A reabilitação de Sandra
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de janeiro de 1985
Sandra Sá é o exemplo da recuperação de uma cantora que lançada num esquema comercialíssimo e alienado soube, felizmente em tempo, reciclar sua carreira. Com sua imagens masculinizada e de intérprete na linha funk, surgiu há 6 anos, cantando músicas inexpressivas, na mais absoluta cópia do que de pior se faz internacionalmente. Gravou dois ou três elepês na RGE e seu destino artístico parecia ser o de tantas outras artistas que ao invés de uma linha própria buscam a macaquice e a submissão ao colonialismo cultural.
Porém, em boa hora, decidiu mudar de imagem e linha artística. Dona de uma bonita voz soube aceitar os conselhos e assim teve a felicidade de gravar um dos mais belos sambas de 1984 – "O Enredo do Meu Samba" (Dona Ivone Lara), que catapultado como tema de abertura da telenovela a "Partido Alto", ajudou a promovê-la nesta nova faixa.
A exemplo de Zizi Possi (outra cantora que estava com sua imagem feminina bastante prejudicada), Sandra Sá assumiu a maternidade, inclusive como visual para as fotos de encarte de seu novo elepê – feito na Sigla/Som Livro, produção esmeralda de Guto Graça Mello.
Ao contrário das macaquices e gritos de sua fase de funkeira subdesenvolvida, Sandra aparece saudavelmente como uma intérprete de músicas agradáveis e facilmente absorvíveis. Mesmo sem incluir no elepê, o "Enredo do Meu Samba" (editado em compacto e também no lp com a trilha sonora de "Partido Alto", Sandra buscou um repertório jovem e alegre, descontraído mas sem Ter a mediocridade de tantas produções aparentemente destinadas a faixa jovem. Obviamente, Sandra Sá está ainda longe do disco que pode fazer – com sua voz suave e agradável (quem diria, comprando-se aos elepês anteriores), valorizando ingênuas músicas de Lulu Santos/Nelson Motta ("Batikum"), Graça Mota ("Puro Som"), Guilherme Arantes ( "Férias de Verão"), Guto Graça Mello/Naila Scorpio ("Muito Prazer", "Freqüentemente"), Roberto Frejat/Cazuza ("Sem Conexão Com O Mundo Exterior").
Sandra arrisca-se mesmo a composição (ao lado de Pi/Ronaldo Barcelos em "Canção de Búzios"), emociona no maternal acalanto que Jamil Joanes (além de baixista, um bom compositor), dedicou ao seu rebento ("Filho") e assume a negritude ao gravar os "Cantos de Oxum" e "Canto de Oxossi", amparada em bom coral.
Entretanto, a melhor idéia de Sandra e do produtor Graça Mello foi a homenagem prestada a maior cantora de todos os tempos – Bille Holidey (1915-1959). Admiradora de "Ladyday", Sandra reservou uma faixa para transcrição de uma das mais perfeitas gravações de Billie – "I'm A Fool To Want You"(J. Wolf – Herron – Sinatra), com Billie acompanhada por Ray Ellis e orquestra. Um registro histórico, até hoje somente curtido pelos fãs de Ladyday e que agora, incluído neste elepê de Sandra Sá vai fazer com que um novo público descubra a grandeza de Billie.
Naturalmente, esta é a melhor faixa do disco. Poder-se-ia até dizer que só por ela, já vale a pena comprar o elepê. Mas Sandra, agora mulher brasileira, merece também ser ouvida. E esperamos que em seus próximos discos se lembra de gravar bons sambas. Voz para tanto ela tem.
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