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Aramis

Uma serenata com a música antiga

Fazendo das tripas coração, um grupo de abnegados que ama a música, realiza em Curitiba, nesta semana, o V Encontro de Música Antiga. Na sexta-feira, 28, a jornalista Maigue Gueths, contou no "Almanaque" as dificuldades financeiras e operacionais para a efetivação deste encontro de professores e músicos que usando os mesmos instrumentos com que se fazia música há 400 ou 200 anos, se dedicam a colocar neste mundo de violência e disputas, a sonoridade pastoral daquele som de uma época bem melhor em termos de valorização humana. Em suas primeiras edições, o Encontro de Música Antiga tinha o aval oficial da Fundação Cultural, com isto tendo, naturalmente, maior fôlego em sua organização. Mas assim como a FCC perdeu a colaboração de um homem que é verdadeiro sinônimo da música antiga no Brasil, também o Encontro só sobreviveu graças ao Centro de Música Antiga que, com o idealismo de Eunice Brandão e a operacionalização através da Idealiza Marketing, está sendo levado à frente. Curiosamente, esta desatenção oficial para com o Encontro da Música Antiga - que poderia se consolidar como um evento regular em nosso (pobre) calendário artístico, inclusive com dividendos turísticos para os que buscam promoções artísticas e originais, fora do eixo Rio-São Paulo - acontece numa época em que também em termos fonográficos a música antiga ganha seus espaços. Roberto de Regina, que amargurado e magoado deixou a direção da Camerata Antiqua, por ele fundada e dirigida por tantos anos, foi um dos precursores na gravação de música antiga no Brasil. Ainda nos anos 60 - quando nem se pensava em criar a Fundação Cultural em Curitiba - Roberto já se dedicava ao cravo (do qual é um dos poucos luthiers no Brasil) e dirigia o Coral Dante Martinez que, pela CBS, gravou três históricos discos intitulados "Cantos e Danças de Renascença", há anos à espera de reedição. A frente da Pró-Música, gravou álbuns marcantes, inclusive o primeiro registro musical de "As Núpcias Campestres" - enquanto que graças aos seus ensinamentos, surgiriam grupos autônomos, como o Studium Musicae, que viria a fazer o álbum "As Cruzadas", originalíssimo em sua concepção. A produção cultural desenvolvida graças a Roberto de Regina - e cujo futuro hoje é muito discutível, por mais bem intencionados os esforços que apresentem os que se atreveram a sucedê-lo - está registrada em discos. Ele próprio, no cravo, se lançou num projeto audacioso - a gravação na íntegra, da obra de Bach para este instrumento, com os três primeiros volumes já prontos, e os demais à espera e disposição de Percy Tamplim, o bilionário proprietário do Sir - Estúdio de Som & Imagem, em dar continuidade ao investimento necessário. Portanto, Curitiba tem uma íntima ligação com a música antiga - através dos concertos, dos festivais e dos discos aqui produzidos, além da personalidade carismática de Roberto de Regina, em torno do qual se agruparam muitos jovens, alguns dos quais, maldosamente, hoje procuram minimizar e desprezar a sua importância. Freud explica este complexo edipeano da criatura se voltar contra o criador... A SERENATA ANTIGA - Há alguns anos, quando na direção de projetos especiais da EMI/Odeon, Maurício Quadrio ali coordenou uma coleção de preciosos discos de música antiga, aos quais deu o título de "Florilegium". Agora, graças a visão que Henrique Sverner, proprietário da cadeia Breno Rossi, tem da música de qualidade, sai pela Polygram outra preciosa coleção de música antiga - "Serenata", com fonogramas originais da Decca Record/London, de Londres. Com primoroso acabamento, capas reproduzindo obras de arte dos séculos XVI e XIX, e, sobretudo, reunindo solistas e grupos instrumentais e corais que, na Europa, se dedicam à música antiga, esta coleção é preciosa. Obviamente, a gravação justificaria um registro específico, pois embora haja uma identidade comum - a valorização da música antiga - há vários instrumentistas conhecidos na coleção, inclusive o flautista Jean Pierre Rampal, que há 5 anos, apresentou no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, ao lado da Camerata Antiqua, e ao lado de seu amigo, o curitibano Norton Morozowicz, um dos grandes flautistas contemporâneos, hoje regente da Orquestra de Câmara de Blumenau. Rampal e o solista dos concertos de Pergolesi, num dos melhores álbuns da coleção. Outro virtuose que já esteve várias vezes no Brasil - atuando também com a Orquestra de Câmara de Blumenau - é o trompetista Maurice Andre, na execução dos temas ligados à "Música da Corte de Rei James I". A Academy of St. Martin In The Fields, que em julho de 1981, numa excursão à América Latina, incluiu uma única apresentação no Guaíra - e que hoje é das mais conhecidas internacionalmente - está presente em dois álbuns, executando peças de Vivaldi - sob a regência de Neville Marriner - e George Friedrich Handel ("Ode For St. Cecile's Day"), nesta com regência de Sir David Wilckos. Neville Marriner é o regente-titular da Academy of St. Martin In the Fields, tendo inclusive colaborado na trilha sonora do filme "Amadeus", de Milos Forman - o que fez se tornar mais popular. Em "Ode a St. Cecilia", à Academy of St. Martin In The Fields acrescentou-se também o excelente Coro do King's College de Cambridge e as solistas April Cantelo (soprano) e Ian Partridge (tenor), fazendo deste registro um momento especial desta obra que Handel compôs entre 15 a 24 de setembro de 1739 e que teve sua primeira apresentação a 22 de novembro do mesmo ano - data de Santa Cecília. Com o Early Music Consort of London, regido por David Munrow, temos dois álbuns especiais. E um deles, é especialmente significativo em termos de música antiga (já que algumas outras gravações desta coleção não se incluem especificamente nas limitações): "Música do Tempo das Cruzadas". Utilizando instrumentos da época - cítola, naquaras, tamboril, cromorne, cornanusa, alaúde - e vozes belíssimas dos contra-tenores James Bowman e Charles Brett; tenor Niger Rogers; barítono Geoffrey Shaw, o regente e produtor David Munrow procurou reunir interpretações que representam uma tentativa de resolver alguns dos problemas práticos colocados pela recriação da música dos séculos XII e XII e um desejo de apresentar uma introdução a esse repertório de maneira mais variada e acessível, portanto. O segundo álbum regido por David Munrow é "Música na Côrte do Maximiliano I". Músicas que têm origem numa história de amor: quando Maximiliano, então um jovem príncipe de 18 anos, viajou a Flandres para casar-se com Maria da Burgundia, ficou impressionado com a cultura e especialmente a música no castelo da noiva. E apesar de seu casamento haver durado somente cinco anos (Maria morreu tragicamente em 1482), Maximiliano amou verdadeiramente sua esposa e após sua morte, continuou a ser um mecenas das artes, empregando nas cortes que estabeleceu em Viena, Innsbruck e Augsburgo os melhores músicos e artistas de seu tempo, incluindo Isaac, Senfl, Burgmair e Durer. Já em sua época, Maximiliano entendeu aquilo que hoje os políticos buscam: as vantagens promocionais de encorajar os melhores artistas de seu tempo a cantarem em seu louvor (ele foi, naturalmente, vaidoso). E da música de sua côrte, a Early Music Consort of London traz aqui 17 diferentes temas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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02/09/1987

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