Sabino, a arte de contar histórias
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 22 de junho de 1985
No próximo ano, uma importante efeméride literária: os 30 anos de publicação de "Encontro Marcado".
Romance-marco de uma geração, a trajetória de Marciano - da infância em Belo Horizonte à maturidade no Rio de Janeiro - tem sido parâmetro de milhares de leitores que, desde 1956, se encontram nesse livro de Fernando Sabino. Já se comparou, mesmo, "Encontro Marcado" a "O Apanhador no Campo de Centeio" (The Catch In The Rye), que Jerome David Salinger (Nova Iorque, 1/1/1919) publicou cinco anos antes e cujo personagem, Holden Caulfield, também estabeleceu profunda empatia com os leitores, ao longo de uma trajetória de angústias, dúvidas, alegrias, paixões e frustrações.
Tanto Sabino como Salinger até hoje resistiram a propostas para permitir a filmagem dos dois livros. Há 4 anos, Sabino chegou a participar de reuniões com cineastas que lhe propunham uma respeitosa transposição do universo de Mariano para a tela. O projeto, entretanto, não foi adiante, pois, embora apaixonado pela sétima arte, Sabino vê com cautelas a versão de sua obra para o cinema, não tendo mesmo aceito, integralmente, a política versão que Roberto Santos fez, em 1967, de sua crônica-conto "O Homem Nu", um dos melhores filmes brasileiros dos anos 60.
Sabino, 61 anos, nome fulgurante de nossa literatura, cronista amado e lido em todo o País, de volta de uma viagem à Europa, reiniciou o périplo nacional para autografar seu novo livro "A Faca de Dois Gumes" (Editora Record, 239 páginas), motivo pelo qual estará segunda-feira em Curitiba.
xxx
Com 19 livros publicados a partir de "Os Grilos Não Cantam Mais" (contos, 1941), dos quais apenas três romances (além de "Encontro Marcado", "O Grande Mentecapto" e "O Menino no Espelho"), Sabino é o mestre da crônica. Como ninguém, sabe dar tratamento leve e bem humorado aos fatos do cotidiano, de modo que seus livros estão sempre entre os mais vendidos, atingindo sucessivas edições.
Agora, entretanto, em "A Faca de Dois Gumes", Sabino interrompe as crônicas que vem reunindo em tantos volumes e mergulha em três novelas, todas com elementos policiais e que comprovam sua competência em contar estórias. São três estórias excelentemente bem preparadas, com personagens inesquecíveis e que demonstram o extraordinário roteirista ou dramaturgo que Sabino também pode ser. Roteirista, aliás, ele já foi. Com o amigo David Neves e o patrocínio do Banco Nacional realizou uma excelente série de documentários sobre personalidades da literatura brasileira, curtas esses que preservaram imagens e vozes de escritores como Érico Veríssimo, Jorge Amado e Vinícius de Moraes, entre tantos amigos.
xxx
"Martini Seco", a segunda das três novelas de "A Faca de Dois Gumes", é uma história que pode, com a maior facilidade, ser adaptada ao teatro. Poucos personagens e ação concentrada em praticamente dois cenários (um bar e uma delegacia de polícia) a história tem final dramático, em clima que lembra um clássico texto da dramaturgia americana, "Detective Story", de Kingsley Amis, que William Wyller (1902-1981) filmou, em 1951, com Kirk Douglas e Eleanor Parkar, e que se chamou, no Brasil, "Chaga de Fogo".
Na verdade, a idéia para "Martini Seco", conforme Fernando Sabino contou há dois meses para Cesar Giobbi, do "Jornal da Tarde", surgiu de um caso contado ao autor pelo delegado João Leite Filho, de São Paulo: uma mulher procura a polícia afirmando que o marido quer envenená-la; logo depois, o delegado é procurado pelo marido, que acusa a mulher de querer suicidar-se e colocar a culpa nele.
Enviar novo comentário