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O Canto dos Pampas (VII) - A beleza do Nativismo no melhor do Musicanto

Em apenas duas edições o Musicanto - Festival Sul-Americano de Nativismo - realizado em Santa Rosa, conseguiu não só ombrear-se ao mais tradicional festival do Rio Grande do Sul - o Califórnia, de Uruguaiana, já em sua 14ª edição (realizada em dezembro último), como, em termos de premiação, oferecer o mais alto valor de todos os festivais realizados até agora no Brasil: um ford Del Rey zero quilômetro ao autor da música premiada em primeiro lugar. Um festival admiravelmente bem organizado, em cidade das mais desenvolvidas do Sul e que é totalmente bancado pela iniciativa privada, cabendo a Prefeitura, através de sua atuante secretaria de turismo e esportes, ocupada pelo compositor e acordeonista Luís Carlos Borges, a organização do evento. E como todos os festivais nativistas que se realizam no Rio Grande do Sul (e já passam de 40, embora nem todos com a periodicidade desejada), as 12 finalistas do IIº Musicanto estão num belíssimo elepê, produzido por este incansável animador cultural e divulgador da música gaúcha que é Ayrton dos Anjos, hoje trabalhando junto a Sigla/RBS, que tem como executivo territorial o atuante e simpático Dárcio da Silva Castro. Ouvindo-se agora o disco com as finalistas do Musicanto, da segunda edição, nós que tivemos a alegria de assistir ao vivo a este festival nativista, em outubro do ano passado, podemos sentir, ainda com mais profundidade, a beleza das músicas concorrentes - o que tornou bastante difícil o trabalho da comissão julgadora, que acabou dando o primeiro lugar ao emotivo "Canto da Mulher Prometida" (Dilan Camargo/Celso Bastos), defendido por uma das mais suaves vozes que já ouvimos - e que merece encontrar espaço nacional: Elaine Geissler. Dentro da música nativista, na qual ainda predomina um certo machismo (exemplo disto é a agressiva "Morecha", de Mauro e Roberto Ferreira, segunda classificada na 4ª Coxilha Nativista, em Cruz Alta, no ano passado), "Canto da Mulher Prometida" é um belo poema da mulher campesina aguardando o seu homem, falando com amor e desejo ("Vem, lavrador, e de afunda/Cheio de amor, tão somente/Terra fértil e fecunda/Meu corpo pede semente"). Valorizada por um belíssimo arranjo de Pery Souza (talentoso compositor e intérprete, cujo primeiro elepê acaba de sair também pela Sigla/RBS), o "Canto da Mulher Prometida" trouxe a participação de dois flautistas - Márcio Tubino e, especialmente, Pedrinho Figueiredo, este, por sinal, premiado com o troféu de melhor instrumentista. "Pilão, uma letra das mais felizes de José Retamozzo (vencedor de vários festivais nativistas) para a forte música de Ewerton dos Anjos Ferreira, defendida por Eracy Roch, foi a segunda classificada. Em terceiro lugar ficou a impressionante "Cântico Brasileiro nº3", de Maria Rita Stumpf, compositora, violinista e intérprete que, em novembro de 1984, poucas semanas após o Musicanto, fez uma temporada no auditório Salvador de Ferrante, num espetáculo dividido com o grupo teatral Filhos da Luz. Uma das mais atuantes artistas gaúchas, ex-dirigente da Associação dos Profissionais de Espetáculo, Rita está agora no Rio de Janeiro, estudando música com Luisinho Eça que, entusiasmado com seu talento, a aceitou como bolsista. A obra de Rita, 23 anos, é densa e brasileiríssima. Este seu "Canto Brasileiro nº3", por exemplo, faz parte de uma série de cantos indígenas, voltados a temática ecológica e na qual utiliza com rara felicidade, a percussão, numa participação especial de Zé Caradípia, o gaúcho autor de "Asa Morena" que Zizi Possi colocou nas paradas nacionais há três anos e que além de compositor é dono de voz personalíssima. "Vire o Mate", comunicativa composição do uruguaio Manuel Oribe Fernandes Alves, defendida pelo esfuziante Manolo, ganhou o troféu de canção mais popular, tem a dimensão daquelas canções de grande popularidade. Victor Hugo Alves da Silva (Taquara, RGS, 14/12/1961), uma das mais belas vozes da nova geração de intérpretes gaúchos - e que também está na lista dos que deverão gravar pela Sigla/RBS - foi escolhido melhor cantor, por sua densa interpretação de "Combatentes", de Dilan Camargo/Celso Bastos - os mesmos autores da música vencedora do Musicanto. O grupo Caverá, já com dois elepês gravados - e um dos mais harmoniosos conjuntos vocais da atualidade, com condições de se projetar nacionalmente - defendeu a belíssima parceria do poeta gaúcho Luiz Coronel com o paulista Renato Teixeira intitulada "O Campeador e o Vento". Outro excelente grupo vocal gaúcho, o Canto Livre, já com um elepê gravado - lançado originalmente como produção independente e, posteriormente, relançado pela Continental - ganhou o prêmio de melhor conjunto vocal apesar de não ter conseguido classificar a música que defendeu. "Canto da Mulher Prometida" além do troféu Musicanto, valeu ainda duas outras premiações: melhor arranjo (Pery Souza) e intérprete feminina - Elaine Geissler, que também no ano passado gravou num elepê independente, infelizmente sem divulgação fora de Porto Alegre, aquela foi, em nosso entender uma das 10 melhores músicas do ano: "Horizontes", tema de peça "Bailei na Curva". Mas o II Musicanto Sul-Americano de nativismo trouxe outros belos exemplos da melhor música que se faz no Rio Grande do Sul: o alegre chotis "Ave Matreira" de Jerônimo Jardim (infelizmente sem ter merecido premiação); o profundo "Grito da Terra" de Ricardo Pereira; ou ufanista "Gaúcho-Bronze" do poeta Aparício Silva Rillo, de Bagé (autor de vários livros de poemas e "causos") em parceria com Mário Barbará - este um dos mais constantes concorrentes (e vencedores) dos festivais nativistas. Provando que o machismo já não é tanto na música gaúcha, outras belas vozes femininas estiveram em Santa Rosa e estão agora registrados no elepê: Cláudia cantando "Alquimia" (Marô Silva/Sérgio Jacaré/Vinícius Brun) e Glória Pereira em "Irineu" (Ira, Razão, Fé e Companhia) (Robson Barenho/Talo Pereyra). Colmar Duarte, idealizador da Califórnia da Canção em 1971 - e seu dirigente por vários anos - também foi concorrer em Santa Rosa: em parceria com Sérgio Rojas, inscreveu "Cheias", que defendido por Ivo Fraga ficou entre as 12 finalistas. O nativismo é um fenômeno cultural que merece longas interpretações. E a música nativista do Rio Grande do Sul é bela e profunda. Fala dos grandes valores - a amizade, o amor, a ecologia e tem autores e intérpretes da maior força. Este disco do Musicanto é uma prova da validade desta promoção que, esperamos, o prefeito Friderichs e o compositor Luís Carlos Borges, garantam a continuidade em outubro próximo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
31
31/03/1985

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