Acorde, com emoção
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de maio de 1979
Emoção, mais uma vez. Assim pode ser sintetizado o informal amigo - e quase e diria, inesperado - o show que na noite de sexta-feira no centenário do Teatro São João, na cidade da Lapa - um dos dois únicos no estilo elisabeteano existentes no Brasil e um dos mais belos de toda a América do Sul - marcou o lançamento oficial do primeiro pacote de promoções da Secretaria de Cultura e dos Esportes, na área da música. Com o nome genérico de "Acorde", o pacote de eventos é amplo, quase ambicioso para um primeiro ano de administração, considerando-se que a nova pasta está ainda em fase de implantação, enfrentando todas as dificuldades naturais de um recém-nascido.
E para apresentar este pacote de promoções, houve uma festa simpática na Lapa. Nas ruas, o povo saiu para ver a Banda de Antonina, que recebeu novos instrumentos doados pela Funarte, através do Instituto Nacional da Música, quando o maestro Marlos Nobre dirigia aquela importante unidade, implantada e [prestigiada], como a própria Fundação Nacional das Artes, por Ney Braga. No hall, do teatro, uma exposição mostrou os resultados concretos da atuação da Funarte na administração executiva de Roberto Parreiras - dezenas de livros, discos, posters, opúsculos, editados pelos diversos órgãos - e que em breve estarão sendo vendidos em loja que funcionará ao lado dos Museus de Arte Contemporânea e da Imagem e do Som, na Rua Desembargador Westphalen.
Ali, o produtor, compositor e poeta Hermínio Bello de Carvalho, assessor para projetos especiais da Funarte - e oficialmente representando o seu diretor-executivo, Roberto Parreiras, e o presidente, José Cândido de Carvalho, recebeu o governador Ney Braga - graças a quem, na gestão do MEC, pôde se viabilizarem e executarem muitos projetos. Nos livros, nos discos, nas publicações e nos posters que documentam as múltiplas realizações do Funarte, nestes últimos 4 anos, está sintetizada toda uma política de abertura `´a programas importantes - que fizeram com que, mesmo pisando numa área movediça, difícil, de múltiplos e afiados espinhos, Ney Braga conseguisse deixar o cargo com simpatia pelos setores mais influentes do meio cultural.
Assim é que, apenas na condição já de poeta e homem ligado a música popular brasileira, vice-presidente - e o grande idealizador da Sombras e tantos projetos importantes, entre os quais o Pixinguinha - Hermínio foi quem abriu o espetáculo, homenageando a enternecedora figura de dona Arminda Villa-Lobos - a "Mindinha do Villa", como ele a chama carinhosamente - que sentada ao lado do governador Ney Braga e dona Nice, assistia, emocionada, ao lançamento do Acorde, onde, entre tantos eventos voltados à música, também não foi esquecido o vigésimo aniversário da morte de Heitor Villa-Lobos (1897-1959): um concurso de monografias sobre a passagem do autor das "Bachianas Brasileiras" por Paranaguá, onde foi vendedor pracista e músico - e a influência deste período de sua vida em sua obra - dará ao autor do melhor trabalho um compensador prêmio de Cr$ 30 mil, mais a edição do texto. Nos próximos dias, o Museu da Imagem e do Som - em colaboração com o próprio Museu Villa-Lobos, que dona Arminda criou e dirige, mais a Pró-Música e representante do Conselho Municipal de Cultura, de Paranaguá - elaborará o regulamento definitivo deste concurso apenas uma das etapas do Projeto Villa-Lobos, que inclui concertos - o primeiro dos quais, dia 24 de junho, da pianista Henriqueta Garcez Duarte, no próprio Teatro São João - palestras e outras promoções.
