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Aramis

Curitiba da infância de todos nós

A leitura de "Lendas e Crendices da Infância", de Felício Raitani Neto (2.ª edição, 107 páginas, patrocínio da fundação Cultural de Curitiba, infelizmente com precaríssima distribuição nas livrarias) lembra uma das mais belas frases do romancista, dramaturgo e roteirista norte-americano Bem Hecht (1892-1964): "A juventude é um belo país. Eu mesmo morei nele alguns anos". A leitura das 13 crônicas-memóricas de Felicio Raitani Neto oferecem momentos de ternura e encantamento, fazendo retornar a um mundo que, apesar de separado por décadas, parece hoje totalmente perdido: a infância. Como nenhum outro escritor curitibano, Raitani Neto, um dos tantos autores bissextos desta cidade, soube dar aos seus textos um envolvimento caracteristicamente panaraense, suas lendas, suas crendices, seus costumes - o comportamento familiar e fraternal. Se, por um lado isso poderia tornar a obra regionalista, limitada, na verdade amplia e universaliza suas palavras. Publicas em 1944, numa modesta edição familiar, "Lendas e Crendices da Infância, somente cresceu com o passar dos anos. Um dos maiores amigos e admiradores do autor, o poeta e jornalista Maury Furtado (1939-1964), sempre insistia na necessidade deste livro ser reeditado. Pois "Lenda e Crendices da Infância" é realmente para todas as idades e todas as épocas. Talvez, nostalgicamente, quem vive, ao menos em parte, o clima, o ambiente, as "lendas e crendices" que Raitani descreve com tanta suavidade e (mesmo) poesia, se emocione mais com a leitura. Mas é impossível ficar insensível a forma inteligente, criativa e sincera com que dá a textos em que fala dos primeiros dentes de uma criança, da monotonia (e irritabilidade) dos dias de chuvas, os juramentos de infância, o amor e a presença da morte. Oito anos depois de ter publicado "Lendas e Crendices da Infância", Raitani lançou "Conversa de Passarinho" (contos) e somente em 1969 veio a publicar um terceiro livro. "Estórias com Amor" (Contos e poemas em prosas). Co-autor ainda de uma antologia sobre "Lendas Paranaense", em colaboração com Colombo de Souza (lançado por Ocyron Cunha, hoje o magnifico Reitor da UFP, em 1970), ele é um homem que escreve devagar, sem presa. Mas em compensação é um dos mais esmerados autores paranaenses, que trabalha com as palavras e sabe faze-la adquirir toda a dimensão. Os desenhos do inesquecível jornalista e artista gráfico Marcel Ferreira Leite, feito para a primeira edição desta obra, foram conservados, e Poty Lazarotto - homem cuja sensibilidade e vivência tem, graficamente, muito em comum com as palavras de Raitani, criou uma capa das mais significativas. A fundação Cultural de Curitiba, que no campo editorial tem estado amortecida (a propósito: como está o lançamento de "Alma das Ruas", de Maria Nicolas: patrocinando a reedição do livro de Raitani Neto recupera-se de muitos a oportunidade de se emocionarem com algumas das mais belas páginas já escritas sobre uma Curitiba suave, amiga e humana - sem a violência e mau-caratismo de nossos dias. Uma Curitiba tão boa quanto a infância, aquele belo país, onde, como diria Bem Hecht, todos nós morando alguns anos. Algumas pessoas, como Raitani, conseguiram fotografar muito aqueles anos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
15/03/1978

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