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Aramis

Meio século ensinando gerações de brasileiros

No dia 16 de fevereiro de 1987, quando foi homenageada pelos seus 50 anos de magistério, Eny Caldeira fez questão de lembrar o seu avô materno, Gerônimo Durski, emigrante polonês que chegou a escrever durante a longa viagem de navio uma cartilha ensinando o português para os seus compatriotas, que vinham para o Brasil. - "Acho que o ensino sempre fez parte de minha vida", disse a professora Eny, no emocionante depoimento gravado na semana passada para o projeto Memória Histórica. Órfã aos 14 anos - seu pai, Alfredo Caldeira (1885-1930), um dos pioneiros da erva-mate na região de Prudentópolis, foi assassinado por ladrões - Eny estudou em colégio religioso na Lapa e chegou a iniciar o curso normal, com apenas 13 anos, em Ponta Grossa. Foi quando sua família - a mães, viúva, 3 irmãs e um irmão - vieram para Curitiba, aqui enfrentando muitas dificuldades. Uma de suas irmãs, Cacilda, foi a primeira mulher a trabalhar num escritório comercial, com o Sr. João Nocite, em 1931, "para auxiliar no orçamento doméstico". Matriculada no Instituto de Educação, onde reiniciou o curso (já havia feito dois anos em Ponta Grossa, mas não foi reconhecido, porque não tinha a idade mínima para se formar como normalista), antes mesmo de receber o diploma (1935) já ensinava para um grupo de crianças numa escola improvisada numa das salas da modesta residência da família Caldeira. "Era a maneira de ajudar nas despesas". Quando se formou, teve que fazer um estágio probatório, escolhendo Prudentópolis, onde ficou um semestre. Voltando a Curitiba, conseguiu autorização para lecionar para os quatro primeiros anos na escola isolada da Vila Mimosa - "numa distante região onde hoje é o Alto da Rua XV". Dali, passaria para o Instituto de Educação, onde, num semestre, substituiu a professora Helena Kolody - "que havia sido minha mestre e que eu já admirava demais". Helena havia sido convocada para organizar uma escola em Jacarezinho e, quando retornou, reassumiu a cadeira de Biologia. Eny foi então deslocada para a de Higiene. "Eu pouco sabia desta matéria, mas procurei os técnicos do Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas, que então se implantava no bairro Juvevê, e aprendi tudo o que era possível". Acabou se entusiasmando pela matéria, de forma que pediu ao interventor Manoel Ribas uma bolsa de estudos para fazer o Curso de Educadores Saneadores da USP, onde se formou em 1948. Um aproveitamento tão grande que seria uma das 8 alunas incluídas numa comissão que passou dois meses fazendo estudos na Bacia Amazônica. - "Num antigo avião Douglas, percorremos pioneiramente toda aquela imensa região. Foi outra experiência notável". De volta a Curitiba, ao chegar no Instituto de Educação, uma decepção: ao invés de lhe darem a cadeira de Higiene e Saúde - para a qual estava preparada, a designaram para a de Economia Doméstica. - "Dei a volta por cima. Sentindo que tinha alunos de várias etnias, acabei formando uma escola de culinária internacional que no final do ano preparou um banquete histórico, com finas iguarias". xxx Ao longo de uma vida profissional, na qual se acumularam cursos, estágios, participações em congressos, integrando conselhos e órgãos diversos (em 1965, o então secretário Véspero Mendes a convidou para o Conselho Estadual de Educação), Eny sempre se considerou uma educadora aberta a novas idéias. Depois de ter lecionado Tecnologia Evolutiva no curso de Serviço Social na Universidade Católica (1947/48), ingressaria (1952) na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná, onde teria chegado a catedrática se o concurso não tivesse sido retardado inúmeras vezes. - "Quando, finalmente, iria acontecer, veio a Reforma que acabou com as cátedras", lamenta. Isto não impediu que entre muitos títulos honoríficos - inclusive do "Palmas Acadêmicas" do Ministério da Educação da França - fosse aposentada como mestre titular, merecendo também o título de professora emérita. Infelizmente, nem por isto, houve consideração na hora de sua saída em relação a preservação do Laboratório que ela formou com tanto amor - e que hoje está encaixotado num depósito no Edifício André de Barros. xxx Entre suas obras de arte - sempre foi relacionada no meio artístico - entre outras preciosidades, tem um retrato de Maria Montessori, feita pelo seu amigo Guido Viaro - com diplomas, títulos e centenas de livros, Eny, com a lucidez de quem, a vida toda se preocupou com o ensino e buscou novas formas de ensino, tem uma experiência que a levou, inclusive, a ser consultada pelo ex-ministro da Cultura, José Bonifácio de Oliveira, para integrar um grupo de trabalho que iria elaborar um projeto sobre criança e educação, a pedido do presidente Tancredo Neves. "Com sua morte, o assunto foi esquecido". Seu pensamento vivo, em termos de educação, reflete observações que os novos educadores e mestres devem ouvir (ficaram famosos seus cursos de reciclagem para professores na Universidade Federal do Paraná, de forma que, humildemente, caberia aos donos do poder no ensino - tanto na área do município como no Estado - procurar e saber ouvir uma mestre desta dimensão. Afinal, ela sempre teve muito a ensinar.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
17/03/1991

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