Uma mostra que mereceria um pouco mais de carinho
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de março de 1990
Embora seja um fanático por cinema - lazer cultural que não deixa de frequentar mesmo quando enfrenta sérias crises (como a atual, em decorrência dos protestos provocados pelo aumento do IPTU), o prefeito Jaime Lerner raras vezes comparece na Cinemateca. Como centenas de outros fãs do bom cinema, mas que exigem o mínimo conforto, o prefeito Lerner reconhece que "só com muita disposição" é possível enfrentar o calor (o aparelho de ar condicionado fica desligado porque faz muito barulho, na esfarrapada desculpa dos responsáveis pela sala), cadeiras de suplício, localização péssima etc., para assistir os filmes ali exibidos. O problema preocupa tanto Lerner que ele conseguiu convencer o seu amigo Antoninho Bornia, diretor do Bradesco, a doar NCz$ 10 milhões para, utilizando uma área ociosa ao lado da Casa da Memória, na Rua 13 de Maio, ali construir nada menos que dois auditórios e uma nova sede da Cinemateca - num projeto que os criativos arquitetos Abrão Assad e W. Angel executaram, e que está agora nas mãos da diretoria de marketing do Bradesco.
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Só que enquanto não se faz uma nova Cinemateca, não custaria que a Fundação Cultural tivesse mais sensibilidade e mesmo respeito com as representações culturais das representações diplomáticas internacionais que, gratuitamente, fornecem programações para que a Fundação justifique sua caríssima estrutura. Assim, ao invés de fazer reprises constantes de filmes que já existem em vídeo, eventos como o programa comemorativo aos 50 anos do Instituto do Filme do Canadá poderiam ser exibidos ao menos no cine Groff (também em péssimo estado de conservação, mas assim mesmo ainda mais confortável do que a Cinemateca). Já inúmeras vezes, aqui denunciamos a verdadeira queima que a Fucucu faz de excelentes promoções cinematográficas, relegadas à sala da Cinemateca ou, quando programadas em suas salas comerciais, em horários infelizes. Festivais vindos da França, Bélgica, Suíça etc., e, especialmente trazidos pelo Goethe Institut, foram prejudicados por falta de melhor atenção. A ex-diretora do Goethe, inclusive, uma noite tropeçou na perigosíssima escada que dá acesso à sala de exibição da Cinemateca e por pouco não teve que ser hospitalizada. Esbravejando, reclamou na ocasião da péssima condição oferecida para realização do evento - motivo aliás, pelo qual, sempre que pode, o Instituto Cultural Brasileiro-Germânico prefere usar hoje seu próprio auditório, bem mais confortável - ou então o auditório Brasílio Itiberê, da Secretaria da Cultura.
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Pela importância do National Film Board of Canada, criado em 1939, quando o primeiro-ministro do Canadá, Mackenzie King, convidou o cineasta John Grierson, para organizar em Otawa um centro de produção governamental de Curta metragem, esta mostra que estará - infelizmente - na péssima sala da Cinemateca, a partir da próxima terça-feira, mereceria ser levada a qualquer outro dos cinemas da Fundação. Se vier algum representante diplomático da Embaixada ou do Consulado Geral (em São Paulo) do Canadá, será vergonhoso para a cidade mostrar o local em que dezenas de filmes realizados entre 1939/89, agrupados em cinco diferentes programas, serão exibidos.
Como a Fundação Cultural deve basicamente voltar-se a eventos culturais, ampliando o público, nada mais justo seria do que exibir no confortável cine Luz os 5 programas de filmes produzidos pela National Film Board of Canada - incluindo oito deles entre filmes de animação e documentários que receberam Oscar, em suas categorias, entre 1952 ("Vizinhos", desenho animado) a "Flamenco" (documentário, 29 minutos, 1984) e que são, quase todos, inéditos no Brasil.
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Pela qualidade dos filmes selecionados para esta mostra comemorativa aos 50 anos do Instituto nacional do Filme do Canadá - nos programas "Realizações de Norman McLaren" (o maior nome do cinema de filmes de animação e cuja genialidade projetou o cinema canadense): documentários filmes de animação; ciência e tecnologia e o I. N. F. e o Oscar - mereceriam melhor tratamento. Seja a desculpa que for apresentada, nada justifica o desperdício de mais esta promoção de primeiro nível numa sala péssima, enquanto os cinemas da Fundação - que não deveriam ter apenas fins lucrativos - ficam com reprises dispensáveis como as que fazem nesta semana, de filmes que embora de valor há muito já existem à disposição em vídeo: "Ao Sul do meu Corpo" (Groff) e "O Beijo da Mulher Aranha" (Luz).
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