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Wilson, um inédito que já era editado

O jornalista e escritor Wilson Bueno, 30 anos (editor do jornal Curitiba Shopping e colaborador de várias publicações daqui e de fora) teve uma curiosa surpresa, dia desses, - quando recebeu, pelo correio, através de uma amiga carioca, o livro intitulado "Cacos II" (que, inclusive, tem a capa de cabeça pra baixo) e viu ali publicados dois contos seus ("O Meu Namorado" e "Olhos D'Água") ao lado, entre outros, de Mário Prata, Tárik de Souza, Benício Medeiros, Tânia Pacheco e Glauco Mattoso. Publicada pela editora alternativa "Edições Preto no Branco", a antologia reúne vinte autores que poderiam ser chamados de novos, não fosse a limitação do qualificativo - pois para só citar Glauco Mattoso, este possui uma grande e conhecida obra. E, se nem todos são novos, pelo menos um ponto é comum a todos os componentes da obra: a busca de uma solução para o impasse editorial brasileiro, tentando ocupar um novo espaço, nanico mas rigorosamente independente, através do autofinanciamento da publicação pelos seus próprios autores. "Cacos II" foi editado em 1978, numa tiragem de mil exemplares, que segundo informações só agora recebida por Wilson Bueno, colocado nas livrarias de Ipanema (a famosa "Muro", entre elas), já está praticamente esgotado. A surpresa do jornalista paranaense deveu-se justamente a isto, pois há dois anos residindo em Curitiba perdera de vista os líderes do grupo - Lilian Newlands, um deles, ex-diretora do suplemento "Domingo", do Jornal do Brasil - assim como a esperança de que o projeto tivesse dado resultados. E como se isto não bastasse, Bueno não tivera nem mesmo a oportunidade de contribuir com sua cota financeira para o empreendimento. Com o livro, veio, também, algumas poucas mas esclarecedoras notícias: o grupo resolvera incluir os trabalhos do escritor, não localizado então no Rio, arcando cada um dos participantes com um pequeno aumento em suas respectivas cotas para o autofinanciamento da publicação. Dado como inlocalizável, Bueno, como ele próprio situa apenas se "auto-exilara" na Vila Tingui, permanecendo naquele bairro de nossa cidade, durante quase um ano, período em que de lá raríssimamente saiu, sequer para uma visita ao centro da cidade, no que qualifica de "um [doloroso] processo de auto-avaliação, balanço e balancete de tudo". O volume, de duzentas páginas, com uma introdução sugestivamente chamada "Era uma vez um prefácio" revela, melhor do que a Bueno é possível, as intenções da editora e do próprio livro: "Edições Preto no Branco". Sem dono, sem patente sem teto. Só pessoas. Elas ainda são a coisa mais importante nessa vida. Depois da impressão, composição, arte-final, depois da rotativa e outras máquinas complicadas, a sensação do irreversível. Não se pode mais voltar atrás. Palavras podem ser negadas. Escritos, nunca. O que temos a dizer está aí. Estamos nos expondo. Não é fácil. Edições Preto no Branco. Não é movimento, não é escola, não é grupo fechado. (...) Nestas páginas, nossos trabalhos, nossas emoções. Um trabalho exaustivo. Uno e solidário. Não chamamos ninguém famoso para fazer um prefácio especial. Por uma razão muito simples. Quem tem de fazer as coisas agora somos nós". A ironia de tudo fica ainda mais evidente, quando Wilson Bueno julgava-se orgulhosamente inédito em livro, sem saber que há dois anos, andava exposto e público, num livro bem aceito pela fauna ipanemense, mas que traz uma epígrafe do escritor uruguaio Eduardo Galeano bastante esclarecedora, principalmente para Bueno, assíduo colaborador de nossa imprensa: "O jornalismo não pode ser subestimado como se fosse uma escola subalterna da literatura. O alcance de um artigo é muito maior do que o alcance de um livro". O que deixa Galeano coberto de razões: no caso de Bueno, nem ele mesmo, um dos integrantes de "Cacos II" tivera, até agora, o prazer de, como leitor, ler a si próprio e aos outros integrantes do livro. E o que é pior: acreditando no ineditismo dos contos incluídos em "Cacos II", com eles participou de, pelo menos dois concursos literários, não se classificando em nenhum - felizmente, neste caso.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
6
19/01/1980

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