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Aramis

Que bom que um filme político como o de Lucia ter vencido em Brasília

Brasília Bom senso e caldo-de-galinha nunca fizeram mal a ninguém e assim mesmo aquelas autoridades culturalmente mais simpáticas e que impediram que a XXII edição do Festival de Cinema fosse cancelada, preferiram o anonimato na festa de encerramento, terça-feira. Afinal, o público que superlotava o cine Brasília, todas as noites, não perdia chances de vaiar qualquer político da Nova República que, mesmo indiretamente, fosse mencionado. No final de "Minas-Texas", numa cena de feira agrícola, aparece o governador Newton Cardoso, que fez com que as vaias substituíssem aos aplausos que o inventivo e bonito filme de Carlos Alberto Prates vinha merecendo. Assim, sem qualquer autoridade no palco - apenas técnicos, cineastas, atrizes e alguns jornalistas - aconteceu a festa de encerramento, com uma distribuição de prêmios que só deixou de fora "Jardim de Alah", a comédia carioca de David Neves que já havia recebido prêmios especiais dos júris em Gramado e Natal. Uma terceira premiação de consolação seria demais e se David Neves, uma das pessoas mais queridas do cinema brasileiro - e que chegou na tarde de terça-feira - pouco ligou, três dos artistas que ali se encontravam desde o início do festival - Paulão, Françoise Fourton e a (belíssima) estreante Valéria Frascino - esperavam algum prêmio de melhor coadjuvante, que acabou não vindo. Num festival em clima político, uma semana antes das eleições, não poderia faltar uma prévia e assim 921 votos foram depositados na urna no hall do cinema, na noite de segunda-feira e apurados na manhã seguinte - numa movimentação tão grande que serviu de desculpas para o arredio Carlos Alberto Prates fugir do debate que havia sido marcado. Feitas as apurações, o resultado não poderia ser mais esquerdista: 307 votos para Lula; 222 para Freire; 166 votos para Covas; 125 para Brizola. Os demais ficaram com números reduzidíssimos: Afif (19), Gabeira(18), Maluf (12), Collor (10), Sílvio Santos (7), Ulysses (6), Enéas (5), Caiado (5), Aureliano, Marronzinho, Eudes Mattar e Celso Brandt (2 cada) e Manoel Horta (1). Affonso Camargo não teve um mísero voto. Quando o ator Marcos Breda, apresentador do festival, anunciou os resultados, o clima foi de comício: vaias para todos os nomes - exceto Lula e Freire. O ator Emanuel Cavalcanti (melhor coadjuvante, por uma atuação especial em "Uma Avenida Chamada Brasil"), brizolista fanático (falou-se até que seria um nome para a presidência da Embrafilme no caso da vitória do PDT), e que na noite de abertura do festival, já havia feito um longo discurso, com sua verborragia alagoana, ao receber o troféu não se conteve e voltou a falar. Só que desta vez foi sintético, mas não deixou de terminar dizendo "Brizola na cabeça" - sob muitas vaias - já que a popularidade do ex-governador do Rio de Janeiro não era das maiores entre o público que, todas as noites, lotava o cine Brasília. xxx Quem ganhou aplausos, em pé, foi Lucia Murat, que saiu do cinema carregada de troféus: seu emocionante "Que bom te ver viva" levou os prêmios dos júris oficial e popular, mais da crítica, como melhor filme, e como a montadora Vera Freire, também premiada, já havia retornado ao Rio, Lúcia recebeu em seu nome. Emocionada, ao abraçar a sua filha, Júlia, 9 anos - a quem dedicou a noite de vitória, lembrando que a grande esperança que o seu filme traz - ao documentar depoimentos de 8 mulheres torturadas pelo regime militar, mas que retornaram às suas vidas - e a esperança pela maternidade (quase todas tiveram filhos após saírem da prisão). Irene Ravache, emocionada também, melhor atriz (prêmio dividido com Andréa Beltrão, por "Minas Texas", mas ausente devido a seus compromissos no Rio), também falou bonito e lembrou que "este prêmio não é meu, mas principalmente da Criméia, Estrela, Jesse Jane, Maria do Carmo, Maria Luiza, Regina e Rosalina" - as mulheres cujos depoimentos tornaram o filme uma obra universal - e na qual, Irene, numa das maiores atuações já vistas no cinema brasileiro, "costura" de forma intensa, vivendo uma personagem que embora aparentemente ficcional, não deixa de ser alterego da própria Lucia Murat, que também foi presa, torturada e viveu no exílio. A importância de "Que bom te ver viva" neste período pré-eleitoral foi definido com a maior clareza pelo sociólogo Herbert de Souza, o irmão do Henfil: "Este filme deveria ser exibido nos programas do TRE em todo o Brasil para que ninguém esquecesse esta história. Ela é parte do nosso passado e depende de nós impedir que ela se repita no futuro". Desde ontem, no Rio, Lucia Murat está acertando um esquema de lançamento de seu filme no máximo de cidades (no Rio e São Paulo está em exibição) antes das eleições afetivas com o Paraná - seu pai, o médico Miguel Vasconcelos (1906-1980) nasceu em Palmas e tem parentes naquela cidade e também em Curitiba - gostaria de não só fazer uma pré-estréia especial do filme, como também participar de debates e programas de televisão. xxx Os outros premiados de Brasília, longa-metragem, foram: diretor - Julio Bressane ("Sermões"); ator - Othon Bastos ("Sermões"), ator coadjuvante - Emanuel Cavalcanti ("Uma Avenida Chamada Brasil"); atriz coadjuvante - Maria Silva ("Minas Texas"); trilha sonora - Tavinho Moura ("Minas Texas"); cenografia - Gringo Cardia e Luís Stein ("Lili, a estrela do crime"); fotografia - Gilberto Otero ("Minas Texas"); técnico de som - Carlos Dela Riva, Antônio César e Walter Goulart ("Avenida Chamada Brasil") e prêmio especial para Roberto Leite (mixagem em vários filmes exibidos no festival, inclusive "Que bom te ver viva"). LEGENDA FOTO - Laura de Visom - um "Divine" tupiniquim - interpretando três personagens no curta "Mamãe Parabólica", acabou virando a musa do XXII Festival de Cinema Brasileiro de Brasília.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
11/11/1989

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