Os Cariocas, tão maravilhosos hoje como há 40 anos passados
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de julho de 1992
Quando se fala em conjuntos vocais no Brasil, há uma unanimidade entre os que conhecem o mínimo de MPB: nunca houve um melhor do que Os Cariocas.
Ao longo de 21 anos (!946-1967), o grupo fundado pelos irmãos Ismael Neto (Ismael de Araújo Silva Neto, Belém do Pará, 1925 - Rio de Janeiro, 1956) e Severino Filho (Severino de Araújo Silva Filho, Belém, 1928) foram únicos. Nas duas décadas de sua primeira fase - no qual sofreram algumas mudanças, surgiram dezenas de outros grupos vocais - trios, quartetos, quintetos, com estilos diferentes, alguns de grande popularidade, a música brasileira atravessou diferentes fases, mas Os Cariocas foram únicos, perfeitos, inimitáveis e insubstituíveis.
Tanto que quando o grupo se separou, em 1967, criou-se um vazio que não teve substitutos. E que fez com que, após 11 anos, quando, finalmente, o grupo voltou a atuar, se tornasse um evento do maior significado para a música e cultura brasileira.
Os cariocas separaram-se no auge de sua fama, quando, dentro da Bossa Nova - da qual foram precursores, com suas modernas harmonizações, repertório requintado, constante pesquisa de vozes - foram do grupo de fundadores, como, aliás, exaustivamente, o jornalista Ruy Castro em seu básico "Chega de Saudade" (Companhia das Letras, 1990) soube reconhecer e contar em detalhes.
Infelizmente, nem bem Os Cariocas retornavam com sua formação original dos últimos anos - Líder Severino, Quarters, Badesco e Luís Roberto, este último, cardíaco, na emoção de um show no Jazzmania, na noite de 20 de outubro de 1988, aos 48 anos, morria nos bastidores de um show. O choque foi brutal e poderia significar o fim da tentativa do retorno dos Cariocas, mas felizmente um grande amigo do grupo, também excelente cantor, Edson Bastos (RJ, 1941), aceitou participar do grupo e como já conhecia o estilo, ajustou-se perfeitamente. E Os Cariocas, há 4 anos, vem fazendo shows pelo Brasil e, o que é importante gravando discos. Após um elepê, ainda com Luís Roberto, na Sigla, finalmente foram contratados pela WEA, que em "Reconquistar", com participações especiais e efetivas, realizou a produção (lançada em CD, fita e vinil) que, em nossa opinião, é o melhor disco do ano, em termos de grupos vocais e um marco artístico.
O título é que pode ser discutível: "Reconquistar", da faixa de Ivan Lins e Vitor Martins. Apesar da beleza da música, Os Cariocas não precisam reconquistar nada: o espaço que possuem na MPB nunca foi preenchido e hoje, como nos anos 40, 50 e 60, são perfeitos. A admiração que o grupo merece é tão grande que houve participações espontâneas e especiais dos autores de quatro faixas: Caetano Veloso em "Sampa"; Guilherme Arantes, piano e voz em "Vôo (São Conrado)"; Ivan Lins em "Reconquistar"; João Bosco, no violão e voz em "Terra Dourada"; Tom, novamente no vocal em "Bebol" além dos percussionistas Bernardo Carvalho Bittencourt e Barney. As outras faixas são "Luiza" (fom), "Amei Demais" (Cláudio Cartier/Marco Aurélio); "O Sol Nascerá" (A Sorrir) (Cartola/Elton Medeiros); "Capim" (Djavan); "Tarde em Itapoã" (Vinícius/Toquinho); "Travessia" (Milton/Fernando Brandt); "Pretaporte de Tafetá" (Bosco/Blanc) e "Vagamente"(versão para o inglês, de "Vagamente", de Menescal/Ronaldo Boscoli).
Dispensável, totalmente, qualquer comentário sobre este repertório. Também redundância enaltecer os arranjos, a vocalização, a perfeição das vozes e, especialmente, a modernidade que estes sessentões - exceto Edson Bastos - trazem, com vigor dos anos de ouro para um repertório classe. Em suma, é daqueles discos para serem adquiridos rapidamente, guardados com carinho - por representar uma mostra que ainda, felizmente, de quando, há momentos da maior dignidade do nosso melhor músico popular.
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