Ammon, Count e Chick em suas várias fases
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de agosto de 1975
Para a alegria dos jazzofilos, os bons lançamentos continuam. Afora a fundamental série Jazz Masters, cujo último volume registramos, hoje, há importantes outros discos para agrado dos mais diversos generos. Vamos por partes.
BOOGIE WOOGIE PIANO STYLINGS (Jazz Masters / Volume 12, Mercury/ Phonogram) - Albert Ammons; (1907-1949) é citado pelos historiadores de jazz como o mais perfeito estilista do Boogie Woogie, genero geralmente visto com reservas pelos críticos mais rigorosos mas que, em suas mãos, teve uma fase marcante. Modesto chofer de táxi em Chicago, Ammons começou a atuar na década de 20, mas só nos anos 30 começaria a ter uma real presença no cenário musical daquela cidade, ao criar um grupo (1934-38) com o qual chegou a fazer um concerto no Carnegie-Hall, em Nova Iorque, em 1938, apresentando-se ao lado de Meade Lux Lewis e Pete Johnson. A recepção que obteve o ajudou a inflamar toda a lavoura do boogie do começo da década de quarenta. A versão para três pianos do trio, de "Boogie Woogie Player", feita para a Columbia em dezembro de 1948, é considerada um dos melhores exemplos do gênero já levados ao disco.
Os anos seguintes foram de prosperidade para Ammons, mas houve então uma tragédia: o pianista sofreu paralisia em ambas as mãos e foi só em fevereiro de 1944, que voltou a um estúdio de gravações. Nos cinco anos seguintes ele gravaria bastante (morreu em 5/12/1949) principalmente para a Mercury, sendo desta fase as oito magníficas faixas deste elepê, que, ao que nos parece, é o primeiro elepê de Ammons editado no Brasil. O que o faz um disco fundamental e que encerra, primorosamente, a primeira fornada desta Jazz Masters, série que esperamos tenha prosseguimento: Faixas: "Swance River Boogie", "Shuffin The Boogie", "S.P.Blues", "The Sheik of Araby", "You are my sunshine", "Boogie Woogie at the civic opera", "Twelfth St. Boogie", e o clássico "St. Louis Blues".
COUNT EM DUPLA DOSE: como registramos há um mês, a Phonogram, ao lado d editar a série Jazz Masters, que tem um sentido didático histórico, colocou também ao alcance do público brasileiro, as mais recentes produções de Norman Granz, através da etiqueta Pablo. Desta fornada estão dois marcantes elepês com trabalhos de Count Bassie (William B. Bassie, 71 anos a serem completados no próximo dia 21 de agosto) que permitem verificar que após a morte de Louis Armstrong (1900-1971) e Duke Elington (1899-1974), Bassie é hoje realmente o grande patriarca do jazz. E um patriarca eclético - pianista, compositor, organista, mestre e arranjador, como demonstrar nestes dois elepês de estilos diferentes. Em "For the first time" (Pablo 2310712/Phonogram, junho/75), apenas em formação de trio, com Ray Brown - o admirável baixista (Raumond Matthews Brown, Pittsburgh, 13/10/1926) e o baterista Louie Bellson (Luigi Balassoni, Rock Falls, Illinois, 26/7/1924), portanto um trio de instrumentistas veteranos, apresenta uma seleção de temas magnificamente emoldurados em criações únicas. Do próprio Bassie são as faixas "Baby Lawrence", "Pres", "Blues in the church", "Blues in the Alley", e "ºP.". Para o conhecido "Lady be good", de Georg & Ira Gershwin, Bassie dá dois conceitos diferentes, nas faixas de encerramento no lado ª com "I'll always be in love with you" (Ruby-Gren - Strept), "As long as I live" (R. Acuff) "Song of the islands" (King), "Royal garden blues" (Williams) e "Un easy does it" (Young-Oliver), Bassie completa este lp magnificamente jovem - gravado em 1974.
Num estilo um pouco diferente, "The Bosses" (pablo 2310709, Phonogram/junho 75) é a união do talento de Count ao do imensamente gordo e talentoso (Big) Joe Turner (Joseph Turner, Kansas City, 18/5/1911), considerado um dos grandes intérpretes de Blues e que em 1938 já cantava num concerto no Carnegie Hall. Em termos de iniciação ao (magnifico) universo do Blues - tema que por si comporta um comentário especial, e que na contracapa deste elepê tem um esclarecedor texto de Granz - não poderia haver um melhor disco. Faixas: "Honeydripper", "Honey Hush", "Cherry red", "Night time is the right time", "Blues around the clock" "Since I feel for you", "Flip, flop & fly", "Wee baby blues", "Good mornin "Blues" e "Roll em 'Pete".
