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Aramis

Alvorada Nativista (XII) Quero-Quero, o canto pela maior identidade

Localizada na chamada região missioneira, distante apenas 96 km das ruínas de São Miguel, que foi a catedral dos Sete Povos das Missões, seria de se imaginar que o Musicanto - Sul-Americano de Nativismo, em Santa Rosa teria participação dos chamados "cantores misseoneros". Entretanto, os dois nomes mais famosos dessa linha - Noel Guarany e Cemair Maicá - não apareceram. Guarany, gaúcho de São Luiz Gonzaga, é a personalidade musical mais polêmica do Rio Grande do Sul. Espírito extremamente violento, já brigou, fisicamente, em dezenas de ocasiões, faz ameaças e tumultua qualquer ambiente. O nome de Noel aparece com mais constância nas páginas policiais do que na coluna que Juarez Fonseca edita sobre música na "Zero Hora". Já Cemair Maicá, 41 anos, de Santo Ângelo, com três elepês gravados, viveu alguns anos em Missiones, Argentina, fugindo de um crime que cometeu em São Luiz Gonzaga. Quando retornou, começou a divulgar uma canção dita misseonera, que atribuiria como característica da região dos Sete Povos. Antonio Fagundes, folclorista dos mais sérios, não aceita essa colocação: - "O Guarany canta a música que, acha ele, deveria ser a desta região. Mas não é. É como um bigode postiço no rosto de um ator: a música que ele interpreta é argentina, da Misseones; não do lado brasileiro". Idêntica opinião é de Gilverto Carvalho, 35 anos, poeta e animador cultura. Sem negar o talento de Noel Guarany, ele vê suas músicas como reflexos daquilo que aprendeu na Argentina, onde viveu muitos anos. Da mesma forma como o hoje extinto grupo Os Tapes, absorveu uma informação da música do altiplano argentino, trazida por Martin Coplas, e passou a apresentar como típica do Rio Grande do SUL: - "Os Tapes obtiveram espaço e confundiram muita gente". O grupo chegou a gravar três elepês e fazer apresentações em vários Estados inclusive em Curitiba, exibindo-se no Teatro do Sesi, há três anos. xxx Os disco de Noel Guarany e Cemair Maicá são encontrados em poucas lojas. E dentro do movimento nativista, a chamada música misseonera é vista com reservas e mesma críticas, sem, porém, que se negue os talentos desses dois gaúchos. Glênio Fagundes, outro folclorista feroz, em termos de "patrulhamento" e que normalmente se apresenta no luxuoso hotel Laje de Pedra, em Canela, não inclui a música misseonera no estudo que fez a respeito para a edição de março da revista "Nativismo", Fagundes, amigo pessoal de Péricles de Freitas Drucker, presidente do grupo Habitasul (que é também um entusiasta trovador), planeja uma fundação de cultura gaúcha. Em sua opinião, o atual período musical que atravessa a música é aquele que poderia ser chamado de "Conscientização". Diz ele: - "Aqueles que reúnem maior conhecimento de nossa cultura devem voltar-se para as manifestações puras. As chamadas "projeções" musicais, quase sempre, não passam de caricaturas, que deixam muito a desejar, pela ausência de maior intimidade com a filosofia gaúcha". xxx Uma das mais sinceras contribuições para divulgar, maciçamente, a cultura nativista, vem sendo desenvolvida, há quatro anos, com imensos sacrifícios, pelo Projeto Quero-Quero. Sem qualquer ajuda oficial e mesmo da iniciativa privada, sacrificando recursos pessoais, Gilberto Carvalho, ex-estudante de Arquitetura, bom poeta, com três livro publicados, estruturou, em 1980, com Edson Otto (diretor do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore) e Luiz Hyarup, um projeto para fornecer um programa semanal de nativismo às rádios do Estado. Começou atendendo 44 rádios e hoje atinge a 102 emissoras, 16 das quais FMs. O programa, de 55 minutos, reúne música, informações históricas, causos etc., nas vozes dos melhores locutores. É gravado em bons estúdios (agora, Gilberto está ampliando sua unidade para torná-la volante e poder fazer gravações ao vivo dos festivais). Entretanto, apesar do mercado existente, até agora ainda não houve um patrocinador que se sensibilizasse por essa iniciativa, que tem, como filosofia estrutural a de levar a todo o Estado (e mesmo a outros, onde há maciça presença dos gaúchos) sua linguagem, permitindo que ele não apenas se identifique de imediato com o conteúdo do programa, como, também, obtenha deste novos conhecimentos a respeito do chamado universo cultural riograndense. "Assim - diz Gilberto - nestes quatro anos, as retribuições não cessam, à medida que cartas, telefonemas e o reconhecimento chega até nós, como um laurel que nos enche de satisfação". xxx Em Porto Alegre ou nas menores cidades gaúchas, dia-a-dia urbano ou na liberdade dos imensos espaços dos pampas, que Atahualpa Yupanqui, há 4 anos passados, em Uruguaiana, definiu o Nativismo, como "o Céu ao contrário" - o nativismo que se impõe como o grande movimento cultural do Rio Grande do Sul nesta década. As dezenas de festivais, as centenas de discos e livros documentando e preservando essa cultura - os reflexos que chegam ao artesanato, ao comércio, à indústria, sem contar já projetos na área do teatro e cinema - fazem com que se deva observar o que acontece, hoje, no Rio Grande do Sul, como a retomada de valores autênticos. Como os gaúchos se espalham por todo o Brasil - e, no Paraná, sua presença é das mais significativas, especialmente no Oeste e Sudoeste, é de se esperar que os CTGs, sociedades locais e mesmo esforços isolados ou comunitários, façam com que o Nativismo não fique ilhado apenas naquele Estado, mas integre, realmente, as culturas do Cone Sul.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
01/11/1984

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