"Cine Hai-Kai", Leminski iluminado pelas imagens
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de outubro de 1990
O mais curta dos filmes que disputaram os Candangos no XXIII Festival do Cinema Brasileiro de Brasília (10 a 16 de outubro) foi recebido com aplausos. Seu realizador, Pedro Anisio, 34, tinha consciência de que seria difícil sair com alguma premiação, já que disputavam também produções com melhor acabamento técnico e, naturalmente, de duração normal dos curtas.
Mas se ficou sem prêmios, "Cine Hai-Kai" teve aplausos de quem soube entender a sinceridade de Pedro Anisio, um paraense de Belém que por três anos aqui residiu, ao dedicar ao curitibano Paulo Leminski (1944 -1989) uma homenagem visual.
Embora o autor de "Catatau" tivesse participado do documentário "Assaltaram a Gramática" - sobre vanguardas literárias - e exposto seu pensamento vivo no vídeo "Ervilha de Fantasia" (1986, dos gêmeos Werner e Willy Schulmann) - além de ter merecido, postumamente, um vídeo dirigido pela carioca Sonia Garcia, da TV-E, o projeto que Anisio tinha era mais criativo. Partindo de idéias extraídas de livros de Oswald de Andrade (1890-1945), pretendia desenvolver um curta-invenção, o que entusiasmou o poeta. Infelizmente Anisio teve que retornar a Brasília - com uma única seqüência rodada, o projeto adiado e, posteriormente, a morte de Leminski. Entretanto, o material filmado (35mm, cores), pelo câmara Jaime Brustolin, mostrou qualidade e seria um desperdício não utilizá-lo. Assim, Anisio reescreveu o roteiro, pensando então num documentário de 13 minutos sobre Paulo, seus amigos de Curitiba (depoimentos de poetas como Augusto e Haroldo de Campos, Decio Pignatari, Gil, Caetano, Moraes Moreira etc. Focando também ruas e alguns pontos da cidade (como o Templo das Musas/Instituto Neo Pitagórico), com imagem mostrando a nossa cidade num filme destinado a ter exibição nacional. Infelizmente, a insensibilidade da Fucucu impediu que o projeto fosse viabilizado e Anisio teve que improvisar com o material que dispunha.
Apesar de tudo, o resultado foi positivo. As imagens rodadas numa manhã de domingo, com Paulo correndo pelo Alto do São Francisco, vindo da Rua Dr. Keller (a torre da Mesquita aparece no fundo) até chegar às ruínas, nas quais é cercado por um bando de mendigos, são emocionantes.
Produzido elegantemente em termos de indumentária - "vestimos Leminski com uma camisa azul e um paletó creme - do guarda-roupa de Brustolin; usou minha gravata amarela e o chapéu verde de minha esposa, "Denise", explica Pedro, o Poeta surge vigoroso na tela, close-ups destacando seu belo rosto. Uma seqüência de cinco minutos, praticamente sem cortes, que foi aproveitado no filme como se fosse o trailler para um longa - com textos de Leminski e de autores por ele cultuados - ganhou força para levar um admirador de sua obra, o poeta e jornalista Júlio César Lobo, de "A Tarde", de Salvador, cobrindo o Festival, a dedicar um amplo espaço na edição dominical do mais importante baiano, com uma teorização política-poética a respeito (ver texto nesta mesma página).
Em compensação, críticos como Liliana Machado ("Correio Brasiliense") e Sérgio Bazzi ("Jornal de Brasília") não souberam entender o curta e foram cruéis em seus comentários. Na sessão de debates, sábado, 13, Júlio César Lobo leu o seu texto - que valeu como uma defesa do filme.
O grupo de poetas e escritores de vanguarda de Brasília que há mais de dois anos produz "Bric a Brac", luxuosa revista editada por Luís Turica, Eduardo Resende (Resa), Lucia Miranda Leão e João dos Reis Barbosa - aproveitou a exibição do filme - e a rápida passagem de Alice Ruiz que, por indicação de Anisio, foi convidada para a exibição - e lançou o número 4 da revista (94 páginas, Cr$ 1.900,00; pedidos a L3/J Empreendimentos Culturais Ltda., Setor Comercial Sul, quadra 1/bloco B/Edifício Maristela, sala 1.110, Brasília, CEP 70308). Papel couchê, luxuosa edição, a revista abre com um ensaio de quatro páginas de Antônio Risério sobre "Leminski e as Vanguardas" - ilustrado com a reprodução de fotogramas do filme de Anisio. Rita de Cássia Slieri, da equipe da Coordenadoria de Programação Gráfica da Secretaria da Cultura, também comparece com uma ilustração comparece com uma ilustração para a poesia de José Augusto Nepomuceno. Poemas de Antonio Thadeu Woiciechowski, Sérgio Viralobos e Alberto Centurião ("O lirismo que vem do frio"); Cristina Gebran ("No meio do dia") são outras presenças do Paraná nesta edição do "Bric a Brac", que traz, com poema "Os 27 filmes de Greta Garbo". De Carlos Drummond de Andrade.
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