929) e que era arrendado por J. Muzillo. O Cine Teatro Palácio, tinha como arrendatário Antônio Mattos Azeredo - e as duas casas disputavam a melhor programação. Os jornais da época praticamente ignoraram a temporada e as testemunhas oculares dos dias em que Noel Rosa cantou em Curitiba até hoje não foram localizadas. E como isto aconteceu há 48 anos, é de se imaginar que só numa sessão espírita se conseguiria depoimentos a respeito. O professor Alceu Schwaab (que fez uma bela conferência sobre "Noel Rosa e a Medicina", levada a várias faculdades e agora transformada no programa da Estadual de hoje) não desanima: espera que surja alguém que tenha informações mais detalhadas sobre a passagem de Noel por Curitiba. Será que ele não teria se apaixonado por alguma alemãzinha da cidade?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
21
11/12/1990

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