As desafinações no Solar dos músicos
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de maio de 1987
Paulo César Botas, 40 anos, frei dominicano e diretor-executivo da Fundação Cultural de Curitiba, confirma a demissão do maestro Roberto de Regina. Lembra-se que a decisão partiu do maestro e a carta-renúncia foi encaminhada ao conselho da Camerata Antigua, "a quem coube aprovar o seu desligamento". Acrescenta:
- "Na verdade, há muito tempo que o maestro Regina vinha falando em deixar a Camerata. Pensávamos até em lhe homenagear com um grande concerto no Guaíra, pela sua contribuição à música no Paraná".
O maestro Roberto de Regina não vê as coisas de forma tão simples. Embora não faça críticas diretas à diretoria da Fundação Cultural/Secretaria da Cultura, não esconde seu amargor e tristeza. Para ele, há muito que a Camerata - ou ao menos a sua pessoa passou a significar "uma pedra no calçado populista" que caracteriza a filosofia de trabalho da Fundação, desde quando o advogado Carlos Frederico Marés de Souza assumiu a presidência, ainda na administração Maurício Fruet.
- A Camerata tem sido relegada a um segundo plano. Enjeitada mesmo em qualquer trabalho prioritário.
Roberto de Regina lembra vários fatos que, em seu entender, contribuíram para fazer a Camerata perder a oportunidade de ter maior projeção nacional. Lembra também o caso do Studium Musicae, que teria sido expulso do Solar do Barão - teoricamente um espaço destinado a música, mas que tem enfrentado muitos problemas.
Paulo César Botas mostra-se tranquilo em relação ao Studium Musicae. Lembrando que dois de seus integrantes ocupam cargos de confiança na administração do próprio Solar - João Carlos na coordenação musical e Flávio Sterm na assessoria - diz que houve apenas uma insistência de dois integrantes do grupo, Plínio e Laura, em exigir um espaço maior do Solar "para ali manterem uma escola de música antiga, cobrando aulas, tendo lucros". Como o convênio entre o Centro de Música Antiga e a Fundação Cultural não previa esta utilização, o mesmo não foi renovado e o Studium passou para uma sede alugada, funcionando como escola.
Também não houve cumprimento - diz Paulo - de algumas cláusulas por parte do Centro: as pesquisas musicais prometidas não foram efetuadas e dos doze concertos previstos apenas dois teriam sido realizados. O Studium sofreu várias transformações, pois muitos de seus integrantes ganharam bolsas de estudos na Suíça e Alemanha, havendo várias substituições. Apesar disto, o trabalho teve muitos méritos, inclusive a gravação do álbum "As Cruzadas", com músicas da Idade Média. O próprio Paulo César empenhou-se para que o Studium ganhasse projeção:
- Tentei interessar a Ariola pelo grupo, mas a mesma não viu possibilidades de um trabalho regular. Também pensamos num projeto a ser desenvolvido com Elomar Figueira, mas, infelizmente, não deu certo.
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A Camerata Antigua remunera hoje os integrantes de seu coral e orquestra. Segundo Roberto de Regina, o pagamento é ao redor de Cz$ 3 mil. Paulo César Botas diz que, ao contrário, já passa dos Cz$ 7 mil, o que possibilita que alguns dos integrantes comecem a profissionalizar-se somando a este fixo também renda dos professores ou mesmo integrando a Sinfônica do Paraná.
Enquanto muitas pessoas vêem a saída do maestro Roberto de Regina como uma perda irreparável - além de injusta para quem, nos últimos 13 anos, se dedicou inteiramente ao grupo - Paulo César pensa que não haverá interrupção nas atividades. Ao contrário, é otimista:
- Poderá até haver um salto qualitativo, com a mudança de orientação que o maestro Lutero deverá dar ao conjunto.
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De tudo isto fica uma lição: enquanto a cultura oficial se burocratiza cada vez mais, com caras estruturas, reuniões (como a desta semana, em Foz do Iguaçu), pessoas idealistas e modestas como o maestro Roberto de Regina, alquebrado com o peso da idade e injustiças sofridas, mostram-se cada vez mais descrentes. Comentando a extensão de seu curriculum, a dedicação a resgatar a música antiga, centenas de concertos e milhares de horas de ensaios, Roberto de Regina, com melancolia, diz:
- Afinal, o que é a cultura? O que tem significado: o trabalho de quem produz, realiza e se dedica toda uma vida, ou a intriga, a burocracia, o empreguismo...
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Roberto de Regina é mais um desiludido com a cultura no Paraná. Ele, como tantos outros, acredita que ironicamente, na proporção que secretarias de Cultura - municipal e estadual, fundações, grupos de trabalho, comissões etc., estouram milhões de cruzados em muito blá-blá, fóruns, reuniões e, especialmente, empreguismo, os que realmente querem fazer um trabalho sério acabaram tristes, desiludidos e traídos.
- "Será que é este o Brasil cultural neste final de século, que os jovens merecem?" indaga, perplexo e sem esperanças de ter uma resposta.
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