O bom "Realejo" que Rildo sabe executar
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de maio de 1987
Nesta época de consumo do mais supérfluo rock tupiniquim - sem falar nos pacotes internacionais - deve-se saudar, com entusiasmo, o aparecimento de discos de instrumentistas brasileiros. Por exemplo, o Som da Gente, bravamente, inaugura seu catálogo de 1987 com um belíssimo elepê da Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco, que anteriormente fez dois discos, produzidos por Hermínio Bello de Carvalho e Maurício Carrilho - mas que ficaram restritos ao circuito oficial. Agora, a criatividade das 12 integrantes desta original orquestra pode ser apreciada num novo trabalho, em produção de Heraldo do Monte ex-Quarteto Novo - e com previsão de lançamento no Exterior, em versão compact disc.
Já a 3M, pequena etiqueta que vem tendo um repertório basicamente popular abriu espaço para um disco de Rildo Hora (Rildo Alexandre Barreto da Hora, Recife, 20/3/1939), um dos raros executantes de harmônica de boca no Brasil.
Como os veteranos Fred Williams, Edu da Gaita (Eduardo Nadruz, 1916-1982), o jazista Fred Williams e o paulista Omar Izan (que há anos abandonou a harmônica-de-boca para trabalhar, prosaicamente, como vendedor pracista), Rildo Hora, apesar de seu talento e ligação direta com as gravadoras - como um dos mais requisitados (e competentes) produtores fonográficos (por exemplo, Martinho da Vila há anos não abre mão de sua colaboração), têm poucos discos-solo gravados. Sua músicas - algumas parcerias de sucesso como "Os Meninos da Mangueira" (com Sérgio Cabral) emplacaram as paradas, mas nem por isto pode fazer a carreira regular como instrumentista. Afinal, não é o único caso: Maurício Einhorn, 55 anos, 40 de carreira, participante de festivais de jazz, amigo de Thoots Thieleman, têm, até hoje raros elepês.
Felizmente pela RCA lança um disco que realizou com o capricho de quem sabe o que quer. A partir do título - "Realejo", é um álbum afetivo, brasileiríssimo, no qual buscando os melhores instrumentistas - como Luiz Eça nas faixas "O Ovo" (Hermeto Paschoal), e "Xengo" (Rildo/Humberto Teixeira); alternando-se com Luís Figueiró ("Chorinho Pra Ele", também de Hermeto; "Morro Velho", Milton Nascimento; "Algodão", Zé Dantas/Luiz Gonzaga) e Wilson Nunes ("Canto de Sede", Rildo/Paulo George, dedicado a Caymmi); Helvius Vilela ("Brabeira", Rildo).
Outros instrumentos, em mãos competentes dividem a tarefa de dar vida as músicas bem escolhidas, como os saxofonistas Mauro Senise e Macaé; Luizão no baixo; Jorginho no pandeiro; Franklim e Mauro Senise nos flautins; guitarrista Romero Labambo e Nilton Rodrigues no Flugel. Estes bons músicos trabalharam em cima das orquestrações de Rildo Hora, que não só lê partitura, como também têm cursos de harmonia, contraponto e composição, feitos na Pró-Arte, com o maestro Guerra Peixe.
O disco têm um toque nostálgico, a partir do título. Afinal, qual o jovem de nosso dias que sabe o que é Realejo, espécie de órgão portátil, cujo fole e teclado são acionados a manivela. Embora Realejo, seja, na Europa e Estados Unidos, uma espécie de sinônimo de acordeon, a imagem que se têm do velho Realejo é sua música nostálgica, com um italiano acionando a manivela e o verde papagaio tirando a sorte. Uma imagem que se perdeu na infância. Que não se perca a pureza da música de Rildo Hora.
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Enquanto Rildo Hora, em seu "Realejo" - no qual introduz aliás seu filho Misael ao piano na última faixa ("Série de Pai Para Filho"), com termas dedicados aos filhos Misael, Ziraldo e Patrícia - Pedrinho Mattar, em seu último lp (Piano Star", RGE) abandona a linha de solo, bem ao estilo piano-bar, para buscar ao menos alguns instrumentistas ajustados. Por exemplo, o veterano baixista Gabriel Jorge Bahlis, que no início dos anos 60 integrava o grupo de Breno Sauer (que entre 1961/63, residiu em Curitiba, contratado de Paulo Wendt, para a então movimentada Boite Marrocos, de saudosa memória). O baixo de Gabriel é marcante e ajusta-se na bateria e percussão de Augusto Arid, tirando um pouco da mesmice sonora que, infelizmente, têm prejudicado as últimas (e extremamente comerciais) gravações de Pedrinho. Aos 51 anos, dono de um público específico - ambientes sofisticados, festas de milionários, convenções etc.
- Mattar prefere não arriscar-se em inovações, já que os seus discos sempre vendem o suficiente para garantir novas produções. Neste elepê, ao lado de standards como "Pink Panther" e "O Passo do Elefantinho", de Mancine - que já gravou várias vezes - Pedrinho inclui um choro de Jacó do Bandolim ("Doce de Coco"), o mais conhecido dos temas de Edith Piaf ("Hyne A L'Amour"), standards americanos ("Stardust"), além de cutucar clássicos ("Brincando com Chopin") e atacar com boleros ("Vereda Tropical"), Pedrinho ainda fez um potpourri de "Piano Country", arregimentando Adair Torres do banjo e violão, que abre com "Shane" e prossegue com "Turkey In The Straw", "Oh! Suzanah", "Bonza" e "Turkey In The Straw".
Há 25 anos, na RCA, Pedrinho fazia uma bela gravação de "Raphsody In Blue" (Gershwin"), num caprichado disco. Por que Pedrinho não volta a tentar vôos maiores? Afinal, ganhar dinheiro é bom, mas não precisa exagerar...
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