À benção, Baden! (gênio de violão e amigo de coração)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de março de 1988
A rigor, um virtuose da dimensão de Baden Powell D'Aquino (única apresentação em Curitiba, amanhã, 21 horas, auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, 21 horas, ingressos entre Cz$ 800,00 a Cz$ 600,00), não precisaria fazer nada mais do que dedilhar o seu violão. Mas é possível que a exemplo do que aconteceu quando de sua última passagem por Curitiba, há quase dois anos, não só cantarole algumas de suas composições como, livre de timidez que o marcou por tantos anos, estabeleça um diálogo com a platéia. Fale de suas andanças pelo mundo, suas músicas e, em especial de suas parcerias com Vinícius de Moraes (1913-1980), amigo e poeta com quem dividiu uma das fases de maior criatividade da MPB. Afinal, como interpretar o "Samba da Benção" sem a parte declamada - que o Poetinha transformava num clássico de informalidade e referência carinhosa a seus amigos?
É possível, também, que Baden lembre - e até se emocione - de seus tempos de calças curtas, quando acompanhava troupes volantes de artistas da Rádio Nacional que mambembeavam Brasil afora e incluíam Curitiba em seus roteiros - lá pelos anos 40, quando inexistindo o Guaíra as apresentações eram feitas em auditórios das rádios Guairacá e PRB-2 ou nos antigos cines-teatros Avenida, Palácio e Marabá - os dois primeiros já desaparecidos, o terceiro hoje conhecido como Cine Bristol.
Baden Powell de Aquino, fluminense de Varre-e-Sai, município de Itaperuna, 51 anos completados em 6 de agosto do ano passado, é não apenas o gênio-violonista que levou a nossa música a todas as partes do mundo. Baden é uma criatura especial, homem de extrema sensibilidade, capaz de ficar horas falando sobre a medicina orientalista, o comportamento dos japoneses - já que tem permanecido longas temporadas naquele País - ou sobre a forma de ser dos alemães, ele que, antes de voltar para o Brasil foi morar, justamente numa cidade com o seu nome - a tranqüila Baden-Baden, quase fronteira com a França.
Se é difícil classificar quem é o melhor violonista - e há pelo menos dois ou três que mereceriam serem lembrados, do clássico Turibio Santos ao popular Sebastião Tapajós, um fato é inegável: nenhum outro virtuose deste instrumento tão brasileiro (e ao mesmo tempo internacional), marcou a música brasileira como o fez este brasileiro que ganhou o nome do fundador do Escotismo, devido a admiração que seu pai, também bom violonista, o velho Lino de Aquino, tinha pelo Lord Baden Powell. Aos oito anos - lá no distante ano de 1945, seu pai o levou a Rádio Nacional, conhecendo o lendário Meira (Jaime Tomás Florence, 1909-1982), violonista do regional de Benedito Lacerda (1903-1958) e que por cinco anos foi o seu professor. Menino prodígio, Baden aprendeu os clássicos e teve influências de Dilermando Reis (1916-1977) e Garoto (Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955) - além, naturalmente, do grande Meira - um gênio que morreu sem nunca ter gravado um disco como solista - ele que participou de grandes momentos da MPB e deixou ao menos um clássico ("Molambo", letra de Augusto Mesquita).
A trajetória de Baden se confunde com a própria MPB destes 40 anos. Tocou em rádios, fez música em clubes, com Ed Lincon fez jazz na boite Plaza, em Copacabana, viajou muito. Há 32 anos já fazia sambas antológicos - como "Samba Triste" (parceria com Billy Blanco), foi uma presença fundamental na Bossa Nova e nos últimos 25 anos alternou sua presença no Brasil com longas temporadas no Exterior.
Quando estivemos juntos pela última vez, Baden nos confessava desconhecer quantas gravações já havia feito - pois só na Europa e Japão passam de 100 os elepês que gravou - em solo ou com outros grandes nomes. Em 1962, conhecendo Vinícius de Moraes - então numa fase esplêndida de criação, ao longo de bebedeiras que resultaram em clássicos da MPB, juntos fizeram desde momentos maiores do romantismo - como o "Samba em Prelúdio" (gravado ainda em 62, pelo então cantor Geraldo Vandré e a Ana Lúcia, bela voz - por onde andarás?) até a série dos Afro-Sambas, entre os quais o "Canto de Xangô" e "Canto de Ossanha", este um sucesso ao ser lançado por Elis Regina em 1966.
Na fase dos festivais da MPB, Baden emplacou músicas que mais ("Lapinha", 68) ou menos ("Cidade Vazia", com Lula Freire; "Valsa do Amor que não Vem", com Vinícius, 66), conhecidos são indispensáveis em qualquer antologia do que de melhor aconteceu em nossa música.
Um gênio como instrumentista, compositor das mais inspiradas harmonias, Baden Powell conserva aquela ternura, o encanto do garoto pobre, do músico que durante anos lutou pelo pão (e uisquinho), nosso de cada dia e que, já há alguns anos, substituiu o néctar escocês por uma cerveja mais leve - numa trajetória de tranqüilidade amorosa e espiritual, sempre ao lado de sua bem amada companheira, uma mulher fascinante e cujo encontro lhe deu um novo alento - razão de inspiração para muitas canções.
Com o vazio que a morte de Vinícius deixou na poesia e música, Baden é a presença mais atuante (já que o grande Carlinhos Lyra tem sido cada vez mais econômico em suas temporadas), para lembrar a fase da maior criatividade e beleza da MPB - e que tem, em um discípulo muito querido, o grande Toquinho, outro batalhador. Aliás, como aqui registramos em primeira mão nacional, Toquinho está começando hoje a gravar com o saxofonista japonês Sadao Watanabe - mais um nome internacional do jazz que se rende a nossa música (ver texto a respeito, nesta mesma coluna).
A vinda de Baden a Curitiba, com sua única apresentação no Guaíra é um momento maior para um reencontro com o melhor da nossa música. E com uma pessoa extraordinária, amiga e com a humildade dos grandes e reais talentos.
LEGENDA FOTO - Baden, um gênio do violão toca amanhã no Guaíra.
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