O filme que deu um Oscar que o autor não pode ter
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de março de 1990
Nesta época de Oscar, no qual todos os aspectos são explorados ad nausean pela imprensa e mesmo livros sobre os bastidores da maior festa-marketing da indústria cinematográfica mundial são procurados, tanto nas edições internacionais e como na recém-lançada tradução de "Os Bastidores do Oscar", não deixa de ser oportuno registrar o aparecimento de um modesto filme que ficou na história do Oscar devido a um detalhe: o roteirista premiado não foi buscar o troféu na noite da festa, há 34 anos passados. E este filme - "Arenas Sangrentas" (The Brave One), lançado originalmente no saudoso cine Ópera, em 1957 (ali permanecendo três semanas em cartaz) saiu agora no pacote da Cinematográfica F. J. Lucas Netto Ltda., que, aliás tem feito boas edições.
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Produção do extinto estúdio R. K. O., que nos anos 50 chegou a pertencer ao lendário multimilionário Howard Hughes (1905-1976) "The Brave One" abordava uma temática que Orson Welles (1915-1975) havia cogitado em aproveitar no episódio mexicano de seu inconcluso "All That's True", que o trouxe ao Brasil em 1942.
O cineasta Irving Rapper, 92 anos, encomendou ao roteirista Dalton Trumbo (1905-1976) um roteiro em torno de uma história sobre um menino e o seu animal: Leonardo (Michael Ray), um garoto pobre do México, criou desde pequeno, um touro que salvou de uma tempestade e lhe deu o nome de Gitano. O animal passa a seguí-lo como um bichinho de estimação, até que um dia seu verdadeiro proprietário o inscreve para um espetáculo com o matador Fermin Rivera, na arena mais famosa do país. O menino tenta conseguir a libertação do animal chegando até ao Presidente, mas o que não impede que o touro seja levado à arena.
Juntando o sentimentalismo, a empatia que crianças sempre provocam e a ternura dos animais - no caso mostrando um lado simpático dos touros, normalmente os vilões de clássicos do gênero - de "Sangue e Areia" (Blood and Sand, 1942) de Rouben Mamoulian (1898-1987) ou o realismo de "Touros Bravos" (The Brave Bulls, 1951), de Robert Rossen (1908-1966), naturalmente "Arenas Sangrentas" foi um grande sucesso. Além disto, o admirável roteiro mereceu a indicação ao Oscar e foi premiado em 1956, quando concorreu com "Melodia Imortal" (Leo Katcher), "Alta Sociedade" (Edward Bernds/Elwood Ullman), "The Pround and the Beautiful" (Jean Paul Sartre) e "Umberto D" (Cesare Zavattini).
Só que na hora de anunciar o vencedor - Robert Day - ninguém apareceu. Este havia sido o pseudônimo que o autor de "Uma Arma para Johnny" tinha adotado, já que na época Trumbo estava proibido de trabalhar, pois havia sido um dos chamados "10 de Hollywood" - entre roteiristas, diretores e atores que resistiram a perseguição nazista do senador Joseph McCarthy. Brilhante roteirista, autor do clássico "Johnny Get Hass Gun" (que ele mesmo filmaria em 1971), Dalton Trumbo só voltaria a assinar, com seu nome, um roteiro, em 1960, quando o liberal ator-produtor Kirk Douglas, insistiu em sua participação para adaptar a tela o romance de outro escritor tido como comunista, Howard Fast, em "Spartacus", dirigido por Stanley Kubrick - e até hoje o mais político dos filmes históricos (disponível também em vídeo, lançado pela Warner).
O diretor Irving Rapper, embora não seja considerado nenhum gênio, foi um competente artesão, nascido na Inglaterra e que a partir de 1941 ("Shining Victory/Gloriosa Vitória"), realizou mais de 30 filmes nos EUA, dos quais um dos maiores sucessos foi "Estranha Passageira" (Now Voyager, 1942) - citado por Robert Mulligan numa das cenas do lírico "Houve Uma Vez Um Verão". O fotógrafo de "The Brave One" foi o mestre Jack Cardiff, que após ter ajudado em filmes antológicos ("Narciso Negro" e "Os Sapatinhos Vermelhos", ambos de Michael Powell, cineasta falecido aos 85 anos, há poucas semanas - e disponíveis em vídeos selados também fez alguns filmes como diretor. A música é de Victor Young (1900-1956), possivelmente o mais conhecido compositor de trilhas sonoras americanas.
Michael Ray, o ator inglês, que na época que fez o filme tinha 11 anos, não chegou a fazer carreira embora tenha participado de outros filmes. Por exemplo, aos 17 anos apareceu em "Lawrence da Arábia", 1962. De David Lean, cuja versão restaurada (incluindo as seqüências cortadas no lançamento, há 28 anos) em breve estará em exibição no cine Plaza.
"Arenas Sangrentas", lançado agora em vídeo. É um filme interessantíssimo, que vale a locação. Em Curitiba, pode ser encontrado no Disc-Tape, na rua Padre Anchieta - já que em muitas arapucas que se dizem locadoras, não houve sensibilidade (e informação) dos picaretas que os exploram em adquirir este ótimo lançamento.
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