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Luisinho Eça, 50 anos de romantismo

As comemorações do cinqüentenário de Luisinho Eça (Luiz Mainzi da Cunha Eça, Rio de Janeiro, 3 de abril de 1935) não poderiam culminar de forma mais musical: o lançamento, quase que simultaneamente de um disco instrumentalmente representativo de seu trabalho atual - "Triângulo" (Carmo, série luxo LPC15) e um emocionantemente romântico trabalho em parceria com o cantor Pery Ribeiro ("Pra tanto viver", Continental), uma espécie de revisão de uma das fases de maior criação da MPB. Pianista desde os 5 anos, quando começou a estudar, e profissional a partir de 1953, quando ainda garoto de calças curtas já tocava na boate Plaza, do Rio de Janeiro (e dessa fase existe um histórico disco, etiqueta Rádio), Luísinho Eça está ligado ao que de melhor se fez na música brasileira nos últimos 35 anos. Poderia ter sido um recitalista consagrado: em 1958 foi a Viena, com bolsa de estudo, e impressionou pelo talento. Entretanto preferiu o jazz aos eruditos e três anos depois, voltava ao Rio, organizava com o baterista Hélcio Milito e o contrabaixista Otávio Baily (logo substituído por Bebeto/Adalberto José de Castilho e Souza) o mais revolucionário dos trios instrumentais-vocais da Bossa Nova, o Tamba, no qual, em idas e vindas, esteve quase vinte anos. Só há três anos, depois de três tentativas de reconciliação, houve a separação definitiva. Pianista da maior categoria - comparável ao Bill Evans (1929 - 1979) em sua melhor fase - notável arranjador, compositor inspirado, o toque de Luisinho está presente no que se fez de maior qualidade na Bossa Nova. Viveu no Brasil e Exterior, gravou inúmeros elepês, arranjou milhares de músicas, marcou longas temporadas na noite - especialmente no Chico's Bar. Casou e descansou, esteve [gravemente] enfermo, mas do reencontro com uma paixão da juventude, a admirável Fernanda, retomou uma carreira de maior tranqüilidade, abandonando a madrugada, reduzindo o consumo do scotch e dedicando-se mais ao magistério (afinal, seria injusto se não transmitisse seus conhecimentos a jovens talentos), e formando no ano passado um trio instrumental tão criativo e talentoso como o Tamba - o admirável Luiz Alves, baixista (seu companheiro há anos na noite e em apresentações diversas) e Robertinho Silva, ex-Som Imaginário, outro gênio musical da nova geração. Agora, temos o primeiro álbum do Triângulo, gravado ao vivo, durante uma apresentação do trio na Sala Cecília Meirelles (julho/1985), no qual os três músicos expõem seu virtuosismo. Difícil classificar esse disco: mais do que música instrumental brasileira e jazz, é uma proposta contemporânea, especialmente na longa faixa-título, todo o lado B (criação coletiva), de tamanho impacto como era o Tamba em seu nascimento - ou em sua primeira tentativa de reagrupamento, que teve, justamente, a reentré no Paiol (agosto/1971). No lado A, duas músicas - que embora partindo de temas identificados ("Balão", Luiz Alves, Kledir e Wagner Tiso, e "Amado" Dori Caymmi e Nelson Motta) deságuam num rio de improvisos, riquíssimos em sua textura sonora. Enfim, um álbum-documento, marco de uma nova etapa na carreira de Eça - mas aqui, dentro de sua honestidade e simplicidade, exatamente dividido com seus companheiros Robertinho e Luiz Alves. xxx Em "Barquinho" (CBS, 1960), Luisinho Alves, Bebeto, Menescal, O'Hanna e outros jovens músicos da então nascente Bossa Nova, acompanhavam Maysa (Monjardim, 1936-1977) em seu melhor momento musical. Foi um disco extraordinário, clássico do repertório da BN. Vinte e cinco anos depois, numa homenagem a um dos cantores mais afinados do Brasil, Pery Ribeiro (Rio, 27/10/1937), filho da gloriosa Dalva de Oliveira (1917-1972) e Herivelto Martins (Vassouras, 30/12/1912), [Luís] Eça, compartilha de um dos discos do ano: "Prá tanto viver". Só este elepê já compensa um longo afastamento de Pery, intérprete romântico, identificado à Bossa Nova e dono de um repertório maravilhoso. Em produção cuidadosa de Antonio Carlos de Carvalho, valorizando assim a Continental (há muito tempo precisando de uma sacudida em sua produção), eis um disco que se pode adquirir de olhos fechados. O piano perfeito e harmonioso de Luisinho, mais o baixo de Luiz Alves e a bateria de Robertinho da Silva, se contrapõe à voz redonda e gostosa de Pery, interpretando clássicos como "Por Causa de Você" (Tom/Dolores Duran), "Chega de Saudade" (Tom/Vinícius), "De Onde Vens" (Dory Caymmi/Nelson Motta), "Oferenda" ([Luís] Eça/Lenita Plontzinski), "Canção que Morre no Ar"). O violão de Rafael Rebello, a bateria de Wilson das Neves e o baixo de Luiz Alves compõem o clima, ao lado do piano de Luisinho em "Curare", clássico de Bororó que ganha nova e expressiva roupagem. Já em "Pare de me Arranhar" (Márcio Proença/Darcy de Paulo/Flávio/Marco Aurélio), uma das dez mais belas músicas de 1984, tem o baixo de Zeca Assunpção e a bateria de Robertinho da Silva. No repertório perfeito, "Amargura" (Radamés Gnatali -Alberto Ribeiro), "Nossas Vidas" (Herivelto Martins), e "Valsinho (Chico Buarque) ressurgem com novo encanto, enquanto Pery mostra seu lado de compositor em "Pra Tanto Viver". "Indecisão", de Eduardo Prates/Alberto Gino, é uma grata revelação com momentos da melhor poesia. xxx "Prá tanto viver" não é somente, em nosso entender, um dos dez melhores discos de 1985. É daqueles discos que permanecerão no patamar dos mais felizes da MPB, disputadas a peso de ouro no futuro pelos que não souberem, já e agora, adquiri-lo. Aliás, o melhor é comprar duas cópias. Uma para ouvir, outra para guardar. Uma beleza!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
37
10/11/1985

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