As flores voltam mas Paulinho é esquecido
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 28 de junho de 1989
Vê, estão voltando as flores
Vê, nesta manhã tão linda
Vê, como é bonita a vida
Vê, há esperança ainda
Vê, as nuvens vão passando
Vê, um novo céu se abrindo
Vê, o sol iluminando
Por onde nós vamos indo
Mais, muito mais do que uma marcha-rancho que há exatamente 28 anos se tornou um clássico de nosso cancioneiro, "Estão Voltando as Flores" é um hino de amor e esperança. Isto a fez ser uma das músicas mais cantadas nestas últimas três décadas, e identificada a imagens de otimismo. Difícil alguém que tenha a mínima sensibilidade para a nossa MPB que não a conheça.
Seu ator, um bicho do Paraná, Paulo Gurgel Valente do Amaral Soledade, paranaense de Paranaguá, completa amanhã, quinta-feira, 29 de junho, seus 70 anos. Uma efeméride que justificaria não apenas uma, mas toda uma série de comemorações, de parte das entidades (que gastando milhões de cruzados) deveriam zelar pela nossa vida cultural.
Afinal, no raquítico mundo musical paranaense, Paulo Soledade é uma das poucas unanimidades nacionais.
Entretanto, ao menos até ontem não havia ninguém que soubesse de alguma homenagem programada para este compositor tão importante. Antecipamos, inclusive, em um dia o registro de seu aniversário, com a esperança de que, mesmo a toque de caixa, alguém se lembre de que o autor de "Estão Voltando as Flores" completa seus 70 anos de vida.
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O advogado Francisco Brito de Lacerda, lapeano de sensibilidade para com a história, autor de vários (e deliciosos) livros de crônicas, é um dos melhores amigos de Paulo Soledade. Tanto é que viajou para o Rio de Janeiro a fim de com ele comemorar o aniversário. Há alguns meses, num texto afetivo e didático, publicado na "Gazeta do Povo", Chico de Lacerda falou, biograficamente, de Paulo Soledade, mostrando a importância deste homem de múltiplas atividades - ator, piloto civil, boêmio, empresário da noite e, sobretudo, um compositor e poeta - que, até hoje só uma única vez foi devidamente lembrado no Paraná. O que ocorreu quando o ex-deputado Luís Roberto Soares ocupava a Secretaria da Cultura e, pessoa sensível e realmente preocupada em fazer uma boa administração, soube apoiar o projeto de dois de seus assessores da área musical, Heitor Valente (primeiro nome de Paulo Soledade, em segundo grau) e George Natividade, que trouxeram o compositor de "Estrela do Mar", para participar de alguns eventos. Feliz por ser lembrado, Paulo Soledade aqui esteve, em termos oficiais, e encantou a todos por sua espontaneidade e cordialidade.
Naturalmente, Soledade não esconde sua mágoa em relação ao esquecimento que o Paraná, nestes últimos anos, o confinou. Embora modesto, sem pretensões pessoais, viu, com tristeza, aproximar-se o seu septuagenário aniversário sem que - ao contrário de tantos outros nomes de nossa vida cultural - merecesse as comemorações merecidas.
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O curioso é que, se de um lado, fica esquecido, por outro, acontece uma quase criminosa apropriação de sua obra maior. Há algumas semanas, numa campanha ecológica (?) patrocinada pela Prefeitura de Curitiba, uma nova agência de propaganda - a Via de Comunicação, dos Srs. Paulo Garmater e José Fuentes, utilizou como título dos anúncios veiculados na imprensa "Estão Voltando as Flores...". Claro que é uma imagem da maior força e os publicitários aproveitaram o mote. Mas será que houve alguma consulta prévia a Paulo Soledade? Houve preocupação de se dar um crédito?
Todo um projeto em homenagem a Paulo Soledade, dentro da idéia de "Estão Voltando as Flores" - e que coincidiria com uma idéia de estimular a comunidade a fazer a cidade florir - foi sugerida, há meses, ao prefeito Jaime Lerner. Embora Lerner seja um homem sensível à música (em ocasiões especiais, com amigos, chegou a mostrar-se afinado cantor, com seu repertório de bom gosto), hoje, com toda a força e importância do poder que ocupa, e ocupadíssimo para fazer com que, no Paraná, Leonel Brizola seja o candidato vitorioso à Presidência da República - evidentemente que eventos "menores" (sic) como uma homenagem a Paulo Soledade não fazem parte mais de sua agenda. Assim, mesmo que "Estão Voltando as Flores..." sirva para que uma das dez agências que o assessorem publicitariamente, crie uma campanha promocional, o autor desta frase-poesia não é lembrado.
Está também nas mãos do prefeito Jaime Lerner, encaminhado pelo produtor cultural Aloísio Falcão, da etiqueta Idéia Livre, um projeto dos mais interessantes: a edição de um álbum com temas ecológicos, no qual o grupo Boca Livre - voltando agora ao campo profissional - interpretaria 12 canções que tem flores & árvores como tema, naturalmente a partir de "Estão Voltando as Flores". O projeto é autofinanciável, com ampla abertura para ser encontrado um bom patrocínio (por que não o Boticário, cuja política de marketing é tão bem conduzida por Eloy Zanetti, a tudo que conduz a natureza?), e bastará a mínima boa vontade do alcaide pedetista, para que o mesmo possa se concretizar.
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A Secretaria da Cultura também nada programou em homenagem aos 70 anos de Paulo Soledade. Entende-se! Afinal, apesar de sua imensa estrutura, a área de música popular tem apenas um batalhador - Cláudio Ribeiro, compositor, animador cultural, que há muito tempo espera melhores condições de trabalho - inclusive uma divisão específica para a MPB - promessa feita mas nunca cumprida.
Em Paranaguá, onde Soledade nasceu, também não se tem notícia de que alguém lembrou-se desta efeméride. Embora, o prefeito daquela cidade, José Vicente Elias, político dos mais polêmicos, que há anos luta por espaço no poder do Litoral, mesmo que em tempos de boemia, quando líder estudantil - época em que o conhecemos - tivesse ouvido (e, talvez até cantarolado) "Estrela do Mar" e "Estão Voltando as Flores", por certo esqueceu (ou talvez nunca soube), que o autor destas duas obras-primas de nossa MPB é o parnanguara Paulo Gurgel Valente do Amaral Soledade.
LEGENDA FOTO - Paulo Soledade: 70 anos, uma unanimidade nacional. Do Paraná.
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