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Aramis

O grande retorno de Johnny Alf

Entramos no último mês do primeiro semestre de 91 e as perspectivas musicais continuam limitadas. Difícil será relacionar dez lançamentos de MPB que mereçam destaque feitos nestes cinco primeiros meses do ano e, entre eles, estariam, sem dúvida, apenas gravações de gente já conhecida - até obras póstumas, como os dois belíssimos elepês deixados por Elizeth Cardoso (1920-1990), produzidos pelo incansável Hermínio Bello de Carvalho e que só agora estão chegando às lojas graças a Sony Music (ex-CBS). A revitalização da Bossa Nova - deflagrada especialmente a partir do livro "Chega de Saudade" de Rui Castro ( Companhia das Letras) provocou ao lado de reedições de muitos fonogramas há anos esgotados (grande parte, aliás, agora disponível em CD), o lançamento de dois álbuns que estarão entre os melhores do ano - produzidos ainda em 1990, mas só neste ano lançados comercialmente: "João" com João Gilberto (Polygram) e "Olhos Negros" com Johnny Alf. Sobre João Gilberto - o maior mito da Bossa Nova - a mídia já deu todo o destaque possível, possibilitando, inclusive, que pela primeira vez pudesse emplacar vendas que lhe [valeram] um "disco de ouro" (Mais de cem mil cópias vendidas). Johnny Alf,, que com João também não gravava há mais de dez anos, não teve a mesma intensidade na cobertura. Aliás, a imprensa, rádio e televisão tem sido extremamente [injusta] com este carioca genial, antecessor a João Gilberto na Bossa Nova, pianista, compositor e cantor do mais alto nível que, devido ao seu temperamento tímido, retraído, tem passado longas temporadas no maior esquecimento. Nunca nos cansamos de em todos os espaços nos quais escrevemos clamar pela injustiça que se fez com Johnny Alf, relegando-o a um obscuro campo quando, mais do que nenhuma outra personalidade da Bossa Nova, mereceria o mesmo destaque de João Gilberto ou mesmo Antonio Carlos Jobim - que aliás sempre o reconheceu em seu imenso talento. Johnny Alf, (Alfredo José da Silva), 62 anos completados no último dia 19 de maio, tem uma história de lutas, sacrifícios e problemas que refletem bem a marginalização dos músicos brasileiros. Órfão (seu pai, cabo do exército, morreu em 1932), sua mãe, uma humilde senhora, trabalhou como doméstica em casa de família para custear seus estudos. Inteligente, aos 9 anos já estudava piano com Geni Borges, amiga da família onde morava e logo se apaixonou pela melhor música americana, especialmente Gershwin e Cole Porter. Aos 14 anos, quando ainda estudava na Escola Cruzeiro, no bairro de Andaraí, RJ, formaria [o] seu primeiro grupo, tocando nos fins-de-semana. Cursou até o segundo grau no colégio Pedro II, onde ligou-se ao pessoal que freqüentava o Instituto Brasil-Estados Unidos. Era a época do Sinatra-Farney Club (que teve entre seus sócios Tom, Nora Ney e Luís Bonfá) Johnny começava a chamar atenção por sua musicalidade incrível. Como seu pai, foi servir ao exército a chegou a cabo, mas, felizmente para a MPB, o radialista César de Alencar que havia inaugurado a "Cantina do Cesar" o convidou para trabalhar à noite. Ali, a atriz Mary Gonçalves (que tinha sido Rainha do Rádio em 52 e depois casaria com um americano), escolheu três de suas composições ("Estamos sós", "O que é amar", e "Escuta" ) para o seus lp "Convite ao Romance". Em seguida, foi convidado para integrar como pianista o conjunto que o violinista Fafá Lemos formou para toar na boate Monte Carlo. Nesta época, a convite do produtor Ramalho Neto, gravou na Sinter seu primeiro disco, um 78 RMP com "Falsete" de sua autoria e "De Cigarro em Cigarro" (Luís Bonfá). A partir de então, Johnny não mais deixou a música e a noite. Trabalhou na maioria das boates [da] grande noite dos anos 50, mas quando a Bossa Nova aconteceria ele estava em São Paulo, onde trabalhou principalmente na boite Baiuca e Bar Michel. Em 1961, Johnny faria seu primeiro lp ("Rapaz de Bem", RCA) que incluía, entre outras canções, "Ilusão Atoa". Embora convocado por Chico Feitosa para participar do Festival de Bossa Nova no Carnegie Hall, em 26/11/1962, em Nova York, preferiu ficar em São Paulo. Mais tarde, voltaria ao Rio, época em que o Beco das Garrafas fervilhava com os maiores nomes da música instrumental e vocal, do movimento que entrava em efervescência. Johnny faria outro disco notável ("Diagonal", RCA, 65) mas retornando a São Paulo passaria a trabalhar apenas na noite e mesmo gravando os elepês "Ele é Johnny Alf," (Parlophon, 71) e "Nós" (Odeon), fiaria distanciado da mídia promocional. Para atender ao pedido de um amigo que iria casar-se compôs uma música para fundo musical da cerimônia mas que foi vetada pelo padre. Em 1967, a cantora Márcia o procurou em busca de uma canção para participar do Festival de MPB da Record (1967). A composição inédita ganhou letra e nome e, injustamente desclassificada (que burrada do júri!) no festival, se tornaria, depois um clássico - um dos dez mais elos momentos da canção romântica de nossa MPB: "Eu e a Brisa". Kardecista, Alf faria músicas como "Kão Xango" e "Canção da Demanda" e, em 1978, na Chantecler, gravou um lp ("Desbunde Total"), infeliz a partir do título. Felizmente, agora, com "Olhos Negros", um carinhoso projeto criado e produzido por Libert Gadelha, Johnny Alf, voltou com uma produção a altura de seu talento. No CD, foram incluídas duas canções inéditas ( "Tem Mais" e "Bar da Praia") que não constam no elepê. Para esta produção, A Barclay decidiu reunir a Johnny Alf, outras vozes, de artistas que o admiram, num [misto] de homenagem e também jogada de marketing. Como homenagem tudo bem! Como marketing, dispensável: Johnny , em si, não precisa de nenhuma muleta para mostrar seu imenso talento. Assim, "Olhos Negros"- (uma canção inédita, cuja interpretação divide com Caetano Veloso) - é um elepê bonito e marcante mas que, esperamos seja apenas o aperitivo de um novo álbum, com Johnny se soltando mais no instrumental - ele que a exemplo de Nat King Cole (1917-1965) sempre foi também um esplêndido solista jazzístico. No disco estão composição novas - como "Dois Corações" (com Roberto Menescal), "Sonho e Fantasias" (com o pianista Marcio Montarroyos), "O que é amar" (com Sandra de Sá), "Eu e a Brisa" (com Johnny Alf), "Nós" (com Zizi Possi) e a deliciosíssima "Seu Chopin, Desculpe" (com Chico Buarque), sem falar no "Ilusão Atoa", dividida com Gal Costa. Um disco maravilhoso, marco do retorno fonográfico de um dos maiores nomes de nossa MPB e que merece, receber em vida, todos os aplausos e glórias a que tem direito.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
02/06/1991

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