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Aramis

João e Nana, a performance de nossos grandes cantores

A montagem de discos com fonogramas de diferentes fontes - seja de artistas e estilos diversos, seja, de uma mesma tendência, estilo e gênero - tornou-se, nos últimos tempos, uma das formas mais lucrativas das gravadoras oferecerem novidades sem terem que fazer investimentos. Afinal, basta no máximo uma remixagem técnica nas fitas originais, a criação de uma capa e, principalmente, uma seleção do material que dispõe para ter condições de editar produtos isolados ou em forma de coleção. A Sigla/Som Livre foi, por muito tempo, campeã nesta linha-marketing, mas hoje todas as gravadoras a impulsionaram. É interessante para o público, pois permite que gravações há muito esgotadas - e que nas mãos de gananciosos donos de sebo fonográfico eram cotados a milhares de cruzados, tenham agora preços de mercado em edições novas. A era CD impulsionou também uma melhoria nestas seleções. Ao invés de apenas relançar gravações, sem qualquer critério, esquecendo de dar informações mínimas (quando foram feitas as gravações, músicos participantes etc.), o CD, por seu nível mais elevado, exige que este trabalho seja entregue a profissionais competentes. Roberto Menescal 53 anos, 18 dos quais como diretor artístico da Polygram, ali vem orientando várias séries de reedições, num delas, a sair nos próximos dias com uma nova antologia do mais importante cantor brasileiro, João Gilberto. Já a EMI-Odeon, que teve João contratado em seus anos de ouro, também buscou um competente produtor, Francisco Rodrigues, para coordenar a recém-lançada série Performance (cassete cromo, LP e CD) que além de magnífico álbum em homenagem a João, inclui discos com Milton Nascimento, Ivan Lins, Luiz Gonzaga Jr., Nana Caymmi, Djavan, Beto Guedes e 14 Bis. Como se vê, houve preocupação de atingir diferentes faixas de público com esta coleção montada com o máximo cuidado, excelente apresentação - arte da capa e ilustrações de Guta sobre fotos de Sérgio Moraes, com coordenação de J. C. Mello. Pessoalmente, achamos fundamentais os álbuns de João Gilberto de Nana Caymmi, intérpretes maiores que necessitam sempre ser reavaliados - o que nem sempre acontece, infelizmente, pela falta de seus discos nas lojas. Por exemplo, nesta coleção que Francisco Rodrigues fez para o álbum escolheu 12 faixas extraídas dos elepês "Chega de Saudade" (março/59), "O Amor, o sorriso e a flor" (abril/60) e "João Gilberto" (setembro/1961). São, portanto, registros, que cobrem um período dos mais ricos - retroagindo inclusive para 1958, quando houve a primeira gravação de "Chega de Saudade" (Tom/Vinícius), mas na voz de Elizeth Cardoso (1917-1990), com João a Acompanhando ao violão. A gravação aqui incluída desta música-marco originalmente saiu em 78 rpm, em 1959, mas depois colocada em seu primeiro LP produzido por Aloysio de Oliveira. Pena que no encarte, o texto tenha sido resumido. Não custaria a EMI-Odeon ter convidado alguns especialistas em Bossa Nova - como Júlio Hungria ou Ruy Castro (que, aliás, prepara seu livro sobre o movimento e foi o autor da reportagem de capa da "Veja" da semana passada sobre João) para oferecer um perfil mais amplo sobre João Gilberto do Prado Pereira de Oliveira (Juazeiro, Bahia, 10/6/1931), que agora, voltando a gravar, mostra que continua em lugar de destaque maior dentro de nossa MPB. Mas isto não invalida esta excelente reedição, repleta de momentos antológicos da fase mais bela de nossa música como "Barquinho" (Meneses/Boscoli), "Desafinado" (Tom/Newton Mendonça), "O Pato" (Jayme Silva/Neusa Teixeira), "Samba da Minha Terra" (Caymmi), "Lobo Bobo" (Lyra/Boscoli) e tantos outros momentos iluminados. Nana Caymmi (Dinair Tostes Caymmi, RJ, 29/4/1941) é a cantora visceral da música brasileira. Hermínio Bello de Carvalho, este poeta e agitador cultural maravilhoso, que já navegou tantas produções com Nana, numa relação de ódio-brigas de amor/emoção, cunhou a fase de que "Nana canta pelo útero", numa analogia a expressão que, anos antes, já havia sido usado em relação à grande Dalva de Oliveira (1917-1972), em relação a dramaticidade, feeling, emotividade que estas cantoras maiores colocaram sempre em suas interpretações. Com uma obra gravada relativamente pequena para uma cantora de sua dimensão, assumindo dores & desesperos como vive intensamente seus momentos de alegria, Nana é toda emoção - aos últimos meses tem amargurado dias cinzentos com o gravíssimo acidente que seu filho sofreu. Tudo isto, confere maior emoção ao se ouvir esta antologia de preciosidades que Nana gravou em elepês feitos na EMI-Odeon, dentro de uma carreira que tem sido alternada por longos períodos de ostracismo. Abrindo com "Mudanças dos Ventos" (Ivan/Vítor Martins), Nana prossegue com "Meu bem querer" (Djavan), "Estrela da Terra" (do mano Dori e Paulo César Pinheiro), "Quando o amor acontece" (Bosco/Blanc), "Por um segundo" (Gonzaguinha) e Canção da manhã feliz", revival do grande êxito dos anos 50 de Haroldo Barbosa e Luís Reis. No lado 2, outro desfile de preciosidades - sejam standards como "Dora" ou "Último Desejo", ou hits que parecem soar sempre como uma novidade como "De Volta ao Começo", "Chora Brasileira" (Djalma-Rosane Lessa/Fátima Guedes), "Mistérios" (Joyce/Maurício Maestro) ou "Contrato de Separação" (Dominguinhos-Anastásia). Só estes álbuns, já justificariam, correndo, o aplauso maior a série Performance, mas ele tem mais nesta primeira fornada - Milton, Lins, Gonzaguinha, Djavan - e, esperamos tenha prosseguimento ainda neste ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
24
10/06/1990

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