Login do usuário

Aramis

Opereta de Noel Rosa chega 50 anos depois

Noel Rosa, autor de uma opereta? Mesmo com todo o respeito que o grande e admirável Noel de Medeiros Rosa (Rio de Janeiro, 11/12/1910 - 4/5/1937) mereceu, poucos acreditavam nesta faceta do autor de "Feitiço da Vila". Afinal, se o seu grande amigo e biógrafo, Almirante (Henrique Foréis Domingues, 1908-1980), em "No Tempo de Noel Rosa" ( 1963, livraria Francisco Alves) citava as três paródias que ele havia realizado para um programa de título longo e curioso na rádio Club do Brasil ("Como se as Óperas Célebres do Mundo Houvesse Nascido Aqui no Rio", não existiam registros escritos ou gravados destes trabalhos de Noel. É verdade que dos três trabalhos de Noel, dois não tiveram maior originalidade pessoal: em "O Barbeiro de Niterói", naturalmente inspirada em "O Barbeiro de Sevilha", em vez de colocar letra nas melodias de Rossini, o fez em sucessos da MPB na época. Repetiria a brincadeira em outra "opereta", "O Ladrão de Galinhas", onde até Ary Barrozo (1903 - 1964), parceiro e amigo, teve o seu clássico "Foi Ela", devidamente caricaturado. Mas o seu terceiro e último trabalho no campo do teatro musical radiofônico seria inteiramente original: "A Noiva do Condutor". Todo o texto, todas as letras e algumas músicas seriam suas, o restante da partitura ficando por conta de Arnold Gluckmann, compositor e regente húngaro que também integrava o cast da Rádio Clube do Brasil. Por motivos vários, está nova "opereta" (se se pode chamá-la assim), ficaria inédita , até o ano passado, apesar dos esforços que, por muito tempo, Almirante, herdeiro dos manuscritos, fez no sentido de montá-la ou gravá-la. O entusiasmo de dois dos maiores admiradores de Noel Rosa, o jornalista João Máximo e o músico-cantor Caola (do grupo "Coisas Nossas", que se dedica há anos a divulgar a obra de Noel Rosa), na pesquisa sobre a vida do autor de "Último Desejo", para um livro (ainda inédito), provocou que a opereta chegasse nas mãos de Aluízio Falcão, diretor de Estúdio Eldorado. Apaixonado por projetos culturais - desenvolvidos inicialmente na etiqueta Marcos Pereira e, atualmente, no Eldorado, onde já havia produzido, há 2 anos, outro excelente álbum com base em pesquisas de Coala e João Máximo - "Noel Rosa, Inédito e Desconhecido". No depoimento dos próprios Caola e Máximo, com um enredo tipicamente familiar - e de tintas mais leves do que as que Noel costumava usar - o poeta diz o que pensa da vida e das pessoas. Salpica de ironia e crítica social a história da paixão de Joaquim, motorneiro de bondes (que se diz advogado) para conquistar a bela Helena e amaciar seu pai - personagens interpretados por Caola, Marília Pera e Grande Otelo, respectivamente. Subliminarmente, a opereta fala de hipocrisia, do apego ao dinheiro, do amor por interesse, da preocupação com as aparências. Trabalhando sobre a partitura de Gluckmann, Aluísio Didier procurou criar orquestrações que embora mais modernas do que as concebidas há mais de 50 anos, tentam reviver, entretanto o clima dos pequenos grupos instrumentais de teatro que até hoje atuam nas operetas européias, adicionando-lhes alguns ingredientes brasileiros. Assim, como bem acentuou João Máximo, soma-se o estilo meio centro-europeu de Gluckmann com a carioquice de Noel, partindo-se muitas vezes de idéias que Gluckmann deixou apenas esboçadas . O resultado foi excelente: as vozes de Caola, Marilia e mesmo de Grande Otelo e de Oscar Bolão (em breve aparição, como pai de Helena ), são amparadas por ótimos músicos - desde secção de cordas, até instrumentistas populares, como o baixista Zeca Assumpção, clarinetista Netinho e especialmente os irmãos Henrique e Beto Cazés, no banjo e percussão, respectivamente - os dois integrantes tanto da extinta Camerata Carioca, como também do grupo Coisas Nossas e filhos de um compositor que só agora, revela-se em sua esplêndida musicalidade num ótimo lp independente ("E assim eu vou vivendo...", março/1986) Só o prazer de ouvir músicas inéditas de Noel Rosa - um dos cinco maiores compositores de nossa MPB - já tornaria indispensável este álbum-documento. Mas o mais importante é que as 10 músicas aqui reunidas formam uma história alegre, divertida e brasileiríssima (mas universal também). Sua estrutura pode ter pouco da opereta que a inspirou - mas tem muito a ver com a nossa cultura popular. E por isto vale nota10.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
07/09/1986

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br