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Aramis

Quando o comunismo assustava a América

Quando "Sob o Domínio do Mal" (Lido II, hoje último dia em exibição) foi realizado, falava-se muito em lavagem cerebral em termos ideológicos. A guerra da Coréia já havia terminado mas as feridas eram recentes (como hoje, 11 anos depois, permanecem as do Vietnã), de forma que quando Richard Condon publicou o livro "The Manchurian Candidate", vários atores importantes se interessaram em interpretar as personagens centrais no cinema. Robert Mitchum e Frank Sinatra foram os primeiros. Surgiram, entretanto, dificuldades de adaptá-lo e o projeto foi adiado. George Axelrod, dramaturgo e roteirista, mais afeito a área humorística, co-responsável pelo menos por dois clássicos da comédia sofisticada - "Sabes o que eu Quero" (1956, de Frank Tashlin) e "O Pecado Mora ao Lado" (1955, de Billy Wilder), além de ter auxiliado Black Edwards na perfeita transposição à tela do conto de Truman Capote, "Breakfast Tiffany's" ("Bonequinha de Luxo", 1961), decidiu encarar o desafio: abordar uma temática séria, polêmica e sem a leveza dos trabalhos que normalmente estava acostumado a realizar. Assim não só trabalhou no roteiro, como buscou no então jovem (32 anos) cineasta John Frankenheimer, o diretor para realizar o filme. Uma associação com Frank Sinatra, como ator e co-produtor (e Sinatra, na época, buscava papéis sérios, para fugir de sua imagem de apenas cantor e comediante) tornou possível a realização de "The Manchurian Candidate". Vindo à televisão, Frankenheimer havia realizado três filmes sobre conflitos de jovens ("No Labirinto do Vício", 1956; "Juventude Selvagem", 1961 e "O Anjo Violento", 1962), mas havia sido "O Homem de Alcatraz", sobre a vida de um prisioneiro que se tornou na maior autoridade em ornitologia nos EUA, que o havia consagrado. Portanto, as condições para fazer do romance de Richard Condon um bom filme, estavam claras. O tema, essencialmente político, mostrava a utilização pelos agentes comunistas da lavagem cerebral manchuriana (que teria sido muito usada na guerra da Coréia) para fazer um duro sargento, herói de guerra, Raymond Shaw (Laurence Harvey) a ser "programado" para assassinar o candidato a presidente dos Estados Unidos, dentro de um plano diabólico que envolvia tanto agentes comunistas (e chineses) nos EUA, como a sua própria mãe, uma megera (interpretação esplêndida de Angela Lansbury). O projeto é descoberto, indiretamente, pelo major Ben Marco (Sinatra), que como comandante da patrulha aprisionada pelos chineses (e submetida a lavagem cerebral), começa a ter pesadelos, identificando que alguma coisa de anormal estava acontecendo. A trama, então, desenvolve-se com alguns toques de suspense e um final - durante a convenção do partido Republicano, no Madison Square Garden, em Nova Iorque, na qual o político será assassinado - seqüência que chega a lembrar o clímax de "O Homem que Sabia Demais" (realizado seis anos antes por Alfred Hitchcook). Lançado nos EUA em fins de 1962, "The Manchurian Candidate" coincidiria com o trágico assassinato de John F. Kennedy, amigo pessoal de Sinatra (que, por coincidência, em 1956, também já havia feito um psicopata assassino, disposto a matar um presidente americano, em "Meu Ofício é Matar", filme a disposição em vídeo). Assim, tão logo foi possível, Sinatra, como co-produtor determinou que as cópias do filme fossem recolhidas e proibiu seu relançamento até o ano passado. No Brasil, distribuído pela United Artists, com o título de "Sob o Domínio do Mal", o filme foi lançado no primeiro semestre de 1963 - chegando a Curitiba no antigo Cine Ópera em junho de 1963 e permanecendo apenas uma semana em exibição. xxx Revisto hoje, 27 anos depois de sua realização, "The Manchurian Candidate" se mantém como um bom thrilling. Apesar do maniqueísmo político-ideológico - hoje anacrônico face as novas aberturas entre os países comunistas e os Estados Unidos - mostra o comportamento de uma época. Francisco Bettega Neto, crítico de cinema da "Última Hora" (edição do Paraná), em 15/06/62, embora atribuísse apenas duas estrelas (razoável) ao filme de Frankenheimer, reconhecia que "apesar do hibridismo do roteiro de Axelrod, de muitas relações de inúmeros detalhes, não conduzidos com a plausibilidade, a história chega a satisfazer pelo ineditismo de suas situações". Crítico lúcido, que marcou o período em que escreveu diariamente na "Última Hora" (uma antologia de suas críticas, selecionadas por ele próprio, deverá ser editada pelo Museu da Imagem e do Som, ainda este ano), chamava atenção para o lado ideológico do filme: "Por trás de um curioso arcabouço, é possível observar-se a constante preocupação que domina o povo estadunidense acerca de uma eventual tomada de poder pelos comunistas. Na película, está exposta sem rodeios não só a ameaça de um inimigo identificado (a coexistência pacífica não conta em nenhum momento), como sua origem está sempre localizada com exatidão. E outra característica inusitada nesta película, atuando sem meias tintas, o conflito entre o comunismo e o regime norte-americano, de um modo como poucos filmes de igual diretriz, mas produções grosseiras, conseguiram fazer. Dentro de uma empostação caricata, é verdade, são tratados não apenas os comunistas (o psiquiatra chinês com seu bigode à maquiavélico rei do Planeta Mongo, a rigidez do encarregado do hospital-célula), mas também o macartismo em particular e as manifestações políticas ianques". É interessante (re)apreciar um filme de conotações políticas, no qual o inimigo (no caso os comunistas) dominam bons americanos para crimes hediondos (trabalhando com um jornalista famoso, o sargento Shaw o assassina; depois mata friamente a sua esposa e seu sogro, um senador liberal), tudo sob efeito da lavagem cerebral. Só para lembrar, 15 anos depois, Donald Siegel também mostraria num filme sobre lavagem cerebral a ação de agentes inimigos nos EUA ("O Telefone", 1977, recentemente revisto na televisão). O romance de Condon citava a ação do Instituto Pavlov de Moscou, mas, em termos científicos, não há maior resistência. Há personagens bem estruturados - como o senador fascista Iselim (James Gregory) em ótima atuação, em contrapartida ao liberal senador Thomas Jordon (John McGiver), pai de Joice (Leslie Parrish), pela qual Shaw se apaixona, além do "Bad Guy" Chujin (Henry Silva), com quem Ben Marco (Sinatra) tem uma briga digna de um filme "made in Hong Kong". Totalmente falsa e dispensável é a personagem Rosie (Janet Leigh, então ainda bela nos seus 42 anos).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
19/07/1989

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