A emoção foi maior do que a necessária - e tão brasileira arte da improvisação, capaz de resolver os problemas de última hora - de falta de instrumentos até panes técnicas no sistema de som - fazendo com que o encontro, no palco, de Paulo Soledade, Luís Reis e Cesar Costa Filho, resultasse num espetáculo de característica especiais - e que, felizmente, mereceu registro da equipe do MIS, pois teve um sentido que jamais se repetirá - como acontece, sempre, quando as coisas são feitas com o coração. Pois Paulinho Soledade, parnanguara, 60 anos, desde a década de 30 residindo no Rio de Janeiro, é, possivelmente, o paranaense que conseguiu os maiores sucessos na música popular - embora, para ele, a música tenha sido sempre um complemento, quase uma forma de estar junto com seus maiores amigos: filho de um oficial da Marinha, publicitário de uma revista que marcou época na imprensa brasileira ("Sombra", anos 40), piloto formado nos EUA que não chegou a entrar em ação, na FEB, porque terminou seu curso dois meses antes da II Guerra Mundial encerrar, comandante por 8 anos da Panair do Brasil, produtor de shows, discos (inclusive do único elepe que Elizeth Cardoso fez na Continental, detalhe pouco conhecido), diretor artístico, num período, da TV Tupi, seria, entretanto, como proprietário da boite Zum-Zum, que Paulo ficaria ligado mais diretamente a história da Emepebe: pois na sua minicasa, 120 lugares, na Barata Ribeiro, 80, Copacabana. Aloysio de Oliveira produziu os melhores shows do mais fértil período da Bossa Nova, só possíveis de ali ser apresentados porque antes de artistas famosos, todos sempre foram sempre amigos da Soledade, uma personalidade fascinante, violonista de harmonias, modernas - na melhor linha de Garôto (Anibal Augusto Sardinho, 1915-55) e Valzinho - que encontrou parceiros dos mais felizes como o próprio Fernando Lobo, que uma semana após a morte de um grande amigo, o comandante Edu, vítima de um acidente aéreo em Gravataí, RGS, fêz as letras de "Zum-Zum", partindo de uma frase - "Está faltando um", e de um acréscimo dado por Dorival Caymmi - "Ele que era o porta-estandarte". Nascido de um momento de tristeza e emoção, para reverenciar a memória de um amigo da mais saudável [boemia], "Zum-Zum" se tornaria o grande sucesso do Carnaval de 1951, na voz de Dalva de Oliveira (1917-1972), que, no ano seguinte, voltaria a gravar outro sucesso de Soledade, "Um Pequenino Grão de Areia", este em parceria com Marino Pinto (1916-1955) - e que praticamente provocou o ressurgimento da marcha-rancho, que há 10 anos estava esquecida - e que, em termos de beleza, só pode ser comparada a do clássico "As Pastorinhas" de João de Barro/Noel Rosa (1910-1037) - mas que teria, do próprio Soledade, também dez anos depois um outro momento iluminado: "Estão voltando Às Flores", onde foi o autor da letra e música, realizando aquela que considera a sua obra-prima.
Modesto, avesso à promoção pessoal - um homem simples e amigo Paulo Soledade aceitou, por amizade "e quase que como pagamento de uma dívida ao seu Estado, o Paraná", pela primeira vez se [apresentar] num show - dividindo o espetáculo com Luís Reis, maranhense de São Luiz, profundamente enraixado ao Paraná - já que sua esposa, Salomé, é de São Mateus do Sul, e com César Costa Filho, carioca mas hoje um pouco curitibano, já que aqui encontrou em Heitorzinho Valente, um de seus bons letristas. Informalmente, numa forma descontraída onde o roteiro originalmente previsto foi esquecido, os efeitos de iluminação foram ofuscados pelos refletores das câmeras de televisão que registram o encontro, o show de abertura do "Acorde", foi, como dissemos acima, momento de emoção a todos que ali estiveram - no palco ou na platéia. Ontem é ainda hoje, já no Senac, Luís Reis abre o projeto "Identidade", que inaugura um novo espaço cultural da cidade - e marca um novo canal para que o público veja de perto, em toda sua grandeza, compositores que normalmente permanecem semi-anônimos. Luís Reis, que com seu colega de "scotch", turfe e jornalismo, Haroldo Barbosa, já fez 44 músicas (entre as quais clássicas como "Nossos Momentos"), mas que também teve outros grandes parceiros - Nássara, Luís Antônio etc. - está mostrando suas músicas, em sua voz agradável e, principalmente, num piano seguro, criativo, que domina com toda firmeza.
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