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Aramis

Arthur, o pianista com sabor de Brasil

Até ontem, a sempre elétrica Maria Amélia estava ainda preocupada: não tinha levantado nem Cz$ 300 mil para o cachê do pianista Arthur Moreira Lima (amanhã, auditório da Reitoria, 21 horas). Maria Amélia, como presidente da Pró-Música, precisa ter em mãos Cz$ 700 mil para pagar a Arthur - já que este é o seu preço por audição. Entretanto, se não conseguir completar a soma, Arthur, por certo, não vai deixar de fazer o concerto e nem acionar a Pró-Música. No máximo, ficará chateado. Afinal, o concerto desta sexta-feira tem um significado especial: há exatamente 25 anos, quando Aristides Severo Athayde, Clotilde Cravo, Henriqueta e Eduardo Garcez, padre José Penalva e mais alguns idealistas entusiastas pela música clássica decidiram criar uma sociedade cultural mais dinâmica do que a então esvaziada Scabi (que viria a fechar alguns anos depois), o então jovem Arthur Moreira Lima foi o convidado para fazer o primeiro concerto. Com 22 anos (nasceu no Rio de Janeiro, em 16/7/1940), Arthur já era um dos mais promissores pianistas brasileiros. Tinha sido aluno da professora Lúcia Branco - tia de Clotilde, e através de quem foram feitos os contatos iniciais para a sua vinda - e aos 9 anos havia obtido o primeiro lugar num concurso para solistas promovidos pela Sinfônica Brasileira, executando um concerto de Mozart. Em 1952, recebeu o mesmo prêmio interpretando Beethoven. Aluno do Colégio Militar, em 1956 conquistou o primeiro prêmio em concurso da rádio MEC e, na mesma época, com bolsa de estudos do governo brasileiro, passou dois anos em Paris, estudando com Marguerite Long (1874-1966). Em 1962, depois do concerto em Curitiba, ganharia o terceiro lugar no III Concurso Internacional de Piano, no Rio, viajando então para a Rússia onde trabalharia por 3 anos no Conservatório de Moscou, como assistente do professor Rudolf Keres. Em 1965, após ganhar o segundo lugar no concurso Frederic Chopin, em Varsóvia, voltou a Rússia, mas em 1970 se transferiria para Viena, onde ficaria 8 anos. Sua carreira nestes últimos anos internacionalizou-se. Ficaria enfadonho - e nem haveria espaço - para falar de todos os locais em que se apresentou, premiações obtidas, discos gravados, aplausos mil. O importante é que de todos os virtuoses do teclado, Arthur foi o que mais soube conservar suas raízes brasileiríssimas. Isto o fez se entusiasmar com a idéia de Sergio Cabral e gravar, para o seu amigo Marcos Pereira (1930-1980) o histórico álbum com choros de Ernesto Nazareth. Uma paixão pela música popular que, para irritação dos empertigados cultores do clássico, desembocaria em outros projetos, como unir-se ao cantador da caatinga, Elomar Figueira de Mello, Paulo Moura e o violonista Theo de Barros no "Concertão" e, mais tarde, chegar até a formar um grupo - com Paulo Moura (sax) e Rafael Rebello (violão), mais o baterista Chacal, para dividir com o cantor Ney Matogrosso um espetáculo fascinante. Homem de múltiplos amores e andanças, que se orgulha não de ser considerado, há tempos, um dos melhores intérpretes de Chopin do mundo, mas sim de saber a escalação de 90% dos clubes brasileiros de futebol (na Rússia e Áustria, pelas ondas curtas das rádios brasileiras, acompanhava como louco os campeonatos), Arthur é uma personalidade fascinante. Excelente contador de piadas, amigo da patota de Millor Fernandes (e da qual faz parte também Jaime Lerner - que só não estará em seu concerto, porque viaja amanhã de San Francisco para Xangai), Arthur é uma pessoa incrível, em sua multiplicidade de interesses, talento diversificado e que não conhece fronteiras (e sua abertura ao popular tem lhe custado muitas críticas). Uma pessoa admirável, companheiro de algumas noitadas históricas - como aquela em que conheceu a cantora Maysa e a roubou dos braços de Araken, ou, mais tarde, uma noite de vinhos & recordações na Barcelona em que residiu por alguns meses, em 1976 - e que, um dia, espero poder contar com a graça, ternura e competência que estas estórias merecem. Hoje fica apenas o registro para um concerto indispensável: Arthur Moreira Lima nas comemorações dos 25 anos da Pró-Música. Antes, Maria Amélia sobe ao palco e faz homenagem das mais justas, entregando medalha ao compositor, regente e musicólogo José Penalva, que além de ter sido um dos fundadores de PMC, a presidiu por duas vezes. LEGENDA FOTO - Arthur: concerto, 25 anos depois da inauguração da Pró-Música.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
28/04/1988

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