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Aramis

A estrela Marrom em Emoções Reais

Mais alguns cantos das mulheres neste sonoro final de ano. Comecemos por Alcione (Nazaré, São Luiz do Maranhão, 21/11/1947). Vibrante, brasileiríssima, equilibrando um romantismo que poderia cair no breguismo se não fosse o seu estilo, a Marrom firma-se cada vez mais na área tão movediça e disputada das vozes femininas. Em "Emoções Reais", se não dispensa uma música dos "sucess-makers" Michael Sullivan / Paulo Massadas, que anualmente garantem a faixa de consumo de seus álbuns, Alcione busca também compositores de raízes como João do Vale / Helena Gonzaga ("De Teresina a São Luiz"), Sobrinha, Arlindo Cruz e Luiz Carlos da Vila do samba - homenagem a "Aniceto, o Partido mais Alto"; Ivor Lancelot / Délcio Carvalho ("Velha Cicatriz"); Mauro Duarte / Paulo César Pinheiro ("Beija-flor"); Claudinho Azevedo ("São Jorge", também em parceria com Paulinho Pinheiro). Mas, para quem gosta da linha do samba descontraído, daqueles ao estilo de Paulinho da Viola, que contam uma história, o grande momento é "Dona Zica e Dona Neuma", de Zé Luiz / Nei Lopes / Carlinhos 7 Cordas, em homenagem a estas duas grandes mulheres que tanto influenciaram os compositores do morro. Margareth Menezes, 27 anos, baiana de bossa e balanço, nem precisaria da lambada para alcançar seu espaço nacional. Mas com a ajuda da internacionalização deste ritmo - e mais o fato de ter sido escolhida por David Byrne para participar de seus shows, ganhou em apenas 3 anos a condição de superstar. Seu "sabor de incrível energia e do espírito de Salvador da Bahia", como confessa Byrne, pode ser sentido nas 10 faixas de "Um Canto para Subir" (Polygram), seu segundo elepê, lançado simultaneamente no Brasil, Estados Unidos e Europa. Afinal, após 52 apresentações entre setembro/dezembro de 1989, abrindo os shows de Byrne, elogios rasgados da crítica internacional e temporada na SOB ("Sounds of Brasil"), uma das mais famosas boites nova-iorquinas, estava consagrada. Gravou ainda "Dark Secrets" para a trilha sonora de "Orquídea Selvagem" (há 4 meses em cartaz no Cine Itália) e sua agenda está ocupadíssima. Neste "Canto para Subir" (e como subiu!) mistura lambadas de Gerônimo ("Abre a Boca e Feche os Olhos"), com músicas de Carlinhos Brown ("Co-Brador"), Lazzo ("Negro Menino"), Peri Albuquerque ("Tudo à Toa"), além, naturalmente, de "Dark Secrets" (com a participação de David Rudder) e "Ifé, um Canto pra Subir" de Vevé Calazans e Walter Queiroz. Sandra de Sá não fez apenas mudar de nome - quando por questões cabalísticas acrescentou o "de" em seu nome artístico. A partir desta mudança, sua carreira tornou-se mais light: melhorou o visual, deixando a imagem de "King Kong" do funk, passou a escolher melhor o repertório e ao invés de barulhentos funkies e (tentativas de) blues, passou a usar sua poderosa voz em músicas marcantes. "Sandra!" (BMG/Ariola), produzido por Nelson Motta, é um exemplo desta guinada artística de Sandra, mostrando sua potencialidade sonora em bons arranjos e trazendo surpresas sonoras. Por exemplo, graças a experiência de Nelsinho, revaloriza duas músicas de um injustiçado compositor-cantor, Cassiano (autor da belíssima "Primavera") que ficaram esquecidas no único elepê que ele havia feito há quase 20 anos: "Slogan" e "Cinzas". Do jazzista Fletcher Anderson, uma canção celebrizada em 1927 por Bessie Smith - "Send me to the Eletric Chair" foi revigorada como um autêntico blues, com um conteúdo dramático a partir da própria história que conta: uma mulher mata o marido e no tribunal implora ao juiz que "me mande para a cadeira elétrica". "Mandela" (Guto Graça Mello / Ronaldo Barcelos) esperou dois anos para ser gravada por Sandra. Neste período o líder sul-africano foi libertado, o que obrigou a modificar a letra - mas assim mesmo fica como mais uma homenagem ao grande batalhador contra o apartheid. Um clássico de Jorge Ben, "Charles Anjo 45", é interpretado à capella, ou seja, sem acompanhamento. "Como um Rio", é a versão que Nelson Motta fez de "Cry me a River" (Arthur Hamilton), uma cult-song dos anos 50 que Julie London imortalizou numa gravação em que era acompanhada por Barney Kessel - e que além de entrar na trilha sonora do filme "Sabes o que Eu Quero" ("The Girl Can't Help it", 1956, de Frank Taschlin, 1913-1974) - se tornou uma das maiores influências na turma da Bossa Nova, como Ruy Castro conta em "Chega de Saudade". Aqui, Sandra lhe dá uma interpretação amadurecida, com arranjo do grupo Banda Certa. Outra versão é "Quem é Você?", título dado por Nelsinho a "Love Will Lead Back" (Dione Warwick), que incluída na trilha sonora da telenovela "Mico Preto", ganhou imediata programação nas paradas FMs. Mas o disco tem muito mais: o satírico "Arrocho", que Nelson Motta define como "econômico e conjugal, amoroso e salarial, funkomédia piada sonora, crônica do amor nos tempos de Zélia", o "Blues Etes", do tecladista Jorjão Barreto com letra de Ronaldo Bastos e até uma música inédita, "Eu Quero Alguém", do baixista Renato Rocketh e Cazuza, que ganhou apaixonada letra de Nelsinho. Enfim, um disco-redenção para Sandra de Sá, que merece ser melhor (re)apreciada. Lúcia Helena é mais uma revelação feminina. Desta vez cabe a etiqueta Velas, criada por Ivan Lins e Victor Martins, distribuída pela Polygram, catapultar esta cantora negra, gaúcha e que aparece numa bela produção de Murilo Pontes. Com direção musical de Geraldo Flach, maestro, compositor e arranjador gaúcho de grande força, injustamente ainda pouco reconhecido, Lúcia mostra sua versatilidade com um repertório que inclui compositores como Bebeto Alves ("O Mapa"); Geraldo Flach / Jerônimo Jardim ("Abolerando Blues"), "Dona Mercedes" (Flach / Luís Coronel), ao lado de standards de Monsueto ("Me Deixa em Paz"), Noel Rosa ("Três Apitos") e, naturalmente, dos padrinhos Victor e Ivan ("Vampiros Modernos", "Trinta Anos"). Destaque ainda para suas interpretações de "Todos os Mares" (Moacyr Luz / Aldir Blanc) e "Loucos de Cara" (Kleiton Ramil / Victor Ramil).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
09/12/1990

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