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Aramis

Templo das Musas renasce (mesmo sem ajuda oficial)

Não houve reinauguração oficial. Nem seria o caso. Afinal, foi com ajuda de um pequeno grupo de associados - e doações anônimas (que assim desejam permanecer) - que o Templo das Musas, no bucólico bairro da Vila Isabel, ressurgiu das cinzas. - "Parece até milagre!" - exclamam os que passam pela Rua Professor Dario Vellozo e observam, atrás dos altos muros, que o templo com suas colunas jônicas-romanas, construído há 71 anos foi recuperado após o trágico incêndio que destruiu toda a estrutura de madeira, telhados e mais uma preciosa biblioteca - esta, sim, irrecuperável em seus tesouros bibliográficos. A tragédia aconteceu na madrugada de 25 de agosto de 1987. Na manhã seguinte, dirigentes culturais (sic) apareceram no local, lamentaram a destruição do templo e, especialmente, a queima de livros preciosos - inclusive a única edição existente no Brasil da original Enciclopedie Française (35 volumes, publicados a partir de 1750). Promessas não faltaram. Os donos da cultura oficial, em sua tradicional demagogia, falaram em reconstituição da biblioteca e ajuda para que também o templo fosse recuperado. O Templo das Musas foi [restaurado]. Mas exclusivamente com recursos dos poucos mas valorosos associados. A propalada ajuda oficial ficou numa pífia dotação de NCz$ 200,00, destinada para ser aplicada exclusivamente na "restauração" do que restou entre os 10 mil volumes atingidos pelo incêndio. Restos, estes, que estão até hoje num improvisado barracão ao lado do templo - à espera de uma restauração mas que, custando caríssimo, não será possível ser feita com apenas NCz$ 200,00. Mais ridículo, ainda, foi o auxílio federal: um conhecido deputado propôs uma verba de NCz$ 20,00 - que nunca foi recebida. Em compensação, já por duas vezes vieram malcriadas cartas do Tribunal de Contas da União exigindo "prestação de contas da verba recebida". - "Que verba, se nunca a recebemos?" - pergunta o professor e médico Rozala Garzuze, presidente do Instituto Neo-Pitagórico por vontade expressa do seu idealizador e fundador, Dario Vellozo, desde a sua morte, em 28 de setembro de 1937. Uma situação surrealista - que seria cômica se não fosse trágica - e que demonstra, mais uma vez, como eventuais donos do poder aproveitam como mídia situações dramáticas e fazem promessas que jamais cumprem. Guardião do templo, como é chamado afetuosamente por seus amigos e discípulos, Rozala Garzuze, professor aposentado do Estado e da Universidade Federal do Paraná, evita extravasar suas queixas e mágoas. Não esconde, entretanto, a tristeza de que um patrimônio que o professor, escritor, poeta e filósofo Dario Vellozo (1869-1937) idealizou, há exatamente 80 anos - a inauguração do Instituto Neo-Pitagórico ocorreu no dia 26 de novembro de 1909 - seja esquecida em termos oficiais. Se não fosse o idealismo e entusiasmo de Rozala e mais alguns seguidores de Dario Vellozo, o Instituto "Inspirado nos Versos de Ouro de Pitágoras, para a Cultura, para a Verdade, para a Justiça, para a Liberdade, para a Paz, para a Fraternidade e para a Harmonia" - como consta de seus estatutos - teria morrido há mais de 50 anos, junto com o seu fundador. xxx Professor brilhante, que dedicou toda sua vida ao magistério e a suas idéias - corajosamente anticlerical numa época de grande poder da Igreja, Dario Vellozo criou o Instituto estimulado pelos seus discípulos no Instituto Paranaense e outros estabelecimentos de ensino nos quais trabalhou por tantos anos. Mestre de histórias (e, também, pedagogia), Vellozo era um professor que entusiasmava seus alunos, que não admitiam, encerrada a fase em que com ele tinham aulas, não receber mais seus ensinamentos. Nasceu assim a disposição de criar uma "frateria destinada ao estudo, ao desenvolvimento das faculdades superiores