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Aramis

Agora, no Carnaval, o que há de melhor são os Sambas-de-Enredo.

Uma matéria sobre musica de carnaval poderia começar, nostalgicamente, com um amplo levantamento dos anos de ouro que marcaram a Festa máxima do povo brasileiro - a partir do inicio do século com "O Abre Alas" da Pioneira Chiquinha Gonzaga (1) - aos últimos anos. Mas já por duas vezes (1970/72) fizemos este trabalho, aqui mesmo nas páginas de O ESTADO, de forma que pouco adiantaria, melancolicamente, curtir saudosismos dos momentos mais felizes dos sambas e marchas de tantos compositores inspirados e lamentar o desinteresse/ desencanto/ mediocridade em torno das musicas de carnaval em nossos dias. Ainda ontem, lendo o penúltimo numero de "O Pasquim" (2), encontrei palavras felizes de Mariozinho Rocha, que definem exatamente a situação: "Como você classificaria Chico Buarque ou Caetano Veloso? Sambistas? Choristas? Pop? Simplesmente você diria: compositores - e dos bons. Bem, isso você não sendo compositor carnavalesco, Pois esses (os compositores carnavalescos) dividem a música - e consequentemente quem a faz - em dois grandes grupos: carnaval e meio-de-ano. E é ai que começa a guerra! A maioria desses tradicionais compositores carnavalescos não admite, ou melhor, não admitia, a intromissão mesmo a mais desinteressada, no seu (deles) ramo ou seja, carnaval. Era uma espécie de monopólio, contraria ou já que esta na moda, máfia. Colocados estrategicamente em altos postos nas gravadoras, nas editoras e nas chamadas sociedades arrecadadoras, esses senhores feudais guardavam a todo custo, e só para si, a divisão da (inexplicável) bolada do dinheiro que suas (?) músicas anualmente lhes rendiam, fosse por execução, por vendagem de disco ou edição. Acontece que, de repente, as coisas começaram a mudar um pouco. E se, para eles, o sonho ainda não acabou, é bem verdade também que começa a se tornar a cada dia que passa, um pesadelo cada vez mais incômodo. Antigamente, o processo musical brasileiro (principalmente sob os aspectos comercial e industrial) girava em torno do carnaval. Era o produto mais facilmente comerciavel. Todos os artistas, independente de serem adeptos da música romântica (seresta, samba-canção etc.) estavam presentes, com suas gravações à grande festa? Os filmes sempre, ou quase sempre, tinham como ingrediente básico o carnaval. No entanto, o consumidor começou a querer um pouco mais de festa. Quatro dias só para um ano inteiro de dificuldades, já não estava bastando. E também o avanço tecnológico e o interesse cada dia maior pela música, forçosamente contribuiriam para um aumento de mercado cada vez mais diversificado. Ao primeiro sinal de lucro, toda a industria começou a se reaparelhar para atender a essa nova demanda e ao novo comsumidor. E os senhores feudais, um a um, começaram a cair das gravadoras das editoras e das sociedades arrecadadoras. Mas, voltando ao carnaval, o que se vê e ouve atualmente, nos bailes, ou são musicas antigas (normalmente muito boas) ou são sambas-enredo, sambas-de-quadra e músicas dos chamados compositores de meio-de-ano. Aquelas marchinhas idiotas que tinham como autores o diretor artístico da gravadora, disc-jóquei, o editor o presidente da sociedade arrecadadora, o ascensorista da rádio, o primo do discotecário e o compositor propriamente dito, estão esquecidas. As gravadoras já não se interessam tanto pela musica de carnaval (salvo sambas-enredo, sambas-de-quadra, e as músicas de compositores como Caetano, Gil etc. etc.). xxx A lúcida analise de Mariozinho Rocha responde as perguntas que mais se fazem nestes dias: por que as musicas de carnaval caíram de nível? Por que as emissoras de rádio e televisão não as divulgam? Por que não existe mais aquele clima competitivo entre os catituadores (3) para promover as musicas "de seus autores"?. Mesmo as grandes gravadoras que em janeiro/fevereiro interrompem suas edições normais, devido ao carnaval - limitaram-se a lançar ou dois lps, alguns compactos - como veremos mais adiante - obrigando ao grosso (e aqui a palavra tem duplo sentido: quantidade e (baixa) qualidade dos compositores menores a procurarem etiquetas fantasmas (que só aparecem na época de carnaval), financiando os compactos simples e cuja distribuição é feita, nem sempre de forma eficiente, pelas representações regionais das sociedades arrecadadoras. As grandes gravadoras, com