Na batalha das rendas, até o filme com Sonia foi um fracasso
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de setembro de 1988
Não é só o futebol. O cinema também pode ser adjetivado de caixinha-de-surpresas. Especialmente em termos de bilheteria. Eis um bom exemplo: "Rebelião em Milagre", segundo longa dirigido por Robert Redford, marcando praticamente a estréia de Sônia Braga numa produção americana (afinal, "O Beijo da Mulher Aranha", de Babendo, foi feito em São Paulo e só finalizado nos EUA) vem tendo uma excelente cobertura desde que foi iniciado, há quase dois anos. Exibido hors-concours no último Festival de Cannes, boas críticas (realmente é um belo filme, com profundidade social) teria, assim, tudo para fazer uma boa carreira. Entretanto, a UIP queimou este filme, lançando-o, sem qualquer promoção, há duas semanas no Lido I e colheu o que plantou: apenas 321 pessoas foram assistir a um filme de qualidade e que poderia ter um ótimo público. Algumas sessões tiveram até que ser canceladas.
Em compensação, uma mostra de filmes produzidos entre os anos 20/40, com muitos filmes sem legenda em português vem atraindo um público jovem e interessado: a retrospectiva do Cinema Alemão, iniciada há duas semanas e que poderia ter ocupado tranqüilamente, uma das salas da Fucucu (que insiste em fazer reprises de filmes sem maior significado), oferecendo conforto ao público interessado. Uma questão que merece(rá) comentário à parte, pois, mais uma vez Curitiba é prejudicada. Basta dizer que dos 100 filmes que o Instituto Goethe reuniu para esta grande retrospectiva, apenas 25 foram trazidos a Curitiba. Quem fez os cortes? Quais os critérios? Uma questão grave e que merece ser discutida.
De qualquer forma, a retrospectiva tem filmes importantes, como uma curiosa direção de Peter Lorre ("O Perdido", 51, sem legendas, hoje, 18 e 22 horas na Cinemateca); "Quando o diabo veio" de Robert Sidmak (1957, também sem legendas) e "A Ponte" (1959, Bernard Wicki). Domingo na Cinemateca, dois filmes mais recentes: "Despedida de ontem" (66, de Alexander Kluge) e "Aguirre, a ira de Deus" (1972, de Werner Herzog).
A retrospectiva prosseguirá segunda-feira no auditório Brasílio Itiberê, improvisado como sala de exibição (apesar das promessas de ser ajustada a condições mínimas, a burocracia e incompetência dentro da Secretaria fez com que nem sequer a cabine de projeção fosse providenciada). Dia 26, serão exibidos "Eu te amo. Eu te mato" (1971, de Uwe Brandner) às 19h e "Uma mulher de negócios" (1972, de Hainer Fassbinder), às 21h. A mostra prosseguirá naquela improvisada sala até o dia 7 de outubro. Frise-se que sua realização no espaço da Secretaria da Cultura só foi possível graças ao dinamismo de Valêncio Xavier, diretor do MIS, tentando driblar a arterioesclerosada estrutura burocrática que impede há meses o funcionamento regular de um espaço alternativo para exibição de filme não comerciais. Valêncio, homem prático, mesmo com as limitações da sala, tenta movimentá-la.
A Conferência de Wansee - Por uma (feliz) coincidência, nesta semana em que prossegue a retrospectiva alemã, chega no Groff, infelizmente sem a promoção merecida, um dos mais interessantes filmes já feitos sobre o nazismo e judeus: "A Conferência de Wansee" (Die Wanseekonferenz) que reconstitui um dramático fato dos bastidores da II Guerra Mundial: em 20 de janeiro de 1942, 15 nazistas se reuniram numa mansão em Wansee, tranqüilo subúrbio de Berlim, atendendo à convocação de Reinhard Heydrich, chefe de polícia de segurança e do serviço secreto do III Reich. O objetivo do encontro era coordenar a implantação da chamada Solução Final da Questão Judaica. Ali, no exato espaço de 90 minutos, 15 nazistas decidiram pelo destino de milhões de judeus, num encontro frio, impessoal e puramente profissional. Documentodrama - isto é, reconstituindo o fato com atores, mas calcado puramente nos documentos que encontrou a respeito, o realizador Manfred Korytowski fez um filme que financiado pela televisão alemã foi visto primeiramente nos cinemas da República Federal da Alemanha e já levado a 27 países.
