Caleidoscópio - J. lyra de Moraes
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de janeiro de 1985
Mais de 700 festivais de música popular acontecem anualmente no Brasil. Desde os mais modestos até promoções sofisticadas, em que milhões de cruzeiros serão investidos. Entretanto, em nenhum Estado ocorre o fenômeno que vem caracterizando os eventos musicais do Rio Grande do Sul – num boom impressionante desta década. De quase meia centena de festivais voltados à música nativista, a maioria é promovida pelas próprias comunidades que buscam autosuficiência financeira e independência de subvenções oficiais.
A Califórnia da Canção Nativa, foi o primeiro grande festival do Interior do Rio Grande do Sul e hoje tem uma estrutura tão sólida que a entidade que a organiza – o Centro de Tradições Gaúchas Sinuelo do Pago – pode se dar ao luxo de selecionar os patrocinados. O Bamerindus passou a ser um deles, considerando as potencialidades da região – e na qual o banco tem grandes negócios.
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Em Santa Rosa, município há pouco mais de 500km de Porto Alegre e também na zona fronteiriça com a Argentina, aconteceu entre os dias 10 a 14 de outubro de 1984, o II Musicanto – Sul-Americano de Nativismo. Com um orçamento superior ao da Califórnia da Canção ( que este ano custará Cr$ 90 milhões), o Musicanto teve os Cr$ 120 milhões do seu orçamento totalmente cobertos pelo forte empresariado local, numa prova da importância com que este evento de música nativista conseguiu já em sua implantação. A maior revendedora de veículos Ford da região, a Moto Agrícola Alto Uruguai, presidida por um jovem empresário, João Cucinelli, 39 anos, ofereceu nada menos que um Escorte zero quilômetro, no valor de Cr$ 18 milhões aos autores da música classificada em primeiro lugar – Dilan Camargo e Celso Bastos, de Porto Alegre, que com "Canto da Mulher Prometida", em bela interpretação de Eliane Geissler, ficaram em primeiro lugar. Em 1983, quando da primeira edição do Musicanto, Nelson Coelho de Castro, compositor gaúcho que passou parte de sua infância em Curitiba, já havia recebido idêntico prêmio quando sua canção "No Sangue da Terra nada Guarani", defendida pela cantora Berê, foi a primeira classificada.
Entusiasmado com a repercussão do festival, o prefeito Erni Friderichs, 38 anos, em sua primeira gestão, anunciava antes do festival se encerrar: em 1985, no III Musicanto, o prêmio voltará a ser um automóvel zero quilômetro. Que é o maior prêmio já dado a um concurso de música (popular ou erudita) no Brasil, em todos os tempos.
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Com uma organização admirável de uma comissão que tem como coordenador geral o compositor e acordeonista Luís Carlos Borges, o Musicanto é um exemplo em que deveria se espelhar os que buscam "promover" eventos artísticos pensando apenas em subvenções oficiais. A Prefeitura de Santa Rosa – município que está entre os maiores produtores de soja e trigo do Rio Grande do Sul e classifica-se em sétimo lugar em termos econômicos – não gasta nada com o festival. Ao final da edição deste ano, Erni Friderichs comentava:
_ Contabilizando todas as despesas pode-se dizer que tivemos até lucro. Sem contar com a projeção nacional que o Festival consegue.
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Mercedes Sosa, cantora argentina de fama mundial, veio especialmente para um único show durante o Festival. Cantou no estádio municipal para mais de 15 mil pessoal. Nas noites, no espaçoso auditório do Centro Cívico, 36 músicas de alto nível disputaram os Cr$ 8 milhões em dinheiro distribuídos como prêmios e mais o almejado primeiro lugar – que valeu um Escort OK. Para este ano, os prêmios serão reajustados consideravelmente, fazendo com que a disputa pelo Musicanto cresça ainda mais. Paralelamente aos compositores em competição, uma série de shows com artistas do Cone Sul foram apresentados: o harpista paraguaio Oswaldo Gaona e seu trio; o grupo argentino Los Hermanos Vallejos, os uruguaios do trio Americano, os acrovatidos integrantes do Latino Danza Show e os estudantes de vários países latino-americanos da Universidade de Santa Maria, que apresentaram, um emocionante espetáculo. Dos artistas gaúchos que também fizeram shows, dois destaques: os grupos Caverá e Canto Livre. São dois conjuntos esplêndidos, já com elepês lançados nacionalmente, que cultuam a melhor música popular.
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