A Cidade & O Tempo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de agosto de 1975
A bibliotecária Lídia Bindo Dely, diretora da Casa Romário Martins, é uma moça de boas idéias. Uma delas foi encomendar ao jovem e trêfego pesquisador Raphael Valdomiro Grecca de Macedo, 22 anos, segundanista de engenharia e já membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, um levantamento dos tipos populares de Curitiba - do passado e do presente. Após entrevistar mais de 50 curitibanos acima dos 60 anos, Raphael acabou descobrindo três dezenas de personagens simples e humanos, que de uma forma ou outra, são lembrados com ternura ou humor, por quem sabe ver as coisas de uma cidade. Muitos destes tipos populares "não enxergavam além do seu nariz", diz Raphael na introdução do ensaio-progamado para um dos próximos números dos Boletins da Fundação Cultural. "Alguns estão inebriados pela própria loucura da cidade. Poucos não são marginalizados. Todos, são absolutamente fascinantes", acrescenta o jovem pesquisador, que viu estes tipos como "capazes de revelar à própria Curitiba e a seus circunspectos habitantes, a memória do tempo perdido". Raphael começa falando do chamado "Arcabuz da Miséria", que chegou a ser celebrizado com poesias na satírica revista "Olho da Rua" (editada a partir de 1907), para logo em seguida contar quem foi Simão Bialê, valente que marcou uma época na boemia da provinciana Curitiba da primeira década deste século.
A natural dificuldade do tema fez com que o trabalho de Raphael fosse bastante vago em termos de dados específicos dos personagens pesquisados, mas apesar disso a leitura das 38 páginas do estudo praticamente reconstituem personalidades de pessoas marginalizadas - e que até hoje nunca haviam merecido qualquer registro de maior profundidade. Depois de catalogar os tipos do passado, Raphael chega até os contemporâneos, como o Sacarrolha, a Maria do Cavaquinho, a Maria do Passo Triste (esta identificada em seu nome civil, Maria Franco Santos, 60 anos) e o estimado Bataclan, o vegetariano combativo e corajoso Cândido José dos Santos, 78 anos, desde 1922 vivendo em Curitiba. O travesti Gilda, encerra o who's who de Raphael, que dedica um epílogo à Boca Maldita, no que teve o depoimento precioso do próprio presidente da mais temida instituição de boatos da cidade, o advogado Anfrísio Fonseca da Siqueira. No encerramento de seu interessante trabalho, Raphael Macedo raciocina:
- Na primeira metade deste século Curitiba produziu mais de uma centena de sujeitos notáveis; muitos deles enquadrados como tipos populares; e hoje ... os tempos mudaram! A metrópole, intoxicada no vento, e nos próprios horizontes, foi, aos poucos, intoxicando seus habitantes".
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