Bossa Nova, again!
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de dezembro de 1990
No último domingo, após o show que fez no Centro Cultural do Portão, com o Quarteto em Cy, Carlos Lyra, 54 anos completados no dia 11 de maio, comentava conosco vários aspectos da Bossa Nova, méritos e algumas (poucas) omissões de "Chega de Saudade", de Ruy Castro - o best-seller deste final de ano e que, entre outras virtudes, acelera um novo boom em torno do movimento mais importante que já houve na música brasileira. Sem modéstia, reconhecendo-se como o único dos integrantes da Bossa Nova que, desde o início tinha uma preocupação político-ideológica ("a maioria da rapaziada não queria nada com a política", diz Carlinhos - "e só depois apareceu Sérgio Ricardo, também consciente em termos políticos"), Carlos Lyra reafirmou porque não registrou o nome Bossa Nova.
- "É que eu não quis me apropriar de um termo que identificava um grupo, mas ninguém deu atenção à minha idéia. Mais tarde, eu registrei o nome que cunhei, o "Sambalanço".
E se tivesse registrado Bossa Nova no Departamento Nacional de Propriedade Industrial, Carlos Eduardo Lyra Barbosa seria hoje um homem riquíssimo, pois a expressão ganhou sua utilização em todas as formas, no Brasil e no Exterior - de marcas de geladeiras ao bloco político da extinta UDN.
Agora, não se pode dizer que foi só o livro de Ruy Castro que está fazendo um ressurgimento da Bossa Nova, embora sua contribuição seja fundamental. Há dois anos, o melhor grupo vocal que já existiu no Brasil, Os Cariocas, criado em 1942 por Ismael (de Araújo Silva) Neto (1925-1956), retornou com três componentes originais - Severino Filho, Quartera e Badeco e mais Luís Roberto (que em 1961 substituiu a Valdir).
A morte de Luís Roberto, em pleno show no Jazzmania, na noite de 20/10/1988, não impediu que o grupo continuasse - pois entrou Edson Barros (voz / baixo, Rio de Janeiro, 1948). A Polygram editou em CD uma montagem da fase 1961/68, com 24 clássicos da Bossa Nova e, pela Sigla, fizeram um novo elepê - além de cumprirem uma disputada agenda de apresentações - que incluiu recentemente (setembro/90) temporada no Paiol. Um dos mais novos grupos vocais do Brasil, o Garganta Profunda, mergulhou na Bossa Nova em seu repertório e vem se dando bem, enquanto que outras cantoras, duas protegidas de Roberto Menescal, 53 anos, singram esta corrente: a paraense Leila Pinheiro e a ex-Trem da Alegria, Gabriela - para só ficar em dois exemplos. Embora exista muita gente ainda esquecida - a começar pelo pioneiríssimo Johnny Alf (Alfredo José da Silva, Rio de Janeiro, 19/05/1929), cujo último elepê saiu há mais de 15 anos (assim como Carlinhos Lyra e Sérgio Ricardo, Claudete Soares, etc.) e outros que, devido a precários estados de saúde, estão praticamente afastados - o pianista e compositor Luís Eça (Rio de Janeiro, 03/04/1936) e o cantor Lúcio Alves (Cataguases, MG, 28/01/1927) - só o fato da Bossa Nova, hoje com seus criadores-intérpretes na faixa dos 50/60 anos, ser reavaliada, é o grande evento cultural do ano.
João Gilberto, que esteve nas primeiras páginas dos jornais há um mês quando um juiz o condenou a pagar Cr$ 60 milhões à empresária Lúcia Sweet, por não ter feito dois shows pelos quais recebeu adiantado, fez no primeiro semestre um novo (e maravilhoso, como sempre, segundo os que já ouviram a fita) elepê para a Polygram, mas que por razões de preciosismo de acabamento, com os arranjos e cordas, ainda não pode ser lançado. Aguarda-se agora se João sairá de sua toca - ou seja, do hotel flat no Leblon, onde vive como recluso há 10 anos, para no próximo dia 17, comparecer ao Scala (Leblon, zona sul do Rio de Janeiro) para um show em benefício de Lúcio Alves - ao qual também estariam Tom e Carlos Lyra (a única vez que Jobim e João se apresentaram juntos foi na boate Au Bon Gourmet, agosto/62, no show Encontro - no qual estavam também Vinícius de Moraes e Os Cariocas).
A EMI/Odeon, que divide com a Polygram a guarda dos tesouros da Bossa Nova, começou a abrir seus cofres: reeditou em edição fac-similar (mesma capa, mesma ordem das músicas, etc.), mas em versões CD e cassete-cromo, a santíssima trindade da Bossa Nova: o primeiro, o segundo e o terceiro LPs de João Gilberto, feitos, respectivamente, em 1959/60/61. Desde 1975 estes discos estavam fora de catálogo e agora acontece a segunda reedição. A primeira, tinha capa-cidade almofada.
- "Deve-se esta iniciativa à criatividade de Francisco Rodrigues, 42 anos, gerente de marketing alternativo da EMI/Odeon, que vem fazendo reedições marcantes. Em 1988, apareceu um álbum triplo com todas as faixas, mas com ordem embaralhada e o final de algumas delas cortado antes do tempo - o que enfureceu João. Agora não! A reedição é perfeita.
E o magnífico acervo da Elenco, a etiqueta que Aloysio de Oliveira, 76 anos a serem completados no próximo dia 30, criou em 1962 para abrigar toda a Bossa Nova começa a ser reeditada em CD. Os japoneses foram que se lembraram de que o acervo pertencia a Polygram (quando foi morar nos EUA, Aloysio o vendeu) e trataram de fazer a edição de cinco elepês no Japão que, como se sabe, hoje é um dos maiores mercados para nossa MPB. Agora, a direção da Philips no Brasil, percebeu o veio de ouro que tem em seu arquivo e chamou o jornalista Tarik de Souza, 48 anos, do "Jornal do Brasil", para, com assessoria de Cynara, do Quarteto em Cy, supervisionar as reedições.
O primeiro pacote - incluindo o histórico show no Zum-Zum, reunindo Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes e o Quarteto em Cy - deve sair por estes dias. Poderia haver melhor presente de Natal?
Por falar nisto, os japoneses estão tão encantados com a Bossa Nova que montaram um disco de cantores brasileiros daquele período interpretando músicas natalinas. Já uma sofisticada revista editada no Rio, "Ventura", criou um selo - Venture Records - inaugurado com um álbum ("Summer in Brazil - O Mundo da Bossa Nova") no qual seis ótimos instrumentistas (alguns legítimos da Bossa Nova) - Osmar Milito (teclados), Luís Alves (baixo acústico), Theo Lima (bateria), Durval Ferreira (violão acústico), Zé Carlos Ramos (flautas) e com arranjos de Gilson Peranzetta - interpretam standards americanos mas com a batida bossanovista que ganhou o mundo há três décadas.
LEGENDA FOTO - Lyra com Sambalanço, que não pegou, e a volta da Bossa Nova entre os jovens, com Leila.
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