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Soledade, o compositor que merece ser lembrado

Na festa de som & luz que a partir das 20h30 de domingo, dia primeiro, no Largo da Ordem, marcará a posse do prefeito Jaime Lerner, a trilha sonora concebida por Adherbal Fortes de Sá Júnior, um dos criadores do evento, incluirá uma marcha rancho de um bicho do Paraná até hoje pouco lembrado: "Estão chegando as flores" do parnanguara Paulo Soledade (Paulo Gurgel Valente do Amaral Soledade), cujos 70 anos a serem completados no próximo dia 29 de junho, justificariam toda uma série de comemorações - mas para o que, até o momento, ninguém lembrou-se. Paulo é identificado especialmente pelas suas marchas-rancho "Estão chegando as flores" (erroneamente chamada de "Estão voltando as flores") e "Estrela do Mar", parceria com Marino Pinto (1916-1965), de 1952. "Estão chegando as flores" - uma das mais otimistas letras já feitas para a MPB, teve com Helena de Lima a sua grande intérprete e ficou identificada com o retorno à vida boêmia carioca, após Soledade ter permanecido quatro anos no Haras Valente, em Porto Amazonas, propriedade de seu tio Luís - recuperando-se de tuberculose. Neste período, Soledade teve um tratamento principesco, "vida ao ar livre, leite gordo, de tal forma que o médico João Luiz Bettega o considerou clinicamente curado", conforme escreveu numa bela crônica-biografia o seu amigo Francisco Brito de Lacerda ("Estão chegando as flores", "Gazeta do Povo", 4/12/1988). xxx Francisco Brito de Lacerda, advogado, escritor nas horas bagas, ex-diretor da Imprensa Oficial e do Arquivo Público, esteve recentemente com Paulo Soledade e trouxe boas notícias: apesar de afastado da vida noturna - que o caracterizou nos anos dourados da melhor fase da boemia brasileira - não parou de compor, embora seu filho, Paulinho, é que esteja hoje atuando profissionalmente. Nos últimos 15 anos, Paulo só veio, em termos profissionais, a Curitiba a convite de um de seus parentes, o também poeta e compositor Heitor Maeder Valente, na época em que a Secretaria da Cultura patrocinava o projeto "Paraná de todos os cantos". Filho de um oficial da marinha, baiano - Frederico Soledade e de Eleonora Gurgel do Amaral Valente, foi criado - junto com seus irmãos Carlos e irmã Liliam, pelo avô materno, Heitor Valente - que ao lado de próspero fazendeiro era também poeta, e que residia em Paranaguá. Paulo foi aluno do internato do Ginásio Paranaense e embora o seu irmão Carlos (que faleceria ainda jovem, vítima da tísica) fosse o primeiro a aprender violão, ele se entusiasmaria com o instrumento - mas que estudava escondido da família. Depois da morte do avô, Paulo foi morar no Rio e durante a guerra, aos 21 anos, fez curso de seis meses, no Galeão, ascendendo a instrutor. Quando era iminente sua convocação para integrar a FAB e seguir rumo ao front, veio a paz. Paulo tornou-se piloto da Pan Air, voando pelo mundo nos vigorosos Constelation. Na época, surgia o chamado "Clube dos Cafajestes". Invenção de Baby Pignatari e que incluía rapazes alegres e musicais. um deles, o também comandante da Pan Air, Edu (Carlos Eduardo de Oliveira), faleceria num acidente, motivando a compor em parceria com seu amigo Fernando Lobo, "Zum Zum", que gravada por Dalva de Oliveira (1917-1972) foi grande sucesso de carnaval de 1951. Nove anos depois, "Zum-Zum" seria o nome da night clube que Paulo abriu - e no qual aconteceram históricos shows do início da Bossa Nova, alguns deles perpetuados em gravações produzidas pela Elenco, de Aloysio de Oliveira. xxx Paulo foi também publicista da histórica revista "Sombra", cronista de "O Globo" (onde utilizava o pseudônimo de King) e chegou a atuar em duas peças com Ziembinski no grupo "Os Comediantes". Teve, enfim, uma vida repleta de amigos famosos - para tristeza geral, quase todos já falecidos. Mangueirense fanático, desfilava nos velhos carnavais. Com a intimidade de quem priva há anos de sua amizade, Chico Lacerda conta que seu casamento aos 34 anos (1954), "quando já sentia certa tendência para o celibato", está ligado à última excursão que Josephine Baker fez à América do Sul, em princípios de 1953. Contratada por Carlos Machado, Josephine trouxe de Buenos Aires dois casais de bailarinos, que precediam suas apresentações. Uma das bailarinas, a argentina Lina de Luca, "bonita mocinha, que tinha como par o próprio irmão"- diz Lacerda - apaixonou-se por Paulo e foi correspondida. Casaram-se e viveram juntos por 34 anos. Tiveram dois filhos - Paulinho e Eleonora. xxx Parceiro de Vinícius de Moraes em "Poema dos olhos da amada" e "São Francisco", produtor de shows históricos como "Feitiço da vila" que reunia Silvio Caldas e Elisete Cardoso com músicas de Noel Rosa, Paulo Soledade tem uma obra marcante. Há 5 anos, após as enchentes que atingiram o Sul, o então governador Espiridião Amin (agora, pela segunda vez, prefeito de Florianópolis), chamou Soledade à capital daquele Estado e metamorfoseou sua marcha-rancho em "Hino de recuperação do Estado de Santa Catarina". Descreve Chico Lacerda: "Palanque armado na escadaria da catedral, tendo ao seu lado a jovem Ângela, mulher do governador, ovacionado em delírio (muita gente chorando), Paulo Soledade cantou "Estão chegando as flores". Absorvida pela mensagem, a multidão entoou em coro: Vê, estão voltando as flores Vê, nessa manhã tão linda Vê, como é bonita a vida Vê, como é bonita a vida Vê, há esperança ainda Vê, as nuvens vão passando Vê, um novo céu se abrindo Vê, o sol iluminando Por onde nós vamos indo O prefeito Jaime Lerner, homem sensível ao que há de bom e belo, não deixará de se emocionar com a lembrança da canção de Soledade ter sido incluída na festa em sua homenagem. E, se os espinhos do poder que começarão no primeiro dia de seu mandato não impedirem, Lerner poderá também desenvolver um belo projeto em torno de flores, esperança & Curitiba - bastando para isto se livrar da camisa-de-força das injunções políticas e saber escutar as boas sujestões que, pelo visto, até agora ainda não chegaram aos seus ouvidos - ocupados no loteamento dos cargos da Prefeitura. LEGENDA FOTO - Paulo Soledade: "Estão Chegando as Flores", sempre um hino de esperança.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
30/12/1988

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