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Aramis

Os bons cajus de Peter para internacionalizar nosso som

Mesmo sem qualquer promoção - ao contrário, não constou nem sequer do boletim informativo editado pela Fundação Teatro Guaíra - a participação do violonista Turíbio Santos como solista da Orquestra Sinfônica do Paraná, na última segunda-feira, teve um público interessado e participativo, que aplaudiu delirantemente o maior intérprete da obra violonística de Villa-Lobos - cujo museu, no Rio de Janeiro, dirige com a maior eficiência há quase cinco anos. Em todas as cidades em que Turíbio, 47 anos, se apresenta sempre encontra platéias fascinadas. No Exterior (durante anos residindo na França), também tem um bom público, embora, nos últimos anos, tenha se fixado mais no Brasil. Como Turíbio - um dos maiores virtuoses do violão (acaba de gravar dois CDs, até agora só editados na França pela Globo Records), e pelo menos meia dúzia de outros brasileiros tem também hoje garantidas audiências internacionais. Seja na área erudita, como os irmãos Assad (vários CDs gravados nos EUA, infelizmente desconhecidos no Brasil), Antônio Carlos Barbosa Lima - ou na área popular - Baden Powell, Sebastião Tapajós, entre outros. O violão tem um público em ascensão - e especialmente continua atraindo cada vez mais os jovens. Prova disto é que enfrentando uma série de dificuldades, a curitibana Olenka Braga, há 7 anos, edita uma revista especializada para os estudantes de violão - "Coro de Cordas", com uma tiragem que chega aos 30 mil exemplares em escala nacional. Portanto, não é de estranhar que uma temporada como a de Paco de Lucia, considerado o mais expressivo artista vivo do Flamenco - música típica da Andaluzia, Sul da Espanha - tenha também lotado todos os teatros em que se apresentou recentemente. Simultaneamente a temporada, a Polygram lançou o seu elepê "Zyryab" - após uma reclusão fonográfica de três anos. Aos 43 anos, 30 de carreira, começou a tocar com 7 anos de idade e os primeiros passos foram ensinados pelo pai e irmão mais velho, Paco de Lucia explorou as possibilidades de uma fusão de sua música com o jazz de Al Di Meola e John McLoughlin como forma de ampliar seus conhecimentos (juntos fizeram "Fridey Night in San Francisco", mais de um milhão de cópias vendidas) e com o tecladista Chick fez "Almonte", uma das faixas deste seu novo elepê, onde homenageia o músico de jazz em outra faixa. Todas as músicas são de sua autoria, embora "Compadres" tenha a parceria de Manolo Sanlucar. "Tio Sabas", em estilo de tarantas, é uma homenagem póstuma ao compositor e violonista Sabinas - um dos maiores nomes do flamenco - que ele conheceu em sua adolescência. Outra faixa marcante é "Playa del Carmen". Em sua excursão ao Brasil, Paco trouxe dois outros notáveis executantes de flamenco, os guitarristas José Maria Bandera e Juan Manuel Canizeras. No elepê, divide "Compadres" com outra marcante revelação do novo flamenco, Manolo Salucar. Gosto de Brasil - Peter Klein é daqueles brasileiros que embora nascidos na Europa (no caso, na Alemanha), tem a alma mais verde-amarela do que muitos nativos. Vindo para o Brasil para dirigir multinacionais fonográficas (Ariola, BMG), acabou desligando-se destes grupos internacionais mas não do amor pela música - virtude que falta a tantos frios executivos da fonografia. Assim, há alguns meses, Klein criou uma etiqueta - a Caju Music - voltada basicamente para a melhor música instrumental. Assim, com novas produções - ou relançando excelentes discos que passaram praticamente desapercebidos, Klein começou com o pé direito, com 11 álbuns classe A, cuja caminhada internacional estará negociando na próxima edição do MIDEM, em Cannes, "quando vou tentar colocar meus cajus no mercado" - como diz, bem humorado. Além da produção de um novo álbum de Baden Powell - gravado ao vivo no Rio Jazz Club, em maio/90 - Klein acaba de produzir um álbum histórico, reunindo o virtuosismo do jovem Rafael Rabello, 27 anos, com o mestre Dino (Horondino José da Silva, Rio de Janeiro, 05/08/1918), 50 anos de carreira, histórico integrante do grupo Época de Ouro, participação em dezenas de elepês, mas que nunca havia feito um disco como solista - o que aconteceu agora (o lançamento, em CD, deverá acontecer no primeiro trimestre de 1991). Falar de Baden Powell é retundância. Como diz seu amigo Hermínio Bello de Carvalho na contracapa de "Baden Powell Live at the