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Aramis

E a Camerata perdeu o seu fundador: Regina demite-se

Depois de meses de reflexão, o maestro Roberto de Regina decidiu: na sexta-feira, 14, entregou sua carta de demissão do cargo de regente-titular da Camerata Antigua de Curitiba, da qual foi o fundador em 1974. Na segunda-feira, o conselho da Camerata - formado por dois representantes da orquestra, dois do coral, mais o maestro Lutero Rodrigues e João Carlos Rubero, coordenador de música do Solar do barão, reuniu-se para apreciar a demissão e, em poucos minutos, aprovou o auto-afastamento de Roberto de Regina. Agora, a diretoria executiva da Fundação Cultural formaliza a demissão do maestro, que, diz ele, tinha um salário ao redor de Cz$ 5 mil. Paulo César Bottas, diretor executivo da FCC, informa o contrário: o salário de Roberto seria superior a Cz$ 8 mil. De qualquer forma, um salário mínimo para um regente da dimensão de Roberto de Regina, que dedicou mais 30 de seus sessenta e poucos anos a pesquisa e divulgação da música antiga e renascentista. xxx O afastamento de Roberto de Regina da Camerata Antigua completa um processo que se arrastava há muitos anos. De há muito que vinha sentindo-se humilhado, ofendido e desprestigiado pela diretoria da Fundação Cultural, que, em seu entendimento, nunca viu com bons olhos a Camerata. A gota d'água que levou a apressar sua decisão foi um mal entendido em relação a hospedagem em sua última temporada na cidade: tendo ficado no Hotel Caravelle, a diretora administrativa da FCC, arquiteta Jussara Valentim, não aceitou pagar a conta, alegando que ele deveria ter ficado, como fazia sempre, no hotel San Diego. Sem dinheiro no momento, Roberto de Regina teve que passar pela humilhação de deixar sua mala no hotel enquanto não conseguia a importância necessária para saldar o débito no hotel. Há muito tempo que Roberto de Regina vinha pleiteando que a Fundação ao invés de lhe pagar diárias em hotel, lhe desse uma ajuda de custo que permitisse alugar um pequeno apartamento, onde poderia ter maior privacidade. Houve promessas inúmeras, mas esta reivindicação - que fazia desde a administração anterior da FCC - nunca foi atendida. xxx - Foi apenas uma gota d'água, mas com isto transbordou minha paciência - explicava o maestro a vários amigos, na tarde de quarta-feira, 20, antes de embarcar, em ônibus, para o Rio de Janeiro. Magoado, aborrecido, Roberto de Regina tem um rosário de reclamações para comprovar as desatenções que vinha sofrendo há tempos em seu trabalho. Pelo entusiasmo à Camerata Antigua, Roberto praticamente afastou-se de sua carreira de cravista e abandonou inclusive seu sítio em Petrópolis, onde, em épocas melhores, chegou a fazer verdadeiras "festas medievais", com presenças das mais importantes em termos musicais. A Camerata Antigua - que nasceu ainda na primeira administração do arquiteto Jaime Lerner, quando o arquiteto Alfred Willer presidia a primeira diretoria da Fundação Cultural, chegou a ser a unidade cultural de maior expressão dentro da FCC. - E poderia ter hoje um nome nacional bem maior - diz Roberto de Regina, que durante anos insistiu para que o conjunto fizesse mais apresentações no Rio e São Paulo, não ficando - como vem acontecendo - apenas em modestos concertos locais, em Igrejas, associações de bairros e na Sala Scabi. Quase 100 pessoas, entre cantores e músicos passaram pela Camerata nestes 13 anos em que o próprio grupo sofreu transformações. Hoje há uma orquestra, um coral e da Camerata saiu o conjunto de música antiga Studium Musicae, que chegou a gravar um elepê interessantíssimo ("As Cruzadas"), antes de sofrer uma restruturação que quase o paralisou totalmente. Também com integrantes da Camerata, há o conjunto Robert de Regina, este totalmente independente e que deverá continuar a ter sua vida autônoma, sob sua regência - único vínculo que o trará a Curitiba com maior ou menor regularidade. xxx A Fundação Cultural está começando a distribuir o sexto elepê gravado pela Camerata. Registrado nos estúdios Sir, há dois anos, com