poucas exceções, preferiram selecionar os melhores nomes de seus elencos, para gravações coletivas - que apesar disto não chegam a atingir índices de vendas compensadores. O declínio das marchinhas e sambas a partir dos anos 50, trouxe, na última década uma progressiva revalorização dos Sambas-Enredos, com todas as grandes escolas de samba primeiro na Guanabara, hoje em São Paulo e começando também em Curitiba (4) - procurando apresentar musicas próprias, integradas ao tema que seus dirigentes escolhem para cada carnaval. Até cinco ou seis anos atras, nenhuma gravadora arriscava-se a editar um samba-enredo geralmente com longa letra, quebrando uma das exigências básicas da musica de carnaval. Hoje, ao contrário, o Samba Enredo talvez seja um dos poucos subgeneros da época capazes de entusiasmar um produtor na realização de um álbum mais caprichado. Justifica-se: a partir de junho, as grandes escolas -ao menos na Guanabara, (apesar da concorrência de Salvador) - passam a selecionar os compositores que pretendem ter a honra de fazer o Samba Enredo oficial em outubro último, tivemos o prazer de participar - (5), de uma comissão que fez a primeira seleção para escolha do Samba Enredo da Acadêmicos de Salgueiro, onde disputavam mais de 30 bons compositores todos com musica em torno do tema escolhido - "Eneida, Amor e Fantasia", em homenagem a cronista, jornalista e grande foliona carnavalesca Eneida de Moraes. Na ocasião, votamos na musica de Geraldo Babão, que acabaria sendo a escolhida em duas outras seleções. Assim, para uma grande escola de Samba, a escolha de um Samba-Enredo começa muitos meses antes da festa com tempo suficiente para sentir se a musica pode funcionar pode puxar o público no grande desfile de sábado na avenida Rio Branco. Por isto é que talvez os dois melhores discos de carnaval de 1973 sejam justamente aqueles com menor promoção, cuja venda ficou restrita as lojas da Guanabara: os álbuns produzidos pela Associados das Escolas de Samba do estado da Guanabara, presidida por Amaury Jório, que a exemplo do que fez no ano passado, realizou através da Top Tape, caprichados lps com todos os sambas de enredo das escolas dos grupos 1 e 2. No primeiro, ilustrado com dados (em inglês e português) e fotos das 14 escolas, pode-se sentir a seriedade da disputa travada ontem, na Guanabara. Todos sambas de enredo de elevado nível, com temas dos mais diferentes e férteis Eneida (Salgueiro); Pindorama (Serrano); Literatura de Cordel (Leopoldinense); Abaete (Mangueira); Zé Pereira (Mocidade Independente de Padre Miguel); Passargada (Portela); Ameno Rosedá (Jacarezinho) etc. Mais modestas, mas igualmente inspirados, as 12 escolas do grupo 2, também disputam o Carnaval 73, com excelentes temas: As 7 portas da Bahia de Carybe (União de jacarepagua), "Y Jucá Pyrama" União da Ilha do Governador), Histórias que Ouvimos na Infância (Unidos de Lucas); Lamartine Babo (Unidos de São Carlos); Aquarela Brasileira de Ary Barroso (Império do Maranga); Festival do Cinema brasileiro (Independentes do Cordovil); Aclamação e Coroação de São Pedro (Caprichosos de Pilares) e Os Imortais da Música brasileira (Paraíso do Tuiuti). Destas três dezenas de sambas de enredo, é claro que os mais bonitos ou ao menos os que conseguirem maior comunicabilidade nestes dias serão mais divulgados nos próximos meses e merecerão da Phonogram, a inclusão no volume 3 da série "Os Maiores Sambas Enredo de todos os tempos", coleção iniciada em 1972 e que tem seqüência agora com o volume 2, onde os melhores nomes de seu elenco incluíram os temas de maior destaque do Carnaval de 72. Neste disco (Philips, 6349053, dezembro-72) temos Ellis Regina interpretando "Alô... Alô... Tai Carmem Miranda", que no ano passado garantiu a vitória ao Império Serrano, Jair Rodrigues "Mangueira, minha querida madrinha" (Tento, Tengo), Claudete Soares em "Os Mártires da Independência", o MPB-4 em "Ilu Ayê"(Terra da Vida) etc. Pela Phonogram, temos também um bom álbum com algumas das musicas que podem acontecer neste carnaval. A álbum "Carnaval Chegou"(Philips, 6849058, dezembro-72), reúne alguns dos melhores nomes da MPB com musicas novas ou já lançadas - como "Eu Quero é botar meu bloco na rua" de e com Sérgio Sampaio (que apareceu em outubro, por ocasião do FIC), que bem promovidas, podem disputar uma honrosa classificação entre as mais cantadas na festa deste ano. Assim o MPB-4 interpreta "Boi voador