A poesia (re) existe e a prova está em 3 livros
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de agosto de 1980
A professora Helena Kolody ainda não teve o reconhecimento que merece. Mestre de várias gerações no Instituto de Educação do Paraná, inspetora federal por muitos anos, Helena Kolody é, acima de tudo, uma Poeta com "p" maiúsculo. Silenciosa e discretamente vem publicando uma obra da maior sensibilidade, onde transmite, em imagens perfeitas e seguras, a sua visão do mundo. Sem nunca ter recorrido a entidades culturais ou mesmo editoras, financiando seus livros da própria bolsa, a obra de Helena Kolody pode, segundo alguns especialistas que a conhecem, ser colocada ao lado do que de melhor existe na poesia brasileira. Sem exagero, já houve quem a comparasse a Cecília Meireles. Modesta, vivendo uma vida quase monástica, dona Helena foge dos elogios, compartilhando de um pequeno grupo de amigas. Mas não deixa de escrever e transmitir sua sensibilidade de poeta, como faz agora, com "Infinito/Presente" (edição particular, 60 páginas, agosto/80).
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Dividido em duas partes - "Infinito Presente" e "Saga", dona Helena Kolody oferece uma poesia madura, de quem aceita os tempos e a vida passar: "No movimento veloz/de nossa viagem/ embala-nos a ilusão/da fuga do tempo/Poeira esparsa no vento/apenas passamos nós/O tempo é mar que se alarga/num infinito presente".
A poesia de Helena flui naturalmente, mesmo quando há uma ameaça de pessímismo, como neste seu "diálogo":
"Debruçados sobre a vida/indagamos seus mistérios e raramente alcançamos/suas respostas cifradas ao calor do interrogar-se/núvens ocultas esgarçam-se a luz em nós amanhece". Uma poesia enxugada, precisa, faz com que certos versos de Helena cheguem a parecer quase pensamentos. Profundos e filosóficos.
"Quando a renúncia nos torna vazios, a maré do absoluto nos invade plenamente" (...) "Conhecemos dos outros/pálidos instantâneos ( o mais são ignorados subterrâneos" (...) "Em nós mesmo navegamos/Somos barco e marinheiro, continentes e oceanos" (...) "A todo momento/uma encruzilhada/Livremente preferimos/um caminho entre os possíveis/A escolha é vitória/coroada de renúncias" (...) "Cavar na rocha o escuro/degrau de cada dia sangrar mas não ceder" (...) "O Sofrimento burila/a própria argila pensa e/muda a maneira de ser/Não se transfere a ninguém/esse pungir que aprofunda/E nem a dor de aprender" (...) "Na floresta reduzida/a formulários e fichas/extravia-se o vivente/Desumaniza-se em numeros/códigos e referências/Sacia a fome eletrônica/dos computadores" (...) "Se interrogas o passado/mente o cristal da memória/para tornar-te feliz" (...) "Os olhos que mergulham no poema/completam o circuíto da poesia" (...).
Assim é a poesia de Helena Kolody, Limpa, clara e que faz pensar.
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Enquanto Helena Kolody, já com vários livros publicados permanece em sua tranquilidade curitibana, Paulo Ciça (Aldo Schmitz, catarinense de Guaramirim) tem a inquietação e o entusiasmo dos jovens. Aos 25 anos, já tendo revoado por Capinzal, Irati, Joinville e agora em Curitiba, classificando-se como um "Cataraná brasiliensis", publica "Vôo Cego (editora Beija-Flor), que lançou dia 7 de agosto, na Casa Romário Martins, e levou a São Paulo, na Bienal do Livro, estabelecendo contatos com vários editores, já que tem outros originais, que sonha em ver impressos. Em "Vôo Cego do Migrante", Paulo Ciça fala de um tema atual. Basta acompanhar a polêmica sobre a Lei dos Imigrantes. Paulo Ciça traz em seu "Vôo Cego" muitas cheganças, presenças ora doidas, ora em plena alienação, retiradas com fios de desesperanças ou um filho que parte em outros instantes. O poeta registra muitas esperanças castradas e transformadas em dor: "Devagar com a dor/que o canto é amargo/. Siga cigano, cigarra/no manda e desmanda/com honra e desonra/ ao que faz juz"; ou quando o poeta levanta o substituto do feijão para a barriga do povo: "O soja recepcional/aloja solene aventura/da futura obrigação". Paulo Ciça - o pseudônimo é a junção do cognome de seus pais (a mãe Aracy, o pai, Bartolomeu, conhecido por Paulo) - diz sobre o seu interesse de escrever sobre a migração:
-" Eu me criei no campo e a vida rural marcou muito, tanto a parte bucólica, poética, patética e principalmente a realidade rural. O tema sempre vinha martelando na minha cabeça e, sendo o Paraná um resumo da etnia, cultura e miscigenação brasileira um laboratório - pela importância do café, soja, trigo, num dos Estados de maior incidência migratória, é um cenário ideal. Acho que a poesia só será reconhecida como tal, quando falar a linguagem do agora e, quando se debate sobre a problemática migratória, é hora oportuna para a poesia participar, conquistar seus espaços, enfim pronunciar-se, apresentar suas razões".