peças de Johann Sebastian Bach (1685-1750), George Fréderic Haendel (1685-1759) e Giuseppe Domenico Scarletti (1685-1757), o álbum deveria já ter sido editado em 1985, nas comemorações dos 300 anos de nascimento destes compositores. A orquestra da Camerata Antigua há tempos já tinha deixado a órbita de Roberto de Regina. Preferindo fazer um trabalho ligado à música antiga, Regina deixou a orquestra - que teve inicialmente a regência do violonista Paulo Bosisio (inicialmente convidado apenas para fazer um trabalho didático com seus integrantes) e que agora tem direção do paulista Lutero Rodrigues, que com a saída de Roberto, deverá dirigir também a Camerata. Antes de Lutero aceitar dirigir a orquestra, a Fundação chegou a anunciar a vinda de Jamil Malluf, jovem e elogiado regente paulista, mas que desistiu quando soube do salário oferecido. Lutero, que chegou no ano passado da República Federal da Alemanha, pelo visto aceitou as condições, já que há no Brasil muitos maestros e poucas orquestras disponíveis. xxx Antes de fundar a Camerata Antigua em Curitiba, Roberto de Regina já havia conseguido fazer um bonito trabalho no Rio de Janeiro, com seu conjunto de música antiga e o coro Dante Martinez, gravando uma série de elepês na CBS ("Cantos e Danças da Renascença", "O Cancioneiro de Upsala" etc), que, no gênero, são exemplos únicos - lamentavelmente há anos fora de catálogo. Autodidata (é médico anestesista do INPS, hoje aposentado), Roberto de Regina não só desenvolveu sua habilidade como cravista, como também aprendeu nos Estados Unidos a técnica de construir este instrumento de difícil confecção. Chegou inclusive a montar uma oficina no Solar do Barão mas que também foi obrigada a ser desativada, passando então para uma garagem na casa do casal José Maria Stela Schlapack, ele o representante da "Manchete" no Paraná. Stela é, aliás, uma das pessoas que maior apoio tem dado a Roberto de Regina, estimulando, inclusive, a formação do conjunto com seu nome e cuja direção administrativa assumiu - responsável pela produção de "As Estrepolias de Teresina" (baseada no "Cancioneiro de Upsala"), que, há algum tempo foi levada a várias capitais brasileiras. E graças ao entusiasmo de pessoas como Stela Schlapack, é que Roberto de Regina não rompe definitivamente suas ligações com Curitiba: vai continuar a fabricar cravos (atualmente trabalha num, destinado a uma instituição cultural de Joinville) e tem programada a gravação do quarto volume da série completa do ciclo de 16 concertos para cravos, de Bach. Os dois primeiros volumes foram editados pela Kuarup, etiqueta de Mario Aratanha (após o lançamento do primeiro disco pelo SIR), o terceiro está inédito e deverá sair, junto ao quarto volume, num pacote que vem sendo negociado com a Polygram. Roberto de Regina não chega a afirmar que esteja sendo o primeiro cravista do mundo a gravar o ciclo completo de Bach, mas desconhece outros registros. Há 3 anos, quando a convite da Inter Nationes esteve na República Federal da Alemanha, procurou outras gravações e foi informado de que inexistia uma coleção com os 16 concertos, em cravo. Humilde e modesto, diz: - Tenho feito estas gravações para oferecer a oportunidade dos interessados em conhecer mais uma obra de Bach. Só com esta intenção. A Camerata Antigua - em sua formação coral e orquestra - também tem características inéditas. Tratada sempre com carinho por Roberto de Regina, idealizador e regente por mais de uma década, a Camerata poderia hoje ter uma presença muito maior no panorama nacional - se tivesse havido apoio aos inúmeros projetos por ele apresentados nestes últimos anos. Lembra-se que quando Constantino Viaro, Lucia Camargo e Sérgio Mercer dirigiam a Fundação, houve inclusive um concerto da Camerata, com o flautista francês Jean Pierre Rampal, em que Norton Morozowicz foi o co-regente e teve participação especial. - Infelizmente, a Camerata ficou limitada no espaço e na antropofagia curitibana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
24/05/1987

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