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Aramis

Afinal, maior criatividade com harmônicas de Curitiba

A harmônica de boca é um instrumento incompreendido. Que o diga Maurício Einhorn, 56 anos, "há 51 anos tentando levar a vida na gaita, mas sem gaita no bolso" diz, brincando - ele que é um dos maiores trocadilhistas do Brasil. Ao lado de Rildo Hora (Recife, 20/4/1939), Maurício é o mais seguro executante de harmônica no Brasil - amigo pessoal de um dos raros virtuoses internacionais que conseguiu dar respeitabilidade a este instrumento, o belga "Toots" (Jean) Thielemans (Bruxelas, 29/4/1922) - autor de um dos 10 mais belos temas de jazz, "Bluesette", que além de executante de harmônica é também esplêndido guitarrista. Se Maurício tenta, há pelo menos quatro décadas, viver de harmônica, Rildo só conseguiu uma independência econômica firmando-se como um dos mais equilibrados produtores fonográficos, responsável, entre outros, por quase todos os discos de Martinho da Vila e os melhores momentos de Beth Carvalho. Um pioneiro da harmônica, o gaúcho Edu da Gaita (Eduardo Nadruz, 1916-1892) [1982] morre pobre e esquecido. Fred Williams, com suas harmônicas exóticas, é hoje um nome esquecido e um talento que surgia em São Paulo, Osmar Zaidan, decepcionou-se tanto com a falta de perspectivas profissionais que preferiu ganhar a vida como vendedor de enciclopédias, abandonando a carreira musical. Portanto, é no mínimo admirável a coragem de um grupo de jovens (alguns não mais tão jovens assim) que há nove anos formaram não um simples conjunto, mas uma pretensiosa Orquestra Harmônicas de Curitiba, que, até prova em contrário, seria a única, nestes termos, existente no mundo. Nasceu do entusiasmo de dois apaixonados pelo instrumento - Ronald Silva e Eduardinho Pereira, e com algumas substituições naturais, foi crescendo ao longo desta quase década em que fizeram já 200 apresentações e gravaram três elepês, o último dos quais recém-lançado (Som da Gente, maio/88). Ronald e Eduardo, honestamente, admitem que os dois primeiros discos "eram frágeis do ponto de vista musical". Realmente, tanto o primeiro (Sigla, 1983) como o segundo ("Consonâncias", independente, 1987) - patrocinado pelo Boticário, no ano passado e sem vendagem comercial - não davam a dimensão do talento dos integrantes da orquestra. Repertório mal escolhido, arranjos deficientes - enfim, decepcionantes. Agora, finalmente, a Orquestra Harmônicas de Curitiba fez um trabalho competente, especialmente graças a segurança de Amilson Godoy, maestro, arranjador, pianista, que supervisionou a produção e dividiu com Roger Henry os arranjos dos 12 temas escolhidos. Com exceção de "Bebê" - uma das mais belas músicas de Hermeto Pachoal, lançada em agosto de 1972 e que só agora está sendo devidamente valorizada (recentemente foi regravada pelo duo de violonistas Assad e pelo grupo do percussionista Hélcio Milito, em discos lançados nos EUA; o Zimbo Trio o incluiu em seu repertório), o repertório é ainda conservador - mas bem menos rançoso do que dos discos anteriores. São composições facilmente reconhecíveis, que vão ajudar a orquestra a ter sucesso em suas apresentações ao vivo (em Curitiba, somente no final de agosto, no auditório da Reitoria) e, se espera, catapultar o disco. Que só foi possível de ser realizado graças à sensibilidade de Sérgio Reis, diretor de marketing do Bamerindus e grande amigo de Teresa Sousa e Walter Santos, donos do Nosso Estúdio. Além de bancar o custo de produção do álbum, a Umuarama Publicidade cuidou da programação gráfica (bela capa de André Poppovic, Giovanni Vanucchi e Ionald Kapz, de Oz Desenho & Associados) e patrocinou dois concertos, para lançamento do elepê, no Museu de Arte de São Paulo, há um mês. xxx Intregrado por uma jovem - Cristianne Rodrigues - e dez rapazes - José Ourina, Partika, Sigmar Engelbrecht, Orlando Bom, Ederson Marcondes, Paiva, Hélcio Guirau, Fernando Scremin e os mais veteranos - Luís Carlos, Eduardinho e Ronald - a Orquestra quer provar que harmônica não é "instrumento para criança" - e o seu repertório não se restringe a "Deep Im My Heart", tema apresentado pela orquestra do harmonicista Borrah Minevitch em "Sempre No Meu Coração", o musical biográfico do compositor húngaro Sigmund Romberg (1887-1951) que Stanley Donen dirigiu em 1954 com José Ferrer, Merle Oberon e Walter Pigdeon. Se a Orquestra Harmônicas de Curitiba ainda não chegou à segurança que lhe permita gravar temas de Thielemans (ou mesmo de Einhorn) já houve uma evolução em relação aos discos anteriores - mesmo sem esquecerem de homenagear Minevitch com seu arranjo de "Fantasia Improviso" (Chopin) que abre o lado B - e um ecletismo que mistura Ary Barroso ("Aquarela do Brasil"), Waldir Azevedo ("Brasileirinho") e Tom ("Wave" e "Estrada do Sol") e Marvin Hamlish ("The Glove"), Paul McCartney ("Here, There And Everywhere"), entre outros - com ao menos uma deixa para um tema (inédito?) do produtor-arranjador Amilson Godoy, "Bons Tempos" - ao lado de "Bebê", um dos melhores momentos desta gravação. Bichos do Paraná, os "gaiteiros da boca" merecem ser mais reconhecidos. E palmas a Sérgio Reis, pela força que deu ao grupo... LEGENDA FOTO - Harmônicas de Curitiba: agora bem melhor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
06/07/1988

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