do Ser", que não reconhecendo distinções de raça, nacionalidade, fortuna e posição social, nem de credo religioso, filosófico ou político, teve por princípios fundamentais a Amizade (por base), o Estudo (por norma) e o Altruísmo (por fim). Com recursos próprios, economias de seus suados proventos de professor de 2º grau, Dario Vellozo adquiriu um quarteirão no então distantíssimo bairro do Portão - hoje Vila Isabel - que doaria para o Instituto Neo-Pitagórico, embora reservando-se o usufruto de um espaço para sua residência. Ali, em 22 de novembro de 1918, foi inaugurado o Templo das Musas, construído sob orientação de um arquiteto e poeta nordestino, Mariano Alves de Farias, que fugindo de perseguições políticas no Maranhão, veio para Curitiba no início do século e aqui se identificou com o pensamento e as idéias do professor Vellozo. xxx Ao longo de seus 80 anos de existência - e a efeméride mereceria todo um ciclo de eventos especiais - o Instituto Neo-Pitagórico agrupou intelectuais, pensadores e mesmo pessoas simples mas que, respeitosamente, nas reuniões ali realizadas - geralmente aos domingos à tarde - procuraram entender melhor as bases fundamentais que o fundador da instituição cunhou - e que o professor Rosala Garzuze repete: "1) Rebuscar as normas da Harmonia Cósmica; 2) Realizar a Arte (Idealismo); e a Ciência (Verdade); desvendar o Mistério; 3) Respeito mútuo - Liberdade absoluta - Fraternidade incorruptível". Apesar de sua bucólica simplicidade, no meio de uma área verde (há anos tombada pelo Patrimônio Histórico), o Templo das Musas tem sido visitado por pessoas de vários países. Por muitos anos, um humanista e pensador cujos ideais se identificavam com a filosofia de Dario Vellozo, o médico e líder kardecista argentino Luiz Chrisostomo de Postiglione (1895-1979), ao lado de José A. Sotto Mendes (1880-1971), manteve uma instituição com os mesmos ideais em Buenos Aires. Sócios correspondentes em outras partes do mundo, aproximados pelos profundos ideais de paz e fraternidade dos Neo-Pitagóricos, tornaram possível uma internacionalização do movimento. Intelectual e escritor respeitado, editor da revista do Clube Curitibano em sua fase mais densamente literária (seu pai, Ciro Vellozo, foi presidente daquele clube), a obra deixada por Dario, reeditada em cinco volumes, em 1969, quando do centenário de seu nascimento, já mereceu estudos de profundidade, a partir das pesquisas da professora Cassiana Lícia de Lacerda Carollo. Paulo Leminski (1945-1989), que desde sua adolescência intelectual era um freqüentador da biblioteca do Instituto, levou poetas concretistas, como Décio Pignatari - entre outros - que passaram horas deslumbrados com as preciosidades literárias que ali existiam. Hoje, o espaço que durante quase 80 anos foi ocupado por obras únicas, abriga poucas coleções - como a dos Prêmios Nobel de Literatura ou um Dicionário Enciclopédico da Sabedoria - salvas do incêndio de dois anos passados, porque se encontravam num anexo do templo. xxx Reconstruído exclusivamente graças aos esforços de seus associados - sem nenhum centavo da (alardeada e prometida) ajuda oficial, o Templo das Musas continua como um espaço especial para quem acredita na verdadeira compreensão entre os homens. Pode não ter muitos freqüentadores, a média de idade dos associados passa dos 60 anos - mas há, nesta frateria, aquilo que tanto falta neste nosso mundo de competições e cafajestices: a Amizade por base, o Estudo por norma e o Altruísmo por fim. LEGENDA FOTO - Rozala Garzuze, guardião do Templo das Musas deste 1937.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/07/1989
Visitei o Templo das Musas numa terça-feira (19/01/2010). Senti no silêncio profundo que reina em seu interior a presença daqueles que por ali passaram e o ecoar de suas reflexões em busca da Verdade.

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