A Churrascaria Cruzeiro mudou. Mas poucos sabem
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de agosto de 1991
Assim como os cafés de Curitiba do passado estão a merecer um estudo de maior profundidade - a exemplo do que Danilo Gomes fez no interessantíssimo "Antigos Cafés do Rio de Janeiro" (*), também os restaurantes tradicionais de nossa cidade há muito justificam uma pesquisa - projeto que Valério Hoerner Jr., com sua dedicação, bem que poderia desenvolver, se houvesse por parte da Fucucu sensibilidade para apoiar uma idéia desta natureza.
Afinal, se o Bar-Restaurante Palácio - pela freqüência de políticos, jornalistas, artistas etc., sempre se mantém na moda, lembrado como uma opção de boa refeição, até às 6h da manhã (embora aos domingos não funcione, contrariando o que ocorria até 1982), outros restaurantes ficaram esquecidos - ou ao menos sem mídia espontânea (em toda sua história o Palácio nunca teve um único anúncio pago, pois tanto o velho Humia como o Pepe, jamais puseram a mão no bolso para qualquer gentileza promocional).
Por exemplo, passados cinco anos de transferência de outros dos mais tradicionais restaurantes da cidade - a Churrascaria Cruzeiro - do Batel para a Rua Vital Brasil, 120 (Portão), até hoje mesmo antigos fregueses daquela casa não sabem que a casa do velho Alberto Kundy continua a manter a sua tradicional qualidade de atendimento.
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Com suas origens no chamado "Parque Inglês", no bairro do Bacacheri, a churrascaria fundada pelo imigrante alemão Germano Kundy (1896-1972) teve sua segunda sede na Avenida Batel, 1546 - num casarão rodeado de centenárias árvores no qual resistiu por 49 anos. "Só entre 1940 a 1945, durante a guerra, que passamos para a Sociedade Água Verde" recorda Alberto Kundy, 63 anos, herdeiro do estabelecimento.
Voltando para o chamado Parque Cruzeiro, em 1945, a churrascaria ali funcionou até 1986, quando num discutível processo a família Kundy foi prejudicada pelos proprietários do imóvel (**).
Uma grande campanha desenvolvida por fregueses tradicionais da churrascaria e ecologistas preocupados com a possível destruição do parque - impediu que o casarão fosse abaixo, mas foi impossível a permanência da casa nas mãos do Sr. Alberto Kundy. Assim, deixou o endereço em que estava desde 1937 e, quatro meses depois, abria a nova Churrascaria Cruzeiro, próxima ao Shopping Água Verde. Num sobrado, com ampla área - e mantendo inclusive o centenário armário que acompanha o estabelecimento desde os tempos do Parque Inglês - a casa funciona tendo nas carnes o seu prato de resistência, embora aos sábados ali também se possa saborear o melhor barreado da cidade. Roque Gonçalves, 63 anos, há 35 anos acompanhando a Cruzeiro, lamenta:
- Apesar de termos uma boa freguesia, muita gente ainda não sabe que continuamos a funcionar com o mesmo padrão.
Outro garçom, Agapito Almeida, 69 anos, desde janeiro de 1967 na casa acrescenta:
- Sempre que há uma mudança, perde-se um pouco do contato com a freguesia. Mas o importante é que não se perca a qualidade.
No caixa, acompanhando atentamente o movimento, o Sr. Alberto, que dos 5 filhos do velho Germano, foi o único que jamais se afastou da casa, lembra o entusiasmo de seu pai, preocupado sempre com a qualidade da comida servida:
- Meu pai chegou ao Brasil em 1917 e entrou no ramo comercial por acaso. Mas quando morreu, em 1972, dizia: acho que não teria sido feliz fazendo qualquer outra coisa que não fosse isto. Eu também penso assim.
Notas
(*) "Antigos Cafés do Rio de Janeiro" de Danilo Gomes (Livraria Kosmos Editora, 154 páginas, 1989) é uma detalhada pesquisa sobre os estabelecimentos que marcaram a antiga Capital da República. Pode ser solicitada diretamente à editora ou através da Livraria do Chain.
(**) Com o movimento de opinião pública que se formou quando o Parque Cruzeiro foi despejado os proprietários do imóvel ficaram imobilizados no projeto de demolir a antiga construção - que reformada foi alugada ao bilionário panificador Ernesto Villela (cadeia "Pão Real") que ali instalou uma luxuosíssima casa de carnes - Palombo (acoplada a uma casa de lanches), mas que apesar da sofisticação, não atraiu a mesma freguesia tradicional - inclusive assustando pelos preços do cardápio.
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