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Rouanet, o senhor embaixador, ilumina as esperanças para o cinema brasileiro

Tablóide - Embaixador Rouanet, após os diálogos com a comunidade cinematográfica, durante os festivais de Brasília e Gramado, mais as reuniões específicas com categorias, quais as conseqüências práticas desta ponte lançada para o entendimento entre os produtores culturais? Rouanet - Desde que assumi, em 10 de março, tenho procurado antes de tudo ouvir os diferentes setores. Minha preocupação é estabelecer o entendimento, encontrar fórmulas para atender aspirações dentro do possível. Assim o Programa Nacional de Financiamento da Cultura foi pensado não apenas para um ou outro setor - o que seria injusto - mas para atender todas as áreas criativas. Evidentemente que o cinema ao contrário da literatura e mesmo das artes plásticas - pela carga de investimentos que exige, tem que ter uma apreciação diferenciada. Assim, a lei 205, que o meu antecessor (NC: Ipojuca Pontes, que deixou o cargo em 8 de março) havia encaminhado ao Congresso, propondo uma política para a produção audiovisual, deve sofrer emendas, que poderão modificá-la, para melhor. Tablóide - Como seriam feitas tais mudanças? Rouanet - Venho me empenhando que as categorias se organizem em grupos, comitês, comissões, etc., para autodefinirem suas aspirações e interesses. Sou contra a imposição de leis e decretos que venham de cima para baixo, justamente quando atingem áreas da criação ou mesmo de comercialização. Assim, nos inúmeros encontros que venho tendo com representantes de realizadores, distribuidores, exibidores, etc., proponho sempre que haja uma auto-regulamentação, propostas que nasçam de um conjunto de interesses - capaz de satisfazer os múltiplos interesses. Tablóide - Mas o Sr. não acha difícil que posições muitas vezes conflitantes possam, de um momento para outro, ajustarem interesse que, ao menos no cinema, são objetos de conflitos? Por exemplo: exibidores queixam-se de que os filmes nacionais não dão renda que justifique a manutenção em cartaz - como foi o caso de "Stelinha", que ficou apenas uma semana no Rio de Janeiro: já os realizadores e produtores de filmes tem os exibidores como inimigos, sem falar nas pressões das grandes empresas (majors) americanos? Rouanet - Realmente existem conflitos mas, felizmente, tenho encontrado boa vontade e um interesse de lideranças em encontrarem soluções. Harry Stone, que há mais de 30 anos é visto como "o maior inimigo do cinema brasileiro", como representante no Brasil da poderosa Motion Pictures - que defende os interesses das majors - esteve comigo e manifestou interesse em advogar junto aos executivos das multinacionais do cinema muitas reivindicações que lhe parecem justas. Os produtores, como os liderados por Aníbal Massaini Neto, presidente do sindicato em São Paulo, também se organizaram em grupos de trabalho para oferecer contribuições à legislação. Os cineastas, através de seus mais lúcidos representantes, têm dado grande contribuição e mesmo os exibidores participam de um comitê que analisa o lado da comercialização do cinema... Tablóide - Mas a reunião que os exibidores teriam em Gramado acabou não acontecendo? Rouanet - Sim, infelizmente o encontro que os exibidores ali teriam, não aconteceu (NC: embora convidados, uma dezena de exibidores, inclusive Arnaldo Zonari Filho, dono da Vitória Cinematográfica, de Curitiba, não estiveram, pois a chegada a São Paulo do presidente da 20th Century Fox, atraiu-os mais do que o encontro de Gramado). Entretanto estive reunido com um grande exibidor do Sul, Mário Luís Santos, que me ofereceu informações impressionantes sobre a pressão que as distribuidoras americanas exercem sobre os cinemas, o que explica, aliás a redução preocupante das salas. É algo sério, que precisa acabar. Tablóide - Mesmo com todo o diálogo e entendimento, o Embaixador acredita que neste momento em que o cinema brasileiro está ausente das salas e que o vídeo ocupou espaços imensos e somente superproduções com esquemas fantásticos de promoção conseguem boas bilheterias, os filmes brasileiros, inclusive curtas, serão programados sem uma legislação protetora? Rouanet - Realmente, só com uma estratégia competente e bons filmes é que poderemos competir num mercado tão difícil. Por isto não afasto - ao contrário, acho que será necessário - o retorno da lei de obrigatoriedade de exibição dos filmes nacionais (que chegou a reservar até 150 dias/ano para filmes brasileiros) e também o que inclui obrigatoriamente os curtas nas programações de filmes estrangeiros. Entretanto, nisto vejo a importância de uma ressalva: terão que ser medidas provisórias com datas fixadas - dois; três ou quatro anos - para que, neste período, se prove a competência dos realizadores em conquistar o público. Só na base da lei, da reserva do mercado - sem uma conquista de público, a medida será antidemocrática e de nada adiantará. Tablóide - Mas há também outras formas que podem