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Ofensas a Dalva não tiram iluminada alegria de Pery

Pery Ribeiro estava feliz na quinta-feira, 8, durante as horas que passou em Curitiba. A homenagem prestada a sua mãe, a cantora Dalva de Oliveira (Vicentina de Paula Oliveira, 1917-1972), com a edição do álbum duplo "Estrela... Saudade" (Revivendo, março/90), apresentado oficialmente em solenidade na Sala Antonio Mililo da Secretaria da Cultura foi um justo reconhecimento ao talento de uma das maiores cantoras brasileiras. Três grandes admiradores de Dalva - os colecionadores Rubens Toledo Pizza, de São Paulo; Augusto Brandi (Dino), de São José do Rio Preto e Jadir Zanardin, de Niterói, fizeram questão, de por sua conta, aqui estarem nesta iniciativa do Museu da Imagem e do Som. Amigos e colaboradores do produtor Leon Barg, dono da Revivendo, vieram para, juntos a Pery, prestigiarem uma iniciativa marcante, que faz com que 30 das mais belas marcha-ranchos gravadas por Dalva, remixadas e reprocessadas eletronicamente pelo especialista Airton Pysco (que, embora convidado, não pode vir) mostram agora as novas gerações uma das mais belas vozes de nossa MPB. Aos mais velhos, que acompanharam a carreira de Dalva, a edição deste álbum - o 50º do selo Revivendo, criado há dois anos para a reedição do que há de melhor em nossa MPB - proporciona a audição de clássicos como "Bandeira Branca", "Rancho da Praça Onze", "Estão Voltando as Flores", "Rancho do Bonde" etc., em registros limpos de maiores ruídos. xxx Só após a festa de lançamento, quando tomava um legítimo scotch na residência do produtor Leon Barg - antes de jantar no Madalosso, em Santa Felicidade, foi que Pery Ribeiro externou a tensão que estava há dois dias. Desde a manhã de quarta-feira, quando leu na "Folha de São Paulo", o maldoso review do jornalista Luiz Antonio Giron sobre o disco ("Dalva de Oliveira cantava lágrimas de crocodilo"), Pery de Oliveira Martins, 52 anos, filho do casamento de Dalva com o compositor e cantor Herivelto Martins, não escondia sua justa revolta. É que o crítico da "Folha Ilustrada", abordando a edição do disco fez uma série de comentários desairosos em torno da Estrela Dalva, inclusive atribuindo ao ator Grande Otelo (Sebastião Bernardes de Souza Prata, 75 anos) uma frase que, em outro sentido - e do maior entusiasmo pela voz da cantora - foi pronunciada nos anos 40 pelo compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959): ela cantava com tanta dor/emoção que sua voz parecia vir do útero (expressão que, contemporaneamente, Hermínio Bello de Carvalho, usou em relação a Nana Caymmi, também, com admiração). Só que Giron colocou aquilo que era um elogio de forma preconceituosa, ao escrever que na voz da cantora "A tristeza era hiperelaborada, um dado kitschão de linguagem. Dalva orientou o timbre acre e a emissão melódica angulosa para o domínio da depressão sexual simulada. Fazia o gênero fêmea quimérica. Grande Otelo disse que ela cantava com o útero. Intuiu superficialmente um fato: o de que a cantora invertera o papel alegórico do órgão, convertendo-o num emissário sangrento do luto. Retirou-lhe o traço concepcional para infundir o drama da esterilidade lutuosa no repertório de chavões eficazes". Geron também entrou em outros comentários de ordem pessoal em relação a sofrida vida da cantora, falecida a 31 de agosto de 1972, após anos de sofrimento, dizendo, por exemplo que "o furor erótico exterminador também encontrou veículo nas marchas-ranchos". Naturalmente, como um dos dois filhos de Dalva (o outro é Ubiratã, assessor da Rede Globo de Televisão), Pery sentiu-se profundamente atingido pelo tom da crítica de Luís Antonio Giron, que "extrapolou o lado artístico para, de forma mais medíocre atingir a memória de uma mulher falecida há 18 anos". Assim, ainda na quarta-feira, Pery redigiu uma carta irada (que a "Folha" publicou em sua edição de sábado, 10), que foi entregar, em mãos, ao jornalista Marco Tulio Costa, o ambudsman do jornal, que admitiu inclusive que a forma do texto redigida pelo redator da FSP era realmente infeliz. Pery, tentou, inclusive, falar pessoalmente com Giron, a quem deixou um desafio para resolver, "na forma que ele quiser", a ofensa cometida pelo jornalista. Aliás, esta é a segunda vez que a disc-review da "Folha de São Paulo" tem problemas sérios devido a forma agressiva e desrespeitosa com que vem analisando reedições de grandes nomes de nossa música. Por comentários feitos com relação a álbuns de Carmen Miranda (1909-1955) e Orlando Silva (1915-1978), provocou não só a irritação dos leitores, mas inclusive de um próprio colega, o cronista Ivan Lessa, do escritório da "FSP" em Londres, que abriu uma polêmica feroz, conforme aqui comentamos. Tanto Rubens Toledo Pizza, que desde os 8 anos de idade foi um dos maiores amigos de Dalva (tendo inclusive feito o texto de contracapa para a reedição), radialista que mantém um programa de MPB na Rádio Universidade de São Paulo, como os colecionadores Augusto Brandi, professor em São José do Rio Preto e Jadir Zanardi, empresário do setor marítimo em Niterói, encaminharão nesta semana cartas de protestos a direção da "Folha de São Paulo", solidarizando-se com Pery Ribeiro. De Curitiba, também deverão serem enviadas várias cartas, num trabalho de solidariedade que está sendo coordenado pela bela loira Gloria Dors Dorren, assessora do Palácio Iguaçu, ex-diretora do "505" e atualmente principal assessora do milionário Caetano Rodrigues na direção do Blue Note Jazz Clube. Amiga pessoal de Pery há muitos anos, Gloria Dors a acompanhou durante sua passagem por Curitiba. Também o empresário de Pery, o advogado José Carlos Figueiredo, veio a cidade, aproveitando inclusive para fazer sondagens em torno de apresentações profissionais do cantor - que há muitos anos não atua em Curitiba. xxx Excluindo seu aborrecimento com a grosseria de Giron - "mas que não foi suficiente para tirar a alegria desta homenagem" - Pery mostrava-se em alto astral. Após permanecer um ano em Nova York, onde fez várias apresentações, Pery vai dar uma reciclagem em sua carreira. Está preparando um espetáculo especial e, seleciona um repertório muito especial para o elepê - o 30º de sua carreira - que vai marcar seu retorno a fonografia. Com uma discografia do melhor nível, muitos sucessos, Pery se preocupa em que o repertório deste álbum de retorno equilibre musicas inéditas - como um que Gilberto Gil já lhe garantiu - com seis jóias dos anos de ouro da MPB. E nesse sentido pediu sugestões de seus amigos Leon, Pizza, Dino e Zanardi, que, melhor do que ninguém conhecem a nossa musicografia. LEGENDA FOTO - Pery Ribeiro: alegrias & irritação
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
13/03/1990

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