La Vie em Close (e dois anos sem Paulo)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de junho de 1991
Há exatamente dois anos morria Paulo Leminski.
A cidade perdia seu poeta demolidor - homem se seu tempo, múltiplo criador que viveu intensamente seus dias. Deixou poemas, textos, livros, músicas e sobretudo lições de vida.
Muito se falou - e por certo muito se falará - sobre Paulo Leminski, poeta que uniu sempre a uma profunda presença viva a sensibilidade à inteligência.
Leminski, de quem tivemos a alegria e felicidade de fazer o primeiro registro jornalístico, em 1963, na coluna "Hora H" do "Última Hora" paranaense - quando ele entrou na redação no edifício asa, eufórico e querendo comunicar que havia sido convidado para um encontro de poetas concretistas em Belo Horizonte, é hoje (quase) lenda. Evitamos, sempre, lembrar uma longa amizade - jamais estremecida, mesmo com separações diversas - porque, infelizmente, após a sua morte, muitos que nem sequer o conheceram melhor passaram a usar e abusar de sua imagem e mesmo sua obra para se autopromover. Preferimos guardar a lembranças do Lemisnki dos primeiros tempos, de uma época em que uma geração se reunia no cine de Arte Santa Maria, e etílicas esticadas na Guairacá e Trocadero - e que discutia cinema, a revista "Invenção" e se entusiasmava com o up to date informativo do Paulo. Sanches, Lelio, Cristo Dickoff, Paquito Modesto, João Ozório Brzezinski, entre outros jovens daquele início dos anos 60, quando as primeiras poesias de Paulo ainda eram praticamente imediatas. No suplemento "Vanguarda", que num curto período (1964) editamos no "Diário da Tarde" - quando o mais antigo jornal de Curitiba tentou uma fase de maior vigor, saíram talvez as primeiras poesias de Paulo, num jogo de letras que confundia os linotipistas pela forma com que deveriam ser compostas.
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Há poucas semanas, a Brasiliense lançou "La Vie En Close" (182 páginas, capa de Rodrigo Andrade) , cujos originais Paulo havia deixado com sua última e querida companheira, a cineasta Berenice Mendes.
Até agora "La vie En Close" ainda não recebeu as análises que por certo terá direito - já que toda a obra de Paulo vem sendo demoradamente deglutida e discutida. Como sempre, Paulo ofereceu neste seu testamento final - mas que na versão agora apresentada não contém todos os poemas do projeto original, conforme depoimentos de Berenice Mendes (que, prudentemente, cuidou de xerocar e registrar legalmente todas as páginas do calhamaço original, antes do mesmo ser encaminhado ao editor) - Paulo explode em sua visão ardente da vida.
Por exemplo, já na página 9, como respondendo a perguntas que tantos candidatos a poetas lhe faziam, dá a receita de que
um bom poema
leva anos,
cinco jogando bola, mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
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Poeta que trabalhava a palavra em sua potencialidade total, Paulo atingiu a comunicação plena - e não é sem razão que, ainda em vida, pôde ver seus poemas transformados em ilustrações para T-shirts.
Afinal, ao agrupar "sete assuntos por segundo", indaga:
Para que serve a pintura
a não ser quando apresenta
precisamente a procura
daquilo que mais aparenta,
quando ministra quarenta
enigmas vezes setenta?
Lírico lúcido, diria a seguir:
sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos a fora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
Cinéfilo apaixonado - foi um dos primeiros curitibanos a vibrar com os filmes de Jean Luc Godard e adorou "O Ano Passado em Mariembab", de Resnais, Leminski em "Cine Luz" diz:
o cine tua sina
o filme FEEL ME
signema
me segure firme
cine me ensine
a ser assim
e a ser senda
Premonição? Humor negro? Os estudiosos que classifiquem. Nas páginas 82 a 84, Leminski oferece algumas "Lápides" (epitáfio para o corpo):
Aqui jazz um grande poeta
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
São suas obras completas.
Aqui jazz um artista
mestre em desastres
viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte
Deus tenha pena
dos seus disfarces
Na página 94, um poema dedicado à sua grande companheira nos últimos anos: "Traveling Life" (para Bere).
É como se eu fosse uma guerra
onde o mau cabrito briga
e como se fosse uma terra / estrangeira até para ela
como se fosse uma tela
onde cada filme que passa
toda imagem congela
é como se fosse a fera
que a cada dia que roda e rola
mais e mais se revela
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
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