No IV FestRio (novembro/87), Robert Alexander, executivo do grupo Oddebrecht, sobrinho do produtor Korytowski, apresentou em vídeo, numa mostra paralela, uma primeira versão, sem legendas. A Latina, distribuidora de filmes independentes, assumiu a sua veiculação no Brasil e assim "A Conferência de Wansee" (que, no dia 26/11/87, comentávamos na primeira página do ALMANAQUE, no primeiro grande registro feito na imprensa brasileira a respeito) chega agora ao público. Pena que, mais uma vez, a Fucucu não tenha sabido promover como deveria. Considerando seu interesse para a comunidade israelita, bastaria ter feito uma exibição especial para líderes daquela comunidade, bem como professores da história contemporânea, para garantir maior público. Lançado sem qualquer promoção e informação (apesar do jornalista José Haroldo Pereira, da "Manchete", amigo de Robert Alexander, ter preparado um ótimo press-book a respeito), "Die Wanseekonferenz" corre o risco de fracassar - exclusivamente pela falta de comunicação. Motivo pelo qual voltaremos a falar a respeito.
Sucesso nacional - Salutar ver dois filmes brasileiros, de qualidade, dobrando a semana: "Feliz ano velho", de Roberto Gervitz, candidato a ficar entre os 10 melhores do ano, dobrou no Cine Itália e agora está também no Cinema I. Um belo filme, mostra como um best-seller pode ser transposto com inteligência para a tela. "A menina do lado", de Alberto Salvá - que valeu a Reginaldo Faria o Kikito de melhor ator em Gramado-88 - também conseguiu uma proeza: ganhar segunda semana no Bristol, uma sala que geralmente enterra os filmes ali exibidos. Para o êxito deste filme colaborou a promoção feita pelo jovem Dino Bronze, trazendo a Curitiba alguns atores e o diretor Salvá, mostrando que o cinema é uma mercadoria que necessita de bom marketing para chegar ao público.
Outros programas - "Busca Frenética" está arrebentando a boca-do-balão no Cine Condor: a competência de Polanski, um bom argumento, Harrison Ford e Emmanuelle Seigner encabeçando o elenco, uma excelente trilha sonora de Ennio Morricone (lançada esta semana pela WEA) fazem de "Frantic" um thriller excitante e gostoso. Um filme para permanecer semanas em cartaz, com um público crescente.
Outro filme em cartaz, que mesmo com lançamento obscuro, tem um público imenso é "Setembro", de Woody Allen. Mais uma prova de que como foram idiotas as críticas negativas deste penúltimo filme de Allen (o último está em fase de lançamento nos EUA). Uma obra sensível, admirável - capaz de repetir o que vem acontecendo nos últimos três anos: Allen na cabeça da listagem dos 10 melhores do ano. Um filme para visão e revisão. Em exibição no Luz, no qual, se espera, permaneça em cartaz ao menos até o final de setembro.
Entre as estréias, mais um drama sobre jovens e drogas: "Abaixo de zero" (Less than zero), de Marel Kanieveska. Baseado em romance de Breat Easton Ellis, lançado em março nos EUA, foi um tremendo fracasso de público. O que deve se repetir no Brasil.
Em compensação, "Big - Quero ser grande", de Penny Marshall - com Hanks e Robert Loggia, um dos 5 filmes de maior bilheteria nos EUA, tem pré-estréia sábado, às 22 horas no Plaza e lançamento na próxima quinta-feira.
LEGENDA FOTO - Harrison Ford e Emmanuelle em "Busca Frenética": um thriller na melhor tradição de Hitchcock. Em exibição no Astor.
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