não pode" de Chico Buarque (6), Caetano Veloso com seu "Um Frevo Novo"; Nara Leão com "Cordão do Zepelin" (Zé Rodrix-Guarabyra); Jorge Bem com "Lá Vem Salgueiro"; O Terço com "Muito Louco"(Marcos-Paulo Sérgio Valle); (Marcos-Paulo Sérgio Valle); Gilberto Gil com "Vamos Passar no Astral"; Claudia Regina com "A Morena Chegou" (Ivan Lins Ronaldo Souza); Wilson Simonal com "Cordão da Raimunda" (Paulo César Pinheiro); Jair Rodrigues com "A Dança do Cafuné" (Zuzuca); Raul Seixas com "Eterno Carnaval"; Wanderléa com "Sem se Atrapalhar" Caetano-Moacyr Albuquerque); o Quinteto Violado com "Menino do Pirulito"(Toinho Alves Luciano Pimentel) Fagner com seu "Um Ano a Mais" e Gal Costa com "Estamos Ai" (Edil Pacheco-Palinho Diniz). A Continental, através da Musicolor, comparece este ano com dois álbuns. No primeiro, "Carnaval 73" (LPK 20.294), reuniu sambas e marchas inéditas, com artistas de seu elenco: os veteranos Francisco Egydio ("A Zorra Total" e "Viva o Carnaval"); Noite Ilustrada ("A Marcha do Cara Batuta" e "Agonia"), Alcides Gerardi ("Prato Fundo" e "Marcha do gato") o grupo Titulares do Ritmo ("Marcha do Grilo" e "Rosa Amarela"), Gilberto Alves ("Se Deus Quiser") e o excelente Jamelão ("Me dá meu paletó e "Meu Carnaval que passou"). Novatos como Ângelo Antônio, Carlos Nobre e Benedito Nunes também estão presentes, mas numa inexpressividade total. Já em "Sambas Enredo 73", estão os temas de 12 das 16 escolas do grupo 1, apresentadas com mais autenticidade no álbum da AESEG. Copacabana foi ressuscitar artistas há muito esquecidos como Nuno Roland ("Agonia de Palhaço"), Black-Out ("A Bolsinha do Waldemar" e "Boêmio de Antigamente"), valorizar Jorge Goulart - repentinamente, novamente em evidencia ("Serenata em Fevereiro"), "revelar" novos sambistas - Herval Lessa ("É ou não É?"), Tereza Sodré ("Atrás da Banda") e Marinho da Muda. ("Ninguém Tasca", candidato a ser o samba mais cantado neste Carnaval), para o seu lp de Carnaval (CLP 11.711). Onde Angela Maria comparece em duas faixas ("Rancho da Verdade" e "Eu sou da Terra de Pelé"), o palhaço Carequinha gravou "Seu lobo tai?", o folclórico Clovis Bornay com "Vizinha Milionária" e até o apresentador de televisão, Silvio Santos, ataca de cantor, gravando um samba de seu assessor, Manoel Ferreira ("Tetéo") e uma marcha de Vicente Longo ("Marcha do Cachorro"). A CBS, tradicionalmente, sempre contou em seu elenco, com alguns dos mais famosos interpretes carnavalescos. Assim é que neste seu lp "Carnaval 1973" (104237), encontramos o grande nome dos anos 50 Emilinha Borba em "Marcha do Zabumba", "Tem Que Dá Olé", "Chapeuzinho Vermelho" e "Israel"; ao seu lado, a revelação dos 4 últimos anos, Zuzuca, em "Canto em Serenata" e "Chegou em meu peito". Outro veterano, Jackson do Pandeiro, comparece em "Nosso Amor Gorou" Menos conhecido, Zilda do Zé comparece com "Entre Nós vai tudo bem" e "Preciso cantar". Osvaldo Nunes, Paulo Bob completa este disco onde, numa primeira analise, o que de melhor existe, são as musicas de João Roberto Kelly ("Israel") e Luiz Reis-Luis Antônio ("Tem que dá olé"). A "Revista do Rádio" desapareceu há muitos anos, mas a coluna "Fofocas da Candinha" (aliás, o nome é bastante significativo em termos de mau caratismo) continua a inspirar compositores desatualizados. É o caso da dupla Erasmo-Silva J. Pereira Jr., com "A Turma da Fofoca", que na interpretação de Paulo Barbosa é uma das mais fracas faixas do lp "carnaval 73"(Odeon, 3760). E se a Copacabana tenta o Carnaval com Silvio Santos, a Odeon não deixa por menos: Chacrinha gravou 3 musicas neste álbum: "Pé dentro pé fora", "Roda, Roda, Roda" e "O Pacote Vai Ser Papai" as duas ultimas do cantor Marcos Pitter. Um bom interprete como Roberto Audi não consegue valorizar musicas medíocres como "A Hora da Onça" e "Trimilica", enquanto Elza Soares - o nome mais importante do álbum - procura dar uma dimensão mais popular a "Lendas do Abaete" de Japa, Preto Rico e Manoel, samba de enredo da G.R.E.S. Estação Primeira da mangueira. O veteraníssimo Orlando Dias valoriza o melancólico "O Último Carnaval" e o álbum é completado com "Lolita", nas vozes de Santos & Debético. É isso aí: mais de 50 músicas - pouco menos que 10% do total que deve ter sido gravado - em disputa de um lugar ao Sol (ou à Lua), desde ontem, em todo o Brasil.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
20
04/03/1973

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