A dupla dose latinista com a Casla "Ah! Mérica
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de outubro de 1985
No último sábado, pela manhã, Sheila Curi, coordenadora da temporada de "Ah! Mérica", em Curitiba (Auditório Salvador de Ferrante, de 2 a 6 do corrente), conheceu a pintora Marisa Bertolli, tesoureira da recém-criada Casa Latino-Americana, que será inaugurada oficialmente esta semana. Feliz coincidência: no momento em que um dos grandes atores do Brasil, Raul Cortez, aqui estará apresentando o mais elogiado espetáculo sobre a América Latina, a cidade ganha uma instituição preocupada em defender e divulgar a cultura continental.
"Ah! Mérica" é um espetáculo com poemas e textos de autores latino-americanos, em montagem que desde abril último vem merecendo aplausos da crítica e do público em São Paulo. Agora, numa produção de Sandro Polonio, Raul Cortez começa a viajar com este show, fazendo justamente uma temporada curitibana, com estréia amanhã à noite.
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A Casa Latino-Americana foi fundada por um grupo de latino-americanos preocupados com a necessidade de divulgar a música, a literatura e as artes plásticas do Continente, bem como de estabelecer uma presença política, ao menos no campo da informação. A assembléia de fundação aconteceu já há alguns meses (20 de junho último), no Museu Paranaense, com a eleição da primeira diretoria. A presidente é uma uruguaia, a médica Glady de Souza, casada com um técnico do Ipartes. O vice-presidente é o economista Ronaldo Lopes Garcia. Nos demais cargos, estão Elisabeth Azevedo (secretária geral), Paulo Mossoca (1º secretário), Edmar Meimes (tesoureiro geral), Marisa Bertolli (1ª tesoureira) e Denise Oliveira e Belmiro Fiorani, vogais. No Conselho Fiscal, constam João Bosco da Silveira Vidal, Lucia Santos e Miguel Gueissler. No Conselho Consultivo, muitos políticos: Paulo Schilling (ex-assessor de Brizola, durante anos exilado no Uruguai) e os deputados Nelton Friedrich, Roberto Requião, Marcio Almeida, Sérgio Spada, Gernote Kirinus e Osvaldo Alencar Furtado, este um dos que mais batalharam pela criação da entidade.
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A Casa Latino-Americana - a Casla - começa funcionando na Rua Lívio Moreira, 514 (fone: 253-7234), mas, para a abertura oficial, a diretoria obteve o Solar do Barão, onde, aliás, tempos atrás já houve um núcleo de música latino-americana. Para assinalar o acontecimento, foi organizado uma "Semana América Latina Sem Fronteiras", que inclui palestras interessantes. Exemplo: Olympio Serra, antropólogo, chefe do Departamento de Etnias do Sphan Pró Memória/MEC, aqui estará, dia 6, debatendo o tema "O que é patrimônio cultural?" Numa reunião em que também estarão a crítica Adalice Araujo, Ricardo Giorglia, Maria Beatriz Flazas de Fontana (Colombia) e Maria Teresa (representando a União das Nações Indígenas), serão levantados temas que possam abranger toda a diversidade do Continente, como a questão indígena, a cultura afro-brasileira e a política de ação cultural, a preservação e restauração de nossos acervos, etc.
Na próxima semana, prosseguirão os debates com temas como "Imprensa na América Latina" (com a presença de Paulo Schilling); Alternativas Político-Econômicas para a AL; Intervenção na AL e o Grupo de Contadora; Educação na AL, e, finalmente, Língua e Sociedade, e [Plurilingüismo] nos ensinos de 1º e 2º grau.
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O interesse pela América Latina - nos aspectos culturais, econômicos e políticos - vem crescendo nos últimos anos. Hoje, o grupo Tarancon, de São Paulo, formado na maioria de brasileiros, tem um público seguro em Curitiba. Outro grupo, este bem mais firme nas propostas musicais, o Raízes da América, já tem meia dúzia de elepês gravados pelo Estúdio Eldorado. A Copacabana, há alguns anos, aqui editou dezenas de discos de artistas argentinos, chilenos e de outros países. As canções de Violeta Parra são populares e os discos de Mercedes Sosa têm sempre vendagem certa. Até um grupo local, de apaixonados pela música latino-americana, foi formado para apresentar canções de nossos países vizinhos.
Curitiba, tradicionalmente, sempre reuniu estudantes de vários países da América do Sul e Central, atraídos pelos cursos da Universidade Federal do Paraná, aos quais, em virtude de convênios internacionais, sempre tiveram acesso sem vestibular. Muitos, após formados, casaram-se com brasileiras, e aqui permanecem, inclusive em bens sucedidas carreiras na medicina, arquitetura, engenharia - entre outras profissões.
Portanto, a criação de uma Casa Latino-Americana é mesmo oportuna. Agora é de esperar que o excesso de política (e o domínio dos parlamentares do PMDB em seu Conselho Consultivo já é um sintoma disso) não venha a prejudicar a participação cultural que possa desenvolver a Casla no Estado.
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