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Aramis

Divina Elizeth, cantadeira do amor em sua despedida musical

Finalmente, um ano e meio após ter sido gravado, temos o documento final daquela que foi a maior cantora deste país: Elizeth Cardoso. Infelizmente, a Divina, a Enluarada, e Cantadeira do Amor - e tantos outros objetivos que foram cunhados para definir sua presença maior em nosso cancioneiro, não está mais entre nós. Em 7 de maio de 1990, Elizeth morria, às vésperas de completar seus 70 anos. (16/7/1920). Que dizer perante a perda desta que foi a grande e definitiva cantora de amores e desamores, encontros e partidas, que traduziu em suas canções todo o sentimento do mundo? Hermínio Bello de Carvalho, 54 anos completados no mês de março, poeta maior, letrista admirável, produtor perfeito e o grande animador / criador deste país, foi a pessoa que melhor entendeu Elizeth como artista. Graças a Hermínio, Elizeth deixou uma obra magnífica registrada em alguns antológicos, conforme o pesquisador Jairo Severiano descreve em texto especial que publicamos nesta mesma página. Desde que levou Elizeth para gravar "Ary Amoroso" (no MultiStudios, Barra da Tijuca, entre os dias 27 de outubro a 2 de novembro de 1989) e, dois meses antes, em 23 de setembro, as canções em que apenas acompanhada do violão por Rafael Rabello, resultariam em "Todo o Sentimento", Hermínio passou a viver em função de ver estes álbuns editados com o carinho e cuidado que mereciam. "Ary Amoroso", exclusivamente com músicas de Ary Barroso, chegou a ter uma tiragem limitada, de apenas 3 mil exemplares, patrocinada pelos Móveis Itatiaia, que teve distribuição exclusiva aos clientes da empresa e jornalistas. Inscrito no Prêmio Sharp de Música, foi escolhido o melhor disco de 1989 mas permanecia inédito para o grande público. Já com "Todo o Sentimento" , só os muitos amigos do produtor-poeta o conheceram em reservadas fitas. Empenhando-se para que os álbuns tivessem edições no primeiro semestre de 1990 - quando o estado de saúde já se agravava - Hermínio sofreu com a insensibilidade de record-men, especialmente junto a Sigla / Som Livre, que não entenderam a grandiosidade de sua proposta. Com isto, Elizeth morreu sem ter a alegria de ver estes seus documentos finais de uma carreira da maior dignidade lançados nacionalmente. Só este ano, junto a Sony Music - ex-CBS - Hermínio conseguiu acertar a edição dos dois álbuns, que chegaram nas lojas em maio, justamente quando fazia um ano da morte de Elizeth. Uma triste efermide, apesar da saúde debilitada quando fez as gravações - uma compensação aos milhares de brasileiros que sempre souberam reconhecê-la como a nossa melhor intérprete. "Ary Amoroso" é uma antologia romântica de compositor nascido em Ubá, MG e falecido no Rio de Janeiro num domingo de Carnaval. Sua obra é revisitada por uma Elizeth de voz ampla e emocionada, que veste os arranjos de Gilson Peranzetta e Maurício Carrilho, e neles viaja acompanhada por alguns dos maiores músicos brasileiros: o próprio Peranzetta nos teclados, Rafael Rabello no violão, Zeca Assumpção no baixo acústico, Wilson das Neves na bateria e ainda a participação especial de Sivuca no acordeon, David Shure no violoncelo. Maurício Einhorn na gaita de boca, Mauro Senise no sax soprano e Sílvio Barbosa no trombone (*). "Todo o Sentimento" traz apenas o violão de Rafael Rabello (**), acompanhando a Divina num álbum que HBC define como "conceitual, uma espécie de autobiografia onde Elizeth narra a trajetória de uma faxineira das canções, desde a solidão de um camarim até os aplausos arrebatados num metro quadrado de palco num teatro, onde se fez poderosa". O repertório abrange Joyce ("Faxineira das Canções") , Cartola ("Camarim", parceria de HBC), Baden Powell-Paulo Cesar Pinheiro ("Refém da Solidão" e "Violão Vadio"), Tom / Vinícius ("Janelas Abertas", "Modinha"), Baden-Vinícius ("Consolação"), Sílvio Caldas / Orestes Barbosa / Luis Reis ("Canção da Manhã Feliz"), Herivalto Martins / Aldo Cabral ("Bom Dia"), Jacob do Bandolim / Hermínio ("Doce de Coco"); Cristóvão Bastos / Chico Buarque ("Todo o Sentimento") e Vitório Jr. / Wilson Pereira ("Violão) . Um repertório que, como se vê, sintetiza todo o sentimento de Elizeth, de um povo, da poesia musicada brasileira. Como escreveu, com profundo amor, Chico Buarque na contracapa: "Canta, canta, canta mais! Porque Elizeth é a nossa cantora mais amada. Voz da mãe, e mãe de todas as cantoras do Brasil". Nada precisa ser acrescentado. É ouvir sempre esta eterna Elizeth nestes dois discos para ficar na história da MPB. Com todo o sentimento, toda a saudade, toda a musicalidade do mundo! Nota (*) O repertório de "Ary Amoroso" é formado por "Inquietação", "Faixa de Catim" e "Na Batucada da Vida" (com Luís Peixoto), "Camisa Amarela', "Folhas Mortas", "Trapo de Gente", "Ocultei", "Tu" (participação especial de Tony Mascarenhas), "Pra Machucar Meu Coração", "Por Causa Desta Cabocla", "As Três Lágrimas" e "Inquietação". Na edição dos melhores de 1989, já incluímos "Ary Amoroso" como um dos dez melhores discos nacionais, embora lançado em edição reservada. Como agora tem sua edição comercial, o mesmo voltará a ser mencionado no referendum dos melhores de 1991. LEGENDA FOTO: Elizeth e Hermínio, durante as gravações de "Todo o Sentimento", em novembro de 1989.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
4
09/06/1991

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