Rio Jazz Club", "Alquimista feiticeiro, espécie de arcanjo endemoniado, Baden em seu turíbulo de prata mistura mirra e incenso e arpejos e escalas e acordes e avoa por aí espargindo essa alquimia de sons e luzes e cores, inventando melodias que vai tecendo, rendeiro, com as seis mil cordas de seu violão, cheio de páguas e mágicas". Assim, com seus tantos temas - muitos caminhados com o parceiro Vinícius ("Valsa de Eurídice", "Formosa", "Samba em Prelúdio"), outros de sacerdotes-mor como Pixinguinha ("Naquele Tempo", "Rosa"), Garoto ("Gente Humilde"), Tom ("Samba do Avião"), Caymmi ("Rosas de Abril", "Dora"), João Pernambuco ("Jongo"), Luiz Gonzaga ("Asa Branca"), temos um álbum que, sem pretender inovar, é o que é: antológico. "Luá Joá", reunindo outro mago das cordas, Sebastião Tapajós, paranaense de Santarém e Maurício Einhorn, carioca de Copacabana, mágico executante de harmônica de boca. Assim como havia feito há quase 20 anos, ao dividir um elepê com Baden, Maurício mostra todo seu virtuosismo ao gravar com Sebastião cinco temas curtos e uma obra que há muitos anos vinha desafiando-o como compositor: a amorosa "Suite pra Detinha", que com 18'33", ocupa o lado dois deste disco, com um conteúdo essencialmente rítmico, dispensando a bateria cuja ausência não é notada, pois com o excelente Arismar do Espírito Santo, no baixo, tem nos três os efeitos percussivos, num "resultado inegavelmente belo pois confere às execuções a intimidade da música de câmara", diz, na contracapa, o sábio Maurício Quadrio. Identificado como cantor e, especialmente, compositor - cujos 10 anos de ligação afetiva e poética com Vinícius de Moraes o identificarão sempre como o nome maior da poesia da MPB, Toquinho (Antônio Pecci Filho, São Paulo, 06/07/1946) é, também, um excelente violonista. Apesar de realizado como compositor e cantor, desfrutando hoje de uma sólida posição - que o faz ter agenda lotada e discos de sucesso, Toquinho não para de estudar e, sempre que faz um espetáculo, inclui um ou dois números instrumentais. Há alguns anos gravou um elepê instrumental, que agora, com nova capa de Elifas Andreato, é incluído no suplemento da Caju com vistas ao mercado internacional. Como no álbum de Baden, o fato do repertório ser conhecido - com standards que tiveram já dezenas de gravações - não tira o interesse por este álbum, no qual, com sua alma eclética, transpõe para o violão os vários sotaques da rua brasileira, como diz seu amigo Celso Adolpho na contracapa: "Palpitam no bojo de seu instrumento, choro, samba, baião e outras bossas, das novas às ancestrais". Entre os temas, dois instrumentais menos divulgados, "Misturando Idiomas" e "Hotel de la Ville", além da homenagem que ele e Vinícius fizeram a Paulinho Nogueira, seu primeiro mestre de violão, com a participação do próprio - o "Choro Chorado pra Paulinho Nogueira". Um belíssimo elepê. Não poderia haver melhor título: "Gosto de Brasil". Quando a SBK, uma editora musical que eventualmente faz edições fonográficas, lançou este álbum reunindo o violonista Nonato Luiz, o percussionista Djalma Corrêa e o baixista Luiz Alves, aqui o saudamos com entusiasmo. Infelizmente, o disco teve distribuição precária, o que torna seu reaparecimento, agora pela Caju - com Klein, simpaticamente, sabendo valorizar a área de promoção - com um lançamento. Produzido por Klein e Djalma Corrêa, este álbum tem muitas inovações. Abre com uma "Suíte Nordestina", homenageando Gonzaga / Humberto Teixeira nas duas primeiras faixas, seguida de dois temas de Nonato Luiz, cearense, esplêndido violonista: "Baião Cigano" e "Paraty". Nonato continua mostrando seu lado de compositor no outro lado com "Mangabeira" (com a participação nos vocais da bela Clarice Grova, uma das mais suaves vozes da noite carioca, há muito merecedora de um álbum solo) e "Xangô". Depois, vem "Serena" acoplado a parceria com Luiz Paiva ("Minha Esperança") e duas novas composições: "Choro Acadêmico" (neste, como em "Baião Cigano", participação afetiva de Mauro Senise na flauta) e "Rubi Grená". "Disparada" (Theo de Barros / Geraldo Vandré) e "Maria Bonita" (D.P.) encerram este álbum esplêndido, indispensável a quem sabe apreciar a melhor música instrumental. LEGENDA FOTO - Paco de Lucia: uma vez flamenco, sempre flamenco - o belo som que vem da Espanha num elepê da Polygram.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
16/12/1990

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