estimular o retorno do público ao cinema, conforme foram levantadas no encontro que o Sr. Teve (sábado, 10) com diretores, produtores, artistas, etc., no auditório do Serrano Centro de Convenções? Rouanet - Há muitas sugestões, algumas interessantes. Além de conquista de espaço na mídia, campanhas promocionais, me pareceu oportuna a idéia de Roberto Farias (NC: ex-presidente da Embrafilme na administração Ney Braga como Ministro da Educação e Cultura; realizador de 13 longa-metragens e pai de Mauro Farias, 34, diretor de "Não Quero Falar Sobre Isto Agora", vencedor em Gramado neste ano). Tablóide - O que é que propõe Roberto Farias? Rouanet - Com sua experiência de diretor, produtor, ex-presidente da Embrafilme e que vem tentando um equacionamento da questão cinematográfica em termos continentais - já que os problemas das cinematografias de outros países da América são comuns (Venezuela, Colômbia, Argentina, Chile e mesmo México) há todo um conjunto de medidas que podem ser tomadas. Em termos internos, para estimular a freqüência ao filme brasileiro, uma boa idéia me parece o Vale-Cinema, que a exemplo da Vale Transporte, Vale-Creche, Vale-Refeição, permitirá ao empresariado ajudar a lotar os cinemas em que estivesse sendo apresentado filmes brasileiros, com estímulos sobre o que viessem a despender neste projeto. Tablóide - Como a Lei Rouanet vai evitar os erros da Lei Sarney? Rouanet - Poderia repetir o que disse na quinta-feira, em Brasília (NC: especialmente, as declarações publicadas por Rui Nogueira, na "Folha de São Paulo"). A Lei Sarney se limitava a cadastrar as empresas e tudo o mais era livre. Por mais simpática que seja, na prática isso levou a uma série de distorções. Não estou nem falando em fraudes, porque todo mundo sabe o que houve. Estou me referindo a distorções como shows no Canecão e livros luxuosos de finalidade promocional, tudo feito com o dinheiro do Imposto de Renda. A nossa prioridade, então, não vai ser o cadastramento de empresas e sim a análise de qualidade dos projetos culturais. Um projeto de edição de uma enciclopédia, por exemplo, passará primeiro pela análise da Fundação Biblioteca Nacional. Dependendo do parecer dessa primeira instância, o projeto será avaliado por uma comissão ligada à Secretaria da Cultura e integrada por mim e pelos presidentes de entidades como o Instituto Brasileiro de Arte e Cultura, Casa Rui Barbosa, etc. Esta avaliação dos projetos torna o processo mais lento, mas acho que é necessário para evitar distorções. Tablóide - O projeto de lei do Programa Nacional de Financiamento da Cultura, ao estabelecer quatro mecanismos para captar e canalizar recursos para o setor cultural (Fundo Nacional da Cultura; Fundo de Incentivo Cultural à Arte (Ficarte); Carteira de Financiamento à Cultura e apoio ao Mecenato Privado), estabelece que o Ficarte volte-se a produções com retorno financeiro garantido, o que para muitos parece contraditório? Rouanet - Obviamente, há projetos e atividades que não oferecem retornos - e assim precisam financiamento total; outros, uma co-participação (como o cinema, por exemplo) e muitos em que há condições de rentabilidade. Acho que, pelo fato da lei de incentivos se afastar da ortodoxia neo-liberal, não precisa se afastar também tanto ao ponto de não deixar a Xuxa e os Trapalhões usar mecanismos do mercado. Afinal, eles também são seres humanos. Eles podem financiar um show sob forma de isenção, mas os lucros distribuídos a partir da renda do espetáculo não teriam qualquer tipo de isenção. O fundo enquanto pessoa jurídica, seria isento do Imposto de Renda para poder remunerar melhor os seus clientes. Tablóide - Na área do cinema, atualmente, a grande grita dos realizadores é em relação aos contratos que a extinta Embrafilme havia assinado nas suas últimas duas administrações para mais de 90 produções, muitas delas em convênio com estados e mesmo outros países. Como está a situação? Rouanet - O liquidante Antônio César Costa não pode ainda terminar com a Embrafilme justamente porque legalmente existe mais de uma centena de contratos a serem solucionados. A empresa dispõe de recursos - não sei exatamente, mas deve ultrapassar US$ 15 milhões - que poderiam garantir o cumprimento dos contratos. Só que há casos diferenciados, de filmes já iniciados e rodados - e que terão seu financiamento liberado, como é o caso das produções paulistas "Perfume de Gardênia" e "A Causa Secreta"; outros que estavam em fase de pré-produção, outros apenas em projeto. Em cada acordo, a ser negociado separadamente, se procurará a forma mais justa, abrindo mão as duas partes de disputas judiciais, para ser encontrado um possível entendimento. Tablóide - Existem alguns cineastas nervosos, desesperados pelo fato de terem já rodado seus filmes, assumido dívidas e estarem impossibilitados de fazerem finalização. Guilherme de Almeida Prado, que rodou "Perfume de Gardênia", chegou a levar as latas de copiões (embora tenha sido noticiado que eram os negativos) para jogar