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Aramis

Raphael e Dino ao violão, o melhor LP instrumental de 91

Quando criou há pouco mais de um ano a Caju Musik, o alemão "Cariocarizado" Peter Klan, ex-Ariola, decidiu que produziria os melhores discos instrumentais brasileiros. Record-man de sensibilidade tanto artística como em sua visão empresarial, Klan vem cumprindo o que se propôs. O catálogo da Caju, embora ainda reduzido, contém algumas das melhores produções instrumentais dos últimos anos - incluindo reedições de discos que haviam passado desapercebidos quando de seu lançamento em pequenas tiragens. Já com esquemas internacionais para edições em CD, Klan faz agora o lançamento daquele que, com toda certeza, estará em destaque entre os melhores discos do ano: o histórico encontro de dois dos maiores violonistas de nosso país - os cariocas Raphael Rabello, 29 anos, 16 de vida musical e Dino (Horondino José da Silva), 73 anos completados no último dia 5 de agosto, 59 de violão. Com sua autoridade de um dos mais competentes pesquisadores da MPB, Sérgio Cabral afirma na contracapa (vertida para o inglês por Geoff Gilbert, o que mostra o mercado internacional que este álbum alcançará) que não encontrou outra forma de definir esta produção de Klan e Barry Poweley, com direção artística de Raphael, do que a de "um disco histórico". Em seu texto que flui tão suave como a música que se ouve no disco, Cabral diz: "Imagine, companheiro, se Noel Rosa estivesse vivo e um produtor conseguisse juntá-lo a Chico Buarque de Holanda num disco. Imaginou? Pois Dino e Raphael equivalem a Noel Rosa e a Chico Buarque quando o assunto é o violão brasileiro. Não conheço em matéria de música instrumental nada que contenha mais criatividade, mais beleza, mais arte, mais brasilidade. Dino, o Noel Rosa do violão, chega a este disco depois de uma carreira de quase 60 anos, durante o qual acompanhou os maiores intérpretes brasileiros, de Orlando Silva a Jacob do Bandolim. Cantar ou tocar ao lado de Dino equivale a jogar futebol no mesmo time do país. Nada se compara a arte que desenvolve em seu violão de sete cordas. Raphael Rabello, o Chico Buarque do violão, explodiu aos 13 anos de idade, também tocando violão de sete cordas, num grupo juvenil denominado Os Carioquinhas. Hoje, aos vinte e tantos anos, como uma carreira de centenas de gravações e shows como acompanhante e intérprete, é um genial concertista de violão (agora de seis cordas) a ponto de merecer aquela definição nada exagerada: Raphael Rabello não se compara, separa-se". A produção partiu da simplicidade: um repertório com dez clássicos da MPB, em transcrições e arranjos alternados pelos dois mestres - num diálogo perfeito de duas gerações. Com razão, nosso amigo Baden Powell, costuma dizer: - "Antes de mim, Dino. Depois, Raphael. É o violão". Assim, mergulha-se neste álbum na mais perfeita viagem pelo que de melhor existe em nossa música popular. Começa com o eterno "Conversa de Botequim" (Noel Rosa), seguindo o "Jongo" de João Pernambuco (João Teixeira Guimarães, 1882-1947), autor também de "Graúna", e "Sonho de Magia", e "Sons de Carrilhões" temas que encerram o lado dois. "Escovado" de Ernesto Nazareth (1863-1934), "Alma de Violinos" de Lamartine Babo (1904-1963) e Alcyr Pires Vermelho (Muriaé, MG, 4/1/1906) e "1x0" de Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana, 1898-1973) e Benedito Lacerda (1903-1958) encerram o lado um. No lado dois, além dos três temas de João Pernambuco, temos o mais conhecido dos choros de Nazareth ("Odeon"), o esfusiante "Segura Ele" de Pixinguinha e Benedito Lacerda e o suave "Desvairada" de Garoto (Aníbal Augusto Sardinha, 1915-1955). Em torno de cada uma destas faixas poderia-se desenvolver longas apreciações, mas que se tornam desnecessárias, são momentos iluminados em que juntos, Dino e Raphael - em algumas faixas com a participação de Neco do Cavaquinho, Jorginho do Pandeiro e Celso Silva na cacheta, tamborim, gogô agogô - e reco-reco ("Segura Ele", "Conversa de Botequim", "Graúna" e "1x0") solam de uma forma única, num respeitoso diálogo. Como tão acertadamente observa Sérgio Cabral: "estabelecem relações perfeitas em todas as faixas. Raphael sola - e como sola! E Dino, ao mesmo tempo em que acompanha, também sola, aparecendo eventualmente na frente, outras vezes sublinhamos a melodia, mais adiante estabelecendo um diálogo com Raphael, para, depois, reaparecer num contracanto. Dino e Raphael repetem aqueles momentos maravilhosos que Pixinguinha (no sax) e Benedito Lacerda (na flauta) ofereceram em tempos inesquecíveis". Desnecessário falar mais! Raphael Rabello & Dino 7 Cordas é o disco instrumental da MPB, do ano. Pode aparecer algo semelhante - mas melhor, jamais!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
25/08/1991

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