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Aramis

Só o idealismo para fazer este encontro

Chega até a emocionar: praticamente sem nenhuma ajuda, fazendo os maiores sacrifícios, um grupo de jovens instrumentistas e professores que se preocupam em ensinar a divulgar a música antiga estão promovendo desde o último sábado, 29, o V Encontro de Música Antiga de Curitiba. Eunice Brandão, 27 anos, formada pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, há quatro anos morando na Suíça, é a grande incentivadora deste encontro. - "Acho que ele não poderia morrer. E por isto vim da Basiléia, com meus colegas, para realizá-lo. Não importa a que preço!" Mas o preço é alto. Nenhum dos 16 jovens professores da Suíça - incluindo outras nacionalidades, que aqui se encontram, dando aulas e fazendo concertos - tiveram qualquer auxílio. Ao contrário, cada um pagou US$ 1.200,00 pelo vôo via Swissar - (com um desconto da empresa) e estão hospedados em casas de curitibanos que entendem a importância deste acontecimento. Com exceção do SESC, quase ninguém ajudou na promoção. A Secretaria da Cultura, a bem da verdade, nada havia prometido além de um cheque de Cz$ 100 mil, que até sexta-feira ainda não havia sido liberado. Anteriormente, o Encontro tinha patrocínio da Fundação Cultural, mas que confirmando seu distanciamento com o gênero de música antiga - após demitir o maestro Roberto de Regina e afastar o Studium Musicae do Solar do Barão - desta vez lavou as mãos. A própria Eunice admite: - "Seria perda de tempo e energia procurar a Fundação. Afinal, ela tem "outras" prioridades culturais". Até a Ordem dos Músicos do Brasil, seção do Paraná, decidiu prejudicar este evento cultural. Amparada numa legislação canhestra, ameaça interditar os concertos sob alegação de que os instrumentistas estrangeiros "estão com passaportes de turistas". Só após uma negociação para que a OMB-PR retenha 10% da bilheteria (já insignificante) dos concertos, é que houve autorização para as suas realizações. O maestro Roberto de Regina seria homenageado no concerto de encerramento (hoje), no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, 21 horas - mas comunicou ontem que não poderá vir. Afinal, ele está ainda muito magoado com a patifaria que lhe fizeram, afastando-o da Camerata Antiqua que fundou e dirigiu por tantos anos. Outra idéia que Eunice pretendia desenvolver - formar uma Orquestra Barroca, com integrantes de vários conjuntos da cidade também não pode ser realizada. Mas nada desanima esta jovem e entusiasta musicista, que depois de ter integrado a Camerata Antiqua, fundado o Coral Renascentista e sido uma das idealizadoras do Studium Musicae (hoje desativado) foi morar em Basiléia, na Suíça, para aprimorar-se em viola de gamba na Escola Cantorium Basilienses. Desde 1983, Eunice enfrenta uma barra pesada para sobreviver: como não dá para viver de música somente, trabalhou em atividades menos nobres, porém dignas. Nos últimos meses, contratada de um respeitável grupo - "Hesperion XX", as coisas melhoraram e para participar da gravação do 42º álbum deste conjunto, retorna ainda este mês à Suíça. A ida de Eunice para a Suíça estimulou quatro colegas da antiga Camerata a também irem para aquele país: Walter Luiz (contratenor), Janete de Fátima Andrade (flauta), Carlos Harmum (percussão) e Angela Esmanhoto (flauta). - "Eles estão também enfrentando dificuldades, mas felizes em terem chances de estudarem e participarem de um ambiente musical notável". Filha da mais musical das famílias paranaenses - os Brandões, música como seus sete irmãos e os pais (o médico Hélcio, violoncelista, e a mãe Ofélia, pianista), Maria Eunice não esmorece. As dificuldades para a realização deste V Encontro de Música Antiga a conscientizaram ainda mais dos problemas de quem se dispõe a desenvolver projetos culturais sem a cobertura oficial. Tentativas para conseguir recursos junto ao empresariado, através da Lei Sarney, não faltaram. Há 3 meses que dois jovens, Marcelo Karam Guerra e Júlio Urban, 27 anos, administradores de empresas, e dirigentes da Idealiza Marketing - Projetos Especiais, vem tentando sensibilizar empresários de vários Estados em relação ao projeto. Encaminharam 96 cartas, mantiveram inúmeros contatos e só tiveram respostas negativas. Uma prova de que a operacionalização da Lei Sarney, aprovada há um ano, ainda é difícil - e a corrida às mesmas fontes, por inúmeros interessados, só está esgotando mais rapidamente suas possibilidades. Independente de qualquer apreciação maior, a realização deste V Encontro de Música Antiga, sem qualquer ajuda - e mesmo com a má vontade de muita gente - é uma prova de que mais do que as tetas da política cultural oficial e dos mecenas privados (sic), o que vale mesmo é o talento e a garra de gente decidida como Eunice Brandão e seus colegas. O resto é blábláblá.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
06/09/1987

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