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Aramis

Houve uma vez uma praça, festas e sonhos musicais

Quando a chamada turma começou a se reunir não era ainda "da Espanha". A designação só viria a 23 de março de 1955, quando a grande área começou a ser urbanizada e ganhou repuxos, coreto e até uma biblioteca com o nome de Miguel de Cervantes - inauguradas pelo prefeito Iberê de Mattos em 10/10/1956. No início, era um imenso terreno baldio chamado de Praça Aurea - que depois, ninguém sabe explicar porque, se chamou Alfredo Andersen, "cassado" quando Iberê quis homenagear a colônia espanhola e sancionou a lei 10.082. O território era amplo: mais de 100 garotos cujas famílias residiam nas ruas Carlos de Carvalho, Avenida Vicente Machado, Coronel Dulcídio, Augusto Stelfeld, Angelo Sampaio, Presidente Taunay e outras vias, na proporção em que alcançavam autonomia para ficar mais tempo fora de casa e chegar até a praça, passavam a integrar a "turma". Embora seja difícil precisar o período dourado da praça, Marion Kmiec, que passou a morar na Rua Carlos de Carvalho a partir de 1949, quando seus pais chegaram da Polônia, estabelece os anos 52/63 como a fase de maior vibração. Já os irmãos Franco de Macedo lembram o ano de 1955, quando seus pais - o advogado Leo Macedo (1913-1985) e dona Zila (Euzena Franco Macedo, 1916-1978) foram morar também na Rua Carlos de Carvalho, 1500. De uma maneira geral, hoje a turma da praça está entre 45/55 anos. Ao longo destas décadas, cada um seguiu seu caminho - embora uns poucos residam até hoje na região. Outros hoje são saudades - como René Ramos Viana, Newton César de Souza, Sérgio Macedo, Roberto Luz, Reinaldo Roosevelti, Penetski - o "Polenta" e Envar Salomão, o "Biriba". Duas moças daqueles anos também já morreram - Ana Clotilde Bueno e Maria Beatriz Munhoz. Sim, havia moças também na turma da Praça Espanha! Recatadas, como determinava os costumes da época, mas que de suas residências (hoje, a maioria das casas que resistiram foram transformadas em pontos comerciais) acompanhavam a movimentação dos rapazes e escolhiam os seus principais encantos. Emílio Sounis Júnior - o "Piga", era apontado, em julho de 1959, no primeiro número de "El Toro", como "o mais bonito". Mas também figurava em segundo lugar - abaixo de Marquito - como o "mais boêmio". Na enquete que "El Toro" promoveu com 41 pessoas, "conforme uma lista de assinaturas em nosso poder" - como dizia o editor "Piga" (coincidentemente, o mesmo apontado como "o mais bonito"), havia uma listagem feminina: as Sras. Ruth Doring e Beatriz Griebeler eram apontadas como "as mais estimadas", enquanto as Sras. Lenita Ferraz e Noêmia Veiga ficavam como "as mais elegantes". Na área da brotolândia os destaques iam para Cecília Cecatto (mais popular); Tereza Doring (mais elegante); Ema Bonetto (mais bela); Cecília Cecatto (mais simpática); e Teresa Bueno (mais cortejada). Eram também lembradas as mais "tagarelas" (Teresa Bueno / Cecília Cecatto), "românticas" (Maria José, a Zezé e Olivia Noronha) e "tímidas" (Anelise Griebeler / Maria Castro). Apesar das brigas em que viviam metidos, Marquito e Chiquinho eram lembrados como os "mais populares". Hélio Bonetto - o Lelo - ficava com o título de "mais chato", enquanto que Murilo Macedo emplacava duas categorias: o "mais gozado" e o "mais mentiroso". "El Toro" teve cinco edições. A primeira, com 6 páginas mimeografadas, circulou a 15 de julho de 1959, a segunda, pontualmente, um mês depois. Procurando dar um ar de seriedade a publicação, Maria do Carmo Sounis assinava na primeira página um artigo sobre Caryl Chessman (1921-1960), o famoso "Bandido da Luz Vermelha", na época em evidência pela luta que mantinha para evitar a cadeira elétrica. A edição trazia também uma seção literária e na página social a manchete era o fato de que "uma das dez mais" da Praça, "a elegante Cecília Cecatto, ter recebido no dia 19 de julho de 1960, em sua residência, a visita de Bellini, o capitão do selecionado canarinho que havia vencido a copa do Mundo". Na entrevista feita com o craque era dado inclusive seu nome verdadeiro - Ederaldo Luiz Bellini e a data de nascimento 07/08/1930). A primeira pergunta era uma jóia: "Você se acha bonito?". Resposta: "Absolutamente não". Alguma coisa deve ter acontecido na equipe do "El Toro" pois o terceiro número só circulou em 13 de dezembro de 1960, com a explicação de que "a presente edição foi redigida há mais de um ano". Sisudo, trazia colaborações em literatura e música e uma página feminina, na qual Ana Clotilde Rebelo Bueno, com a maior subserviência doméstica, gastava o espaço para passar dicas de como tirar manchas de roupas. Duas semanas depois, em 26/12/1960, aparecia uma gorda edição especial de "El Toro", como as anteriores, ilustradas por Abrão Assad. Um dos destaques era a garota Vera Lúcia Veiga, 14 anos, "que com seu violão e bela voz encantava a todos". Aliás, a música na Praça Espanha pode merecer todo um capítulo. Embalados em românticas serenatas, pelo menos quatro namoricos ali iniciados acabaram em casamentos de véu e grinalda: Francisco Vercesi e Iara Maria Guedes e Brito; Sérgio Castro e Maria Teresa Bueno; Ciro Corrêa França e Lucimara Cabral e João Porate e Marisa Bruscalski. Entre muitos jovens canoros e violonistas que singraram as madrugadas da melhor MPB na praça, estiveram dois talentos que acabariam profissionalizando-se - João Luiz e Dirceu Graeser. Mas Piga, como editor do "El Toro", nunca fez o destaque a eles, preferindo enaltecer no último número da publicação o seu amigo Marquito, como "a grande revelação musical". É que Marcos Ruy Franco de Macedo havia composto uma dolente valsa chamada "Praça da Espanha", com rimas como estas: "Tenho saudades / Daquele tempo / Que não esqueço um só momento / Tenho saudades / Da linda praça / E dos seus brotinhos / Cheios de graça. Dos seus jardins / Cheios de flores / Oh! Praça Espanha dos meus amores / Da linda fonte / Sempre a contar / Ai que vontade / De lá voltar / Ah! 30 anos atrás o Marquito / Já era um nostálgico. LEGENDA FOTO - Doce sabor do passado: na relva recém plantada na Praça da Espanha, os jovens Newton César de Souza (já falecido), Ricardo Macedo, Italo Boneto e Rafael Simile Ribeiro - fazendo hora para esperar as alunas que saíam do Colégio Sion.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
09/12/1990

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