INTRODUÇÃO A CHICK COREA: um dos mais importantes pianistas da nova geração americana, Chick Corea (Armando Anthony, Chelsea, Massachussets, 6/12/1941), nos últimos anos começou a ser admirado pelos que se interessam pela música criativa, independente de rótulos. Filho de um músico profissional, começou estudando piano em sua própria cidade em 1947 e profissionalmente teve suas primeiras experiências ao lado de seu pai. Em 1962, o percussionista cubano mongo (Ranon) Santamaria o contratou por quatro meses.
Logo depois passava para os grupos de Willie Bobo (1963), Blue Mitchel (1964/66), além do conjunto do flautista Herbie Mann (1965). Fundido influências jazzisticas com o som latino-americano, uma válida admiração por pianistas como Bud Powell, Tyner, Hancock, Bill Evans e até Theolonious Monk, resultou num estilo próprio, desenvolvido principalmente no início desta década com a formação de seu conjunto com o poético título de Return To Forever. "Light As Feather" (Polydor, 2310247), produzido em 72 e editado no Brasil em 1973, foi um disco-deslumbramento do estilo agradável, leve, profundamente pessoal de Corea. Naquele elepê, o guarapuavano Airto Guimorvan estava presente e sua esposa, Flora Purin, cantava a música-título. Em janeiro último, voltou a aparecer um novo disco do Return To Forever : "Where Have I Know You Before" (Polydor, 2310345), gravado em 74 mas distribuído pela Phonogram no Brasil somente no primeiro suplemento deste ano. Acompanhado pelo baixista Stanley Clarke, baterista Lenny White e guitarrista Al Dimeola, Corea voltava a oferecer naquele elepê, um trabalho tremendamente pessoal, marcante, com suas próprias composições ("Where Have I Loved You Before", "Where Have I Danced With You Before", Beyound The Seventh Glaxy", "Earth Juice", "Where I Have I Know You Before" e "Song To The PharoahKings"), intercalaldas de uma música do baixista Stanley Clarke ("Vulcan Worlds") e outra do baterista Lenny ("The Shadow of Lo"). Mais recentemente, apareceram trabalhos de Chick Corea com outras formações instrumentais: registrado na misteriosa Muse Records, a Division of Blanchris Inc., temos "Bliss! Chick Corea" (Companhia Industrial de Discos), onde sua formação instrumental é totalmente diversa: Pete LaRoca na bateria, Walter Booker no baixo e até um metal - o sax-tenor John Gilmore. Explica-se esta formação diferente: trata-se de um disco de uma fase anterior ao Return To Forever, tendo sido lançado nos Estados Unidos há oito anos, exatamente no dia 25 de maio de 1967, "quando o movimento a que pertencia a gravação ainda era chamado (e considerado) coisa nova, New Thing", como lembrou o disc-review Tarik de Souza. Em 67, de experiências especialmente promissoras, como as de Ornette Coleman, Cecil Taylor e John Coltrane (já falecido) solidificava-se uma corrente de inconfornismo. As sete faixas deste "Bliss! (em inglês, comunhão; felicidade etc.) são do baterista Pete LaRoca, a exemplo do sax-tenor Gilmore, ex-integrante de um grupo de Sonny Rollins, com um curto estágio em 60, ao lado do mestre Coltrane, depois Art Farner, Freddie Hubbard, Charles Lloyd e Joe Henderson. LaRoca, é bom lembrar, consta inclusive da "Enciclopédia do Jazz dos Anos 70", de Leonard Feather, como um baterista "típico do novo estilo de percussão e como um compositor de criações instigantes". Suas criações instigantes que podem ser ouvidas neste elepê da maior importância chamam-se: "Turkish Woman At The Baths", "Dancing Girls", "Love Planet", "Marjoun", "Bliss", "Sin Street" e "And So".
E, para completar a visão (ou audição) de Corea, temos um elepê de uma outra fase: como pianista do grupo do saxofonista e flautista Sadao Watanabe: "Round Trip" (CBS 137876, junho/75), gravado em 15 de julho de 1970, no Allegro Sound Studio em Nova Iorque. Portanto, um trabalho intermediário de "Bliss" ao "Return To Forever". Aqui, aparecem dois outros instrumentistas extraordinários, da geração dos anos 70, que começam agora a terem seus trabalhos reconhecidos no Brasil: o baterista Jack De-Johnette e o baixista Miroslav Vitous. A produção deste elepê igualmente inquietante foi do japonês Kiyoshi Itoh e as quatro únicas faixas são composições de Watanabe: "Round Trip: Going & Coming". "Nostalgia", "Pastoral" e "São Paulo". Nesta última faixa, o piano que se ouve não é de Corea, mas sim de Ulpio Minucci.
Interessante como as coisas correm no Brasil: enquanto a supérflua música pop é editada up to date, simultâneamente aos EUA-Londres, as criações mais inquietantes, como o trabalho de Corea, aqui chegam esporádicas, sem qualquer ordem, como um quebra-cabeça. Mas que, apesar disto, entusiasma a quem se interessa! Procure os dois elepês da fase Return To Forever, o Bliss e este Round Trip: são quatro dos melhores discos instrumentais aparecidos no Brasil nestes últimos anos.
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