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Aramis

Ceramista protesta da mutilação de sua obra

Aos poucos, os nossos artistas plásticos vão perdendo a timidez e aprendendo a colocar a boca no trombone para denunciar, em alto e bom som, os desmandos dos despreparados donos do poder da área cultural. Há alguns meses, foi a gravadora Uiara Bartira, que numa corajosa e sincera carta aberta contou a população os demandos que estão destruindo o trabalho que levou anos para ser feito de gravura da Fundação Cultural de Curitiba. Agora é uma escultora e ceramista, Stela Gouliani, que revoltada com os critérios do juri do V Salão Paranaense de Cerâmica, recusou-se a receber a premiação e, na oportunidade, divulgou o "Manifesto da Quadrinidade" que merece ser publicado. xxx Formada pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná com cursos de especialização com mestres como Francisco Stockinger (RS), Décio Lima (MG) e os argentinos Jaime Sampaio e Juan Carlos La Hour, Stella dedica-se a escultura e cerâmica há nove anos, já com um bom curriculum. Este ano, enviou um tríptico ao Salão de Cerâmica, que estranhamente teve uma de suas peças cortadas - mutilando assim sua proposta. Frise-se, aliás, que dos juris dos salões das mostras promovidas pela Secretaria da Cultura (sic), não vem mais participando críticos de artes plásticas - em mais uma evidência do distanciamento cada vez maior dos profissionais isentos e independentes, do setor, o relacionamento daquela pasta com vários setores - dos deputados a imprensa- é das mais difíceis, mas isto é assunto para outra ocasião. xxx Voltemos ao manifesto da Quadrinidade, da artista Stela Giuliani: "Ao receber a notificação da premiação da obra de minha autoria, intitulada Metamorfose, no V Salão Paranaense de Cerâmica, causou-me espanto o fato da obra ter sido mutilada. Mutilada pela retirada de um dos elementos que a compõem ou seja foi censurada na sua inteireza. Senti-me ferida pela obra não ter podido falar por ela mesma - não lhe foi dada esta oportunidade. Eu não teria nada a dizer se a obra (no seu conjunto) não tivesse sido aceita, mas sectarismo eu não aceito. Ë necessário dizer que a minha posição não é contra o M.ª que tem mantido o Salão de Cerâmica, pioneiro no Brasil, oferecendo-nos possibilidades de amadurecimento na área da cerâmica. Não aceito a inconsistência da política de artes plásticas no Paraná. Não podemos dispensar os críticos e os estudiosos da estética nas Comissões Julgadoras. Não estou falando de elitismo em relação à arte, mas refiro-me ao respeito pelo artista, pelo público. Que as Instituições que "protegem" a cultura mantêm uma equipe de críticos e pesquisadores ou eliminam os Salões Oficiais e abrem as portas a quem chegar primeiro. Se não há o respeito ao artista, porque manter uma estrutura para atuar com o trabalho desse artista? O mesmo ocorre na educação, com o objeto de ensino, o educando, assim como o artista ele é manipulado, sem autonomia de pensamento e condições mínimas de crescimento pela participação. Sentindo-me, como artista, sem uma situação definida, incorrendo nos opostos de "deuses ou diabos ", sem uma localização na estrutura político-econômico-social e ao mesmo tempo sofrendo as pressões dessa mesma estrutura para um "encaixe" perfeito. Julgando que a obra deve ser entendida como um objetivo com autonomia e linguagem própria, não vejo o porquê de eu estar escrevendo esse manifesto - a obra tem um diálogo próprio com cada espectador, bastaria apresentá-la adequadamente. Ocorre, porém, a supremacia da tecnologia as ciências humanas e a preocupação da quantidade sobre a qualidade; da produção sobre o produtor; estamos perdendo as nossas possibilidades de exercer a consciência crítica. Não aceito, portanto, a inconsistência da política de artes plásticas no Paraná. Curitiba, 28 de junho de 1984". LEGENDA FOTO- Stela Gouliani, ceramista, teve obra mutilada no salão promovido pela Secretaria da Cultura.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
04/07/1984

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