Há um lirismo estranho grudado nas fendas das palavras nos poemas de Paulo Ciça, onde vida, amor e morte se conjugam no trapézio da subsistência, como se partir seja a solução mais exata ao encontro da abundância e estabilidade econômica, como diz no poema "Arribação":
"Levanta vôo, asa branca/norte é sorte?".
Paulo Ciça levanta esta bandeira em seu "Vôo Cego" e faz perguntas, deixando respostas como esta:
- "A melhor solução para qualquer problema é não permitir que aconteça. No caso da migração, é preciso remediar. O primeiro passo é a conscientização correta do problema, como a campanha da CNBB; segundo o Brasil é, sabidamente, um País agrícola. Surge, portanto, a ampliação de uma política agraria, com garantias básicas. Quero crer que alguma coisa se encaminha, embora tarde e vagarosamente. Enfim, se as terras não forem conferidas aos brasileiros, cairão na mão do capital estrangeiro, aliás, grande parte delas já são de multinacionais e grupos de fora".
Esta preocupação de Paulo Ciça está contida (e muito bem exposta no Poema "Registro Geral", onde o poeta apresenta quase que um atestado das inúmeras famílias que aqui chegam.
Tua razão social/ave anônima, limitada esta na praça pública/numa estátua pudical/de Tiradentes, Vargas.
Vaga no silêncio ensurdecedor/pela asa da dor/ e qualquer viaduto/reduto familiar, abriga/esse requinte requentado/
Ave fome, a fula gome/busca desvairada na alvorada sem cor/chovendo no molhado
Aqui, onde o diabo/deu cabo às botas
- "Pobre chora à toa" Voa no vão da construção/à procura de gavião
Desfila nessa fila.
Como a poesia é necessária - e tem seu espaço -, mais um poeta publica seu livro: Ubiratan de Mattos, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Tuiuti, está lançando "Sóis a Sós" (50 páginas, capa com fotografia de Marzio Gentili, ilustração de Elisabeth César Maschke, edição Tuiuti, coleção Gestalt), lançamento no próximo dia 9, às 21 horas na Reitoria. Paranaense, 24 anos, Ubiratã é apresentado por sua amiga Milena Maria Costa Martinez como "um jovem professor de letras cuja poesia tema força e a capacidade de transportar o leitor a vários momentos, como num passe de mágica;ora alegres e descontraídos sem serem vulgares, ora sérios e reflexivos sem serem enfadonhos, ora amorosos e ternos sem cairem no lugar comum".
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E uma prova de que a poesia tem público está na promoção da Editora e Livraria Escrita, de São Paulo, que duas vezes por mês, realiza o concurso "Escrita" de poesia falada. Nos próximos dias 6 a 20 de setembro, 4 e 18 de outubro, 8 e 22 de novembro e 6 e 20 de dezembro, na Biblioteca Monteiro Lobato, no Ibirapuera, em São Paulo, estarão sendo realizados "torneios" de poesia, com prêmios que vão de Cr$ 2 mil a Cr$ 200,00, afora livros e assinaturas da revista "Escrita". Sem contar a publicação na antologia "Poesia Falada", a sair em breve. Melhores informações, diretamente com a editora: Rua General Jardij, 570. São Paulo, SP.
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ONTEM, dia 28, transcorreu uma data que mereceria ao menos um telegrama de cumprimentos da Embrafilmes ao exibidor João Wasileski, de Irati: o 60o aniversário do Cine Central. Inaugurado em 1920, o pequeno cinema daquela cidade do Interior é possívelmente um dos mais antigos do País e, com toda certeza, o único a permanecer por tão longo período na mão de um único dono. Homem simples, que inaugurou o cinema quando a invenção ainda assustava muitos. Wasileski continua, em todas as sessões, a cuidar da projeção enquanto familiares vendem os ingressos. Seu pequeno patrimônio foi feito através de atividades paralelas - uma mercearia/padaria, que é tradicional na região. Mas o amor pelo cinema é imenso e numa época em que mensalmente há melancólicas últimas sessões de cinema, Wasileski é um exemplo heróico de resistência. Razão pela qual merece que, em breve, se fale mais demoradamente de seu cinema e de sua pessoa.
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