na mesa do Secretário da Cultura de São Paulo. Sérgio Bianchi, que é paranaense mas reside em São Paulo, também está disposto a tudo para conseguir os US$ 60 mil que a Embrafilme lhe deve e com os quais poderá concluir "A Causa Secreta", inspirado em conto de Machado de Assis, já filmado, com Renato Borghi, Ester Góes, Lígia Cortez, Rogéria e outros artistas. Como o Sr. vê estes casos? Rouanet - Tanto Guilherme como Bianchi estiveram na reunião de ontem (NC, sábado, 10), em Gramado, questionaram a respeito e eu lhe expliquei que o problema é administrativo. O que aconteceu foi que como havia recursos da Embrafilme, tão logo assumi eu procurei encaminhar o processo de liberação das cotas devidas pela Embrafilme aos filmes efetivamente rodados. Infelizmente, o conselho fiscal - integrado por três pessoas nomeadas pelo meu antecessor, entre os quais o Sr. Pedro Carlos Rovai - deu um parecer contrário, sugerindo que todos os recursos - que significa, como disse, ao redor de 15 milhões de dólares que a Embrafilme, tem depositado, em cruzeiros naturalmente, devem ser devolvidos ao Tesouro. Ou seja, com isto não haverá dinheiro para honrar qualquer compromisso. Esta atitude irracional por parte do conselho foi atribuída como uma espécie de "vingança" do Sr. Ipojuca Pontes, em relação aos seus ex-colegas - que tanto lhe criticaram. Afinal, o conselho fiscal seria manietado por Pontes, mas eu não acredito. Acho que ele agora está tranqüilo, feliz, em Buenos Aires, e não estaria interessado em continuar a prejudicar o cinema nacional. Tablóide - Mas o fato é que Bianchi, especialmente, está brabo, buscando uma solução para concluir seu filme? Rouanet - É, Bianchi é muito exaltado e tem feito dezenas de ligações para o meu gabinete e só não me acordou de madrugada porque ainda não conseguiu meu telefone particular. Mas ele tem o telefone da Tânia (Tânia Marotta, sua chefe-de-gabinete), que diariamente é chamada por Bianchi. Tânia Marotta - (chefe-de-gabinete de Rouanet, que o acompanhou ao Rio Grande do Sul) - O Sérgio me telefona tanto que já me acostumei. Ele insiste na liberação do dinheiro necessário, lembrando que está sem dinheiro para se manter, que os credores não lhe dão calma e que vai se suicidar. Tento lhe explicar que a solução não pode ser dada isoladamente, sem uma formalização legal do processo e a situação ficou realmente enrolada burocraticamente. Rouanet (brincando...) - É Tânia, você teria que encontrar uma forma alternativa para deixar o Sérgio Bianchi mais tranqüilo, até que os recursos sejam liberados, pois já ouvi boas referências aos seus filmes anteriores e acredito em seu talento. Tânia - Tenho procurado ser até psicóloga nos telefonemas, mas não sei se faço o seu tipo... Tablóide - Qual a força deste conselho nomeado pelo Ipojuca Pontes que está entravando as negociações? O Sr. vai admitir que Rovai e os outros dois integrantes continuem nesta posição contrária aos interesses dos realizadores? Rouanet - Embora possa demitir o conselho, estou procurando mostrar a eles que a solução tem que ser negociada. Mas como a culpa dos recursos tão ansiados por Bianchi, Almeida Prado e outros interessados estar retido devido ao conselho, já sugeri, publicamente, que eles passem a incomodar, inclusive telefonando-os noite a dentro, como tentam fazer comigo e com a Tânia, para o Rovai - que também já fez alguns filmes, que, me constam, deram muito dinheiro... Tablóide - Secretário Rouanet, para um diplomata de sua dimensão, com uma obra profunda, especialmente na filosofia, como está sendo esta experiência, em termos de vivência política-ideológica, de cobranças de suas posições? Rouanet - Sinceramente, só me senti patrulhado e quase que ofendido no início de julho, quando da reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Ali, fui acusado de ser um pensador que merecia a admiração de grande parte da intelectualidade, ter sido cotado "para colaborar com um governo de extrema direita". Achei ridícula esta acusação, pois mesmo os mais ferrenhos adversários do presidente Collor reconhecem a legitimidade de sua eleição e o clima de Democracia que vivemos. Mas entendi que a agressão não era pessoal ou por motivos ideológicos ou filosóficos. Na verdade, os professores reunidos na SBPPC faziam o mesmo que milhares de outros. Uma briga por questões de salários, levando-os a considerarem como inimigos qualquer representante do poder Executivo. LEGENDA FOTO 1 - Embaixador Sérgio Paulo Rouanet, desde março na Secretaria da Cultura da presidência da República: "o importante é o diálogo e o entendimento". LEGENDA FOTO 2 - Sérgio Bianchi, paranaense de Ponta Grossa, radicado em São Paulo, já terminou as filmagens de seu terceiro longa - "A Causa Secreta", mas está desesperado pela demora em receber os US$ 60 mil que a Embrafilme lhe deve. E por isto telefona diariamente para o gabinete de Rouanet.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
18/08/1991

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