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Aramis

Continental e a sua história gravada fundo dentro da MPB

Com a Copacabana - Som, Indústria & Comércio, praticamente desativada em sua área fonográfica - embora alguns lançamentos ocasionais ainda aconteçam - a sexagenária Continental se mantém como a única grande fábrica de discos controlada exclusivamente por capital nacional. A história desta indústria fonográfica se confunde com a própria história do disco no Brasil, pois se o pioneiro checo Fred Figner, em 1892, ao estabelecer a Casa Edison - uma homenagem a Thomas Alva Edison (1847-1931), o primeiro a industrializar o som gravado mecanicamente - trouxe a novidade ao Brasil, 37 anos depois, Alberto Jackson Byington Senior, acreditou na força da nova forma de entretenimento e difusão cultural: a música gravada. Assim, precedida de sete meses pela Fábrica de Discos Odeon (que foi sucessora da pioneira Casa Edison) e mais ou menos na mesma época da instalação local da Victor Talking Machine, chegaria a Columbia Records do Brasil - embrião daquela e, a partir de 1943, se transformaria na Continental Gravações Elétricas S/A. Assim, ao longo de seis décadas produzindo discos, esta empresa tem refletido a própria história de um setor da cultura / comportamento / economia do país. Passou por épocas gordas, teve fases de esplendor e, em compensação, mergulhou em fases dificílimas - só sobrevivendo graças ao idealismo dos descendentes do velho Byington, um empresário que no início do século, em São Paulo, desenvolvia intensa atividade comercial e industrial representando uma importante linha de máquinas de escrever e aparelhos elétricos importados, além de fabricar artigos de aço e baquelite. Justamente por seu conceito empresarial, foi que o americano Wallace Downey (? - 1967), que havia vindo para São Paulo em 1928 para fazer cinema - associando-se ao pioneiro Ademar Gonzaga (1901-1978) da Cinédia, acabaria propondo a Byington a representação no Brasil do grupo internacional Columbia - fundada no início do século pelo próprio Edison, mas as quais se fundiriam, posteriormente, em outros grupos. Alberto Jackson Byington Senior aceitou a sugestão de Downey e assumiu a representação, mas para isto sua empresa teve que se aparelhar para a gravação e prensagem de discos. Em poucos meses nascia a divisão Columbia, dentro da organização Byington, "já perfeitamente servida do que havia de mais atual para a produção de discos no novo sistema elétrico", como conta o pesquisador João Luiz Ferreti. Em maio de 1929, saía o primeiro suplemento da Columbia brasileira, que - louve-se já a brasilidade de Byington - não aceitou a mera condição de duplicadora de matrizes importadas, exigindo contratualmente a sua própria e exclusiva produção nacional. Começaria, assim, a formar um elenco de artistas nacionais que se manteria por anos e que, 14 anos depois, quando a Columbia americana veio se instalar autonomamente no Brasil - depois CBS e agora Sony Music (controlada pelos japoneses), possibilitou que a fábrica paulista pudesse sobreviver com suas próprias pernas. O primeiro diretor da divisão de discos da Byington foi John Lilenthal, cabendo a Wallace Downey a supervisão artística e ao maestro Odmar Amaral Gurgel - cujas iniciais invertidas lhe ensejariam o pseudônimo de "Gao" (nascido em Salto, São Paulo, em 12/03/1909, ao que consta ainda vivo), foi o primeiro diretor musical. As primeiras gravações seriam feitas num estúdio improvisado na Rua José Bonifácio, em São Paulo, mas logo Byington providenciaria instalações amplas no Largo da Misericórdia. Em maio de 1929, saiam os primeiros discos (preciosidades que Leon Barg, naturalmente, possui): os três primeiros com músicas portuguesas e um quarto com a cantora Abigail Alessio Parecis, cantando "Meu Amor" e "Flor Amorosa". Até julho, seriam lançados mais 21 discos, a maioria com artistas contratados exclusivamente: Batista Júnior (pai das futuras famosas cantoras Linda e Dircinha Batista) e Paraguaçu. Em agosto estrearia o cantor Cândido Botelho, e nesse mesmo mês sairia o primeiro grande sucesso: "Lamentos", de autoria e interpretação de Paraguaçu. A partir de então, sucederam-se gravações com nomes que entrariam na história da MPB - alguns obtendo grande sucesso - como a dupla Jararaca e Ratinho (que estreou em princípios de 1930), outros que, por diversas razões, ficariam restritos apenas a fase dos 78 rpm - e que só agora, graças ao notável trabalho que o produtor Leon Barg vem fazendo através de sua Revivendo, estão sendo novamente ouvidos - pela primeira vez com suas vozes reunidas em elepês. Ano a ano, pelo selo Columbia - ao lado das prensagens de suas gravações internacionais determinadas pela matriz - vinham os compositores e intérpretes brasileiros. Por exemplo, em 1931, ali estrearia Noel Rosa cantando "Gago Apaixonado". Em março do mesmo ano, as primeiras gravações de "Tico-tico no Fubá" e "Branca", de Zequinha de Abreu. Falar dos suplementos que, mês a mês, se seguiriam, é focalizar a câmara do tempo em nossa época de ouro, pois pelos estúdios da Continental desfilaram artistas de vários estilos e gêneros, contribuindo para a riqueza musical do Brasil. Em 1943, o grupo Columbia americano (encabeçado pela cadeia radiofônica CBS) separou-se do europeu e estabelecia uma autonomia no período de guerra, embora, por muitos anos, prosseguisse trocando de se estabelecer na América do Sul - Brasil e Argentina. Com isto, a representação - ou continuar baseado basicamente no elenco nacional. A RCA Victor e a Odeon, fortíssimas, contavam com bons elencos nacionais e tinham o suporte internacional. Byngton, mais uma vez, acreditou e com apoio de João de Barro (Carlos Alberto Ferreira Braga, Rio de Janeiro, 29/03/1907), que já vinha trabalhando como diretor artístico, nascia a Continental - com o nome e logotipo original (os três sininhos) sugeridos pelo próprio Braguinha. Em outubro saía o primeiro suplemento com a nova designação - nada menos que 100 discos 78 rpm, reunindo a maioria de gravações prensadas anteriormente. Valeu a pena acreditar na MPB: a partir de 1944, a Continental enriqueceria o cancioneiro com inúmeros sucessos registrados por nomes que não cabem aqui relacionar e que faz de seu acervo um dos mais ricos patrimônios sonoros da MPB. A crença de Byington no talento nacional é que tem possibilitado a Continental sobreviver autonomamente há quase 48 anos. Como dissemos, houve fases de vacas gordas e outras magríssimas, refletindo a própria vida musical do país - mais o seu trabalho tem sido constante e magnífico. Dezenas de diretores artísticos sucederam-se a Braguinha - que ali teve sua fase mais criativa, mudaram-se estratégias de marketing, conquistaram-se (e perderam-se) catálogos internacionais, mas a fábrica continua.